"Num momento, num abrir e fechar de olhos, ao ressoar da última trombeta. A trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. Porque é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que o corpo mortal se revista da imortalidade. E, quado este corpo corruptível se revestir de incorruptibilidade, e o que é mortal se revestir de imortalidade, então, se cumprirá a palavra que está escrita: Tragada foi a morte pela vitória"
(1 Coríntios 15:52-54)
A Palavra de Deus declara que a glorificação será trazida sobre os salvos pela fé em Cristo em “um abrir e fechar de olhos” e a magnitude dessa transformação é inimaginável para os seres humanos que desconhecem o nível da perfeição e glória da qual a humanidade desfrutaria caso não houvesse caído em pecado.
Todas as dimensões de nosso ser, que após a queda ficaram sujeitas à corrupção do pecado e da morte, serão restauradas à sua perfeição original: física, moral, relacional, e espiritual e obviamente que o caráter do ser humano está envolvido nessa transformação, de outra forma a glorificação deixaria uma dimensão da vida humana não-transformada após o retorno do Senhor, o que não ocorrerá (1 Coríntios 13:10).
Entretanto, como manter essa compreensão e não negar os textos de Ellen White que dizem claramente que nosso caráter não será transformado na volta de Jesus?
“Quando Ele vier NÃO irá nos limpar de nossos pecados, remover de nós os defeitos de caráter...” (Testemunhos para a igreja, Vol. 1, p. 245, ênfase minha)
Esse e outros textos do Espírito de profecia têm sido usados para se pregar que devemos desenvolver um caráter santo, purificado de todo pecado e mácula aqui na terra como preparação indispensável para o céu, de outra forma estaremos perdidos para sempre.
Tudo isso pode ser, em certo sentido, legitimamente defendido, mas tudo depende dos conceitos de “caráter”; “santidade”; “purificação de todo pecado”; “perfeição” e qualquer outro conceito que envolva essas realidades.
Quando se diz que nosso caráter não será transformado na volta de cristo estamos trabalhando com um conceito específico e limitado de “caráter” e na realidade o que se está ensinando é que aqueles que mantiverem pecados não confessados e abandonados em seu “caráter” estarão perdidos para sempre.
Tais pecadores não serão transformados com a manifestação visível de Cristo no céu por uma simples razão: Eles não se permitiram ser transformados pela manifestação invisível de Cristo em seus corações através do Espírito Santo. Para esses a vinda de Jesus não trará nenhuma “transformação de caráter”, essa é a verdade.
Entretanto não se pode usar essa verdade para ensinar que Cristo só transformará em sua vinda, na glorificação, aqueles que tiverem desenvolvido caráter tão santo, justo, e perfeito (igual o caráter de Cristo) de forma absoluta!
Caso isso fosse verdade, pergunto: Paulo seria salvo se estivesse vivo no dia da volta de Jesus?
Ele mesmo disse ser pecador (Romanos 7:15-23), imperfeito (Filipenses 3:12), e basear sua segurança de salvação, em face da morte iminente, no fato de ter “guardado a fé” (2 Timóteo 4:7) e não em ter alcançado um “caráter” absolutamente celestial em um mundo de pecado, enquanto ele mesmo possuía natureza corrompida pelo pecado como todos os filhos de Adão, exceto Cristo (Romanos 5:12).
Com base nessas afirmações poderíamos dizer que Paulo não estava “preparado” para a volta de Jesus? Ellen White concordaria com responder “sim” a essa pergunta???
E João, o discípulo amado, seria salvo?
João disse ser mentiroso quem afirmar não ser pecador, ou não cometer pecado (1 João 1:8, 10), portanto devemos entender isso de que forma para interpretar corretamente o que Ellen White nos disse?
Devemos ensinar que é possível alguém ser pecador, cometer pecado, mas "ao mesmo tempo" possuir um caráter absolutamente santo e perfeito, e preparado para receber o toque da imortalidade na volta de Jesus?
A resposta óbvia a essa pergunta é não! não podemos ser pecadores e cometer pecado ao mesmo tempo em que manifestamos/possuímos um caráter perfeito!
Negar essa noção eliminaria a verdade de que nosso caráter deve ser purificado do pecado, ou seja, de que o pecado afeta o caráter humano!!!
E se o pecado afeta o caráter humano, qual a base para se dizer que devemos “parar de sermos pecadores para sermos salvos” sem ensinar com isso que NENHUM ser humano será salvo???
Todos devem entender que se a salvação dependesse do desenvolvimento de caráter perfeito em um sentido amplo, e que envolvesse todas as nuances de sua personalidade, de seu temperamento, de seus relacionamentos, e da condição do seu coração diante de Deus tanto em seu comportamento como em todas as suas intenções e disposições na existência sob o olhar da Lei do céu, ninguém seria salvo!
A Palavra de Deus, a pura verdade (João 17:17) nos diz que: “Não há homem justo sobre a terra que faça o bem, e que não peque” (Eclesiastes 7:20). E será que devemos usar essa passagem (e outras semelhantes) para dizer que a imperfeição e pecado aqui declarados revelam que todos possuem “falhas de caráter” e isso os impediria de ser transformados na volta de Jesus?
Se assim fizéssemos não estaríamos transformando a mensagem do evangelho nula e desesperançando todos os pecadores?
Analisando a questão de forma mais ampla, todos têm “caráter” corrompido pelo pecado em algum sentido e não há menção bíblica de que isso mudará antes da glorificação.
