"...Justificados por graça, nos tornemos herdeiros, segundo a esperança da Vida Eterna"
Tito 3:7
O tema da justificação envolve uma das maiores controvérsias teológicas jamais travadas, e representa séculos de interpretação conflitante entre Católicos Romanos e herdeiros da Reforma Protestante do Séc. XVI. Nesse post trago a tradução de um texto interessantíssimo do professor de Teologia Klaas Runia a respeito da justificação no catolicismo romano.
O texto é denso e requer algum conhecimento prévio da discussão para uma melhor apreciação dele, mas nada impede que os estudantes tomem conhecimento dessa discussão inicialmente através desse texto.
Não traduzi as notas de rodapé, portanto, se alguém tiver dificuldade com a compreensão de alguma nota de rodapé por favor se dirigir a mim através de um comentário no post para esclarecimento.
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Graça e Paz!!!
Justificação
e Catolicismo Romano
Klaas
Runia
I.
Introdução
Para os reformadores e aqueles que partilham de sua
tradição a doutrina da justificação do pecador pela fé somente (Sola fide) sempre foi de importância
extrema. Na reforma luterana ela foi chamada “o artigo sobre o qual a igreja
fica em pé ou cai” (ecclesia
stantis et cadentis ecclesiae). Conquanto Lutero,
tanto quanto sabemos, nunca tenha usado essa expressão, ele estava certamente
de acordo com essa posição. Nos artigos de Smalkald
ele escreveu sobre a questão da justificação: “não podemos desistir de, ou
comprometer nada nesse assunto, mesmo se o céu e a terra e as coisas temporais
forrem destruídas. Nesse assunto se encontra tudo que ensinamos e praticamos
contra o Papa, o Diabo, e o Mundo.” (II,1). Em outras palavras, para Lutero e
seus seguidores essa questão era “um critério e um corretivo para todas as
praticas e estruturas da igreja e para sua teologia”[1]
No movimento reformado não era diferente. Calvino chamou a doutrina da
Justificação de “a principal articulação sobre a qual a religião se move”[2]
Em nossos próprios dias o teólogo holandês G. C. Berkouwer declara: “a
confissão da justificação divina toca a vida do homem em seu âmago, até o ponto
de sua relação com Deus; ela define a pregação da igreja, a existência e o
progresso da vida da fé, a raiz da segurança humana, e a perspectiva do homem
para o futuro.”[3]
Foi nesse exato ponto que o conflito entre Lutero e a
Igreja de Roma de seus dias entrou em erupção. O concílio de Trento enfaticamente
rejeitou a visão de justificação advogada pelos reformadores. Na “introdução ao
decreto” se diz da doutrina “errônea” que é disseminada “não sem a perda de
muitas almas e com grande detrimento à unidade da igreja”. No capítulo 7 do
decreto em si a justificação é descrita como “não somente a remissão de
pecados, mas também como a santificação e renovação do homem interior através
da voluntária aceitação da graça e dos dons pelos quais um homem injusto se
torna justo.” Em outras palavras, a justificação não é uma ação declaratória de parte de Deus, pela qual
Deus declara o pecador que crê em Jesus Cristo como seu Salvador como perdoado
e, portanto, justo à sua vista, mas Trento expõe uma visão transformatória: O julgamento de Deus é baseado na transformação
que sua graça efetua no pecador.
Dessa forma a justificação é uma parte da santificação e está de fato baseada
na renovação que já tenha ocorrido no próprio homem.[4]
Em alguns dos cânones do concílio de Trento a visão dos reformadores é
explicitamente condenada. Aqui, por exemplo, estão quatro das mais importantes
condenações.
9. Se alguém disser que o pecador é justificado somente
pela fé, significando que nada mais é requerido para cooperar com o objetivo de
se alcançar a graça da justificação, e de que não é, de nenhuma forma,
necessário que ele esteja preparado ou disposto pela ação de sua própria
vontade - anathema sit [que seja
anátema].
11. Se alguém disser que os homens são justificados tanto
somente pela imputação da justiça de Cristo, ou somente pela remissão dos
pecados, para a exclusão da graça e da caridade que é derramada nos corações
pelo Espírito Santo e que permanece neles, ou também de que a graça pela qual
somos justificados é somente a boa vontade de Deus - anahema sit.
12. Se alguém disser que a fé justificadora não é nada
além de confiança na misericórdia divina, que cancela o pecado por causa de
Cristo, ou que é essa confiança sozinha que nos justifica - anathema sit.
24. Se alguém disser que a justiça recebida não é
preservada ou também aumentada através das boas obras, mas que as obras são
meramente os frutos ou sinais da justificação já obtida, mas não a causa de seu
incremento - anathema sit.
Não
é uma surpresa que desde o concílio de Trento essa acentuada diferença em
relação à doutrina da justificação pela fé foi vista por ambos os lados como um
dos aspectos centrais, se não o aspecto
central, do conflito. Essa era a visão de todos os teólogos luteranos e
reformados dos séculos 16 e 17. Assim é afirmado claramente nas confissões
reformadas. Berkouwer nota que na confissão Belga, o catecismo de Heidelberg e
nos cânones de Dort existe uma “impressionante harmonia” na questão central da Sola fide (Somente pela fé). Ele rejeita
fortemente qualquer sugestão de que havia divergências entre luteranos e
calvinistas nesse ponto.[5]
A mesma posição foi defendida nos trinta e nova artigos dos líderes anglicanos
nos séculos 16 e 17.[6]
Mas os reformadores e seus seguidores não eram os únicos a ver a doutrina da
justificação como o lócus do conflito.
Da parte do magistério da igreja católica romana e de todos os teólogos
católicos do tempo da reforma e nos séculos seguintes foi mantido que a
doutrina reformada da justificação somente pela fé (Sola fide) era uma visão parcial/errônea que consistia em não menos
do que uma séria heresia. De fato, em 1653 a igreja católica romana novamente
condenou certas visões agostinianas, que eram muito próximas às posições dos
reformadores e que naquele tempo eram defendidas pelos chamados jansenistas.
Sessenta anos depois mais tarde, em 1713, a constituição Unigenitus novamente condenou certas visões mantidas pelo
jansenista Pasquier Quesnel. Dentre as afirmações condenadas estavam as
seguintes:
10.
A graça é a operação da mão do Deus Todo Poderoso, que nada pode impedir ou
retrair.
13.
Quando Deus deseja salvar uma alma, e a toca com a mão interior de sua graça,
nenhuma vontade humana a resistirá.
38.
Um pecador não é livre, exceto para fazer o mal, sem a graça de Cristo.
69.
A fé, seu aumento, seu uso e recompensa, é totalmente um dom de pura
liberalidade da parte de Deus.
Quando
no primeiro concílio Vaticano, na sessão do dia 22 de março de 1870, Stroszmayer
protestou contra a noção de que todos os erros modernos, tais quais: o
racionalismo, o panteísmo, e o materialismo, eram similares à “revolução” dos
reformadores, suas últimas palavras foram abafadas pelas altas vozes negativas
de outros padres presentes no concílio.[7]
No ano de 1910 a notória encíclica
Borromeo exaltou a Carlos Borromeo (1538-1584), um contemporâneo de Trento,
por sua luta contra “aqueles homens rebeldes e orgulhosos, inimigos da cruz de
Cristo, homens mundanos ‘cujo deus é o ventre’... corruptores...” Esses homens
assim descritos eram os reformadores. Conquanto tenha havido algum criticismo a
respeito dessa encíclica dentro dos círculos católicos romanos, praticamente
todos os teólogos católicos romanos nos tempos da Segunda Guerra Mundial eram
unânimes na rejeição do entendimento reformado da justificação como uma
completa má compreensão da doutrina bíblica e eles defendiam de todo o coração
a doutrina tal qual ela foi definida no concílio de Trento.
II.
Um clima de mudança
Depois da Segunda Guerra Mundial, contudo, uma fase
inteiramente nova se iniciou. Uma nova apreciação dos reformadores tomou lugar
dentre certos círculos da teologia católica romana. Os reformadores não eram
mais vistos como homens maus e licenciosos, ou como revolucionários e
heréticos, mas como homens piedosos que realmente desejavam reformar a igreja e
se esforçaram para ouvir às Escrituras.[8]
Para dizer a verdade, o clima dentro da teologia católica romana em si mesma,
como um todo, mudou. Ela seriamente tentou se livrar dos métodos escolásticos
de teologização que dominaram da teologia católica dentre a idade média e fez sua
própria tentativa de ouvir as Escrituras por si mesmas. Ela também desenvolveu
uma nova visão do dogma da igreja por enfatizar as dinâmicas históricas em seu
desenvolvimento, e de aspectos históricos, condicionados pelo tempo em suas
formulações. Essas mudanças no entendimento da Reforma, das Escrituras e da
natureza histórica do dogma da igreja também afetaram profundamente a visão
tradicional de justificação.
Já em 1952 o teólogo holandês W. H. Von der Pol, que
depois de estudar da doutrina da justificação exposta por Newman tinha aderido
à igreja católica romana e ais adiante se tornou professor na Universidade
Católica de Nijmegen, negou que havia qualquer diferença essencial entre a
Reforma e a Igreja Católica no que diz respeito à justificação. Depois de
afirmar a visão de Paulo nas seguintes palavras: “Sem qualquer mérito da parte
do crente seus pecados são perdoados e a justiça de Cristo é garantida a ele em
troca disso, estritamente através da graça somente. Pois se aqui houvesse
qualquer menção de méritos, a graça já não seria pela graça,” ele segue adiante
e diz: “Essa é precisamente a doutrina da igreja católica romana!”[9]
Um pouco mais adiante ele escreveu: “A Sola
fide tal qual Paulo a tinha em mente, em particular em suas cartas aos
romanos e aos gálatas, é plenamente aceita pela Igreja Católica.”
A visão de Von der Pol, contudo, não causou grande
impacto em sua época. A verdadeira ruptura veio com a publicação da tese
doutoral de Hans Küng sobre