Falando de Adão antes da queda, Ellen White diz:
"Era possível a Adão, antes da queda, formar um caráter justo pela obediência à lei de Deus. Mas deixou de o fazer e, devido ao seu pecado, nossa natureza se acha decaída, e não podemos tornar-nos justos. Visto como somos pecaminosos, profanos, não podemos obedecer perfeitamente a uma lei santa. Não possuímos justiça em nós mesmos com a qual pudéssemos satisfazer às exigências da lei de Deus." (Caminho a Cristo, 62).
Adão, nos é dito pela mensageira do Senhor, podia formar caráter justo (perfeito), mas não o fez. Ao analisar as conseqüências do pecado de Adão, ela nos diz que nós, herdamos uma posição inferior a de Adão e temos natureza decaída, não sendo para nós possível sermos justos (perfeitos) como Adão podia ser antes da queda! A implicação é radical:
Adão, criado perfeito e sem pecado, podia desenvolver "caráter justo" pela obediência perfeita à lei de Deus!
Nós que temos natureza pecaminosa, diferentemente de Adão, não podemos ser perfeitos em guardar a lei de Deus, o que significa dizer que com esse conceito Ellen White esclarece que o "caráter" humano, em certa dimensão, continuará a carregar as marcas da imperfeição.
Dessa forma fica totalmente fora de questão aplicar a necessidade de transformação de caráter hoje, como significando a necessidade de ter caráter perfeito de forma absoluta para estar pronto para a volta de Jesus!
Nesse ponto da argumentação é que Ellen White nos guia para a solução do impasse: "Mas Cristo nos proveu um meio de escape... O caráter de Cristo substituirá o vosso caráter, e sereis aceitos diante de Deus exatamente como se não houvésseis pecado." (Caminho a Cristo, 62).
A única forma de possuir caráter perfeito é recebê-lo por fé, de Cristo, que é o único que o possui em si mesmo de forma perfeita absolutamente.
No sentido mais amplo o caráter de um homem representa sua identidade e natureza mais íntima, como um ser corrompido pelo pecado, de alguma forma ou de outra (e ninguém pode afirmar estar livre dessa corrupção), e é exatamente esse ser que é corrompido, e corruptível que será transformado em incorruptível, de outra forma, Cristo teria vindo salvar e chamar justos e não pecadores, invertendo e subvertendo a verdade do evangelho da glória de Cristo (Lucas 5:32), o qual é a imagem de Deus (2 Coríntios 4:4).
Portanto, as afirmações de Ellen White sobre o “caráter” que não pode ser transformado na volta de Jesus devem ser analisados com seriedade, mas também com cautela, e NÃO são relativas à natureza do caráter (coração) do homem em todas as dimensões que o conceito de "caráter" pode representar!
O caráter no sentido do texto de Testemunhos para a igreja, Vol. 1, p. 245, se refere ao centro das decisões humanas onde as pessoas respondem ao evangelho através da atitude de pecar voluntariamente (Hebreus 10:26) ou não pecar por amor a Cristo (1 João 3:9; João 15:10), e nesse sentido, quem amar o pecado e se tornar endurecido por seu engano mortal através da infidelidade (Hebreus 3:12-13) não será transformado na volta de Jesus!
Isso não nega um fato simples e importante corroborado pela mensageira do Senhor: Todos serão pecadores e imperfeitos, em certo sentido, até a volta de Jesus Cristo.
“Não podemos dizer: "Sou sem pecado", até que seja transformado este corpo abatido, para ser igual ao corpo da Sua glória” (Ellen G. White. Mensagens escolhidas, Vol. 3, 355).
E uma vez que o caráter humano faz parte daquilo que foi corrompido pelo pecado, é legítimo afirmar que, de certa forma, algumas marcas permanecerão em nosso caráter até a glorificação por causa de nossa imperfeição pessoal diante da lei de Deus.
Dessa forma podemos concluir que a salvação da humanidade pecadora não é resultado de que esses pecadores alcançaram (seja lá por qual meio for) a perfeição de “caráter” de forma a merecer o céu por si mesmos, mas indica que a graça imerecida de Deus os alcançou e se dispôs a salvá-los por um amor infinito e incompreensível (Efésios 2:8, e Tito 3:4-6).
Ellen White escreveu inspirada pelo Espírito Santo, o mesmo que inspirou a Palavra de Deus, e seu “espírito” foi sujeito “aos espíritos dos profetas” (1 Coríntios 14:32). Dessa forma é impossível que ela contradiga através de seus escritos qualquer dimensão da verdade revelada de Deus.
Com isso estou afirmando que cada conceito no Espírito de profecia deve ser avaliado à luz da Palavra, e minha convicção pessoal é de que aquele que o fizer encontrará profunda harmonia de sentido e propósito.
Creio ser extremamente pertinente alertar as pessoas de que elas entreguem seu “caráter” a Deus com todas as suas imperfeições e pecados para receberem perdão e purificação (1 João 1:9) hoje, no dia da salvação (Hebreus 3:7-8). Essa nunca será uma mensagem inadequada, enganada, ou irrelevante, a única ressalva que faço é a de que não podemos transformá-la em salvação pelo desenvolvimento do caráter, a Bíblia não apresenta tal salvação!
Conquanto a graça de Deus forme o caráter humano de forma bela, simétrica, segundo o modelo do Senhor, ainda assim é preciso lembrar que existem reais e importantes diferenças que podem ser legitimamente apontadas entre o caráter do Salvador e o caráter daqueles que foram salvos por sua graça e manifestaram os frutos dessa salvação na realidade de sua experiência pessoal (João 15:1-17) como Paulo, João e todos os outros que abraçaram a fé no mesmo evangelho da justiça do nosso Deus e Salvador Jesus Cristo (2 Pedro 1:1)
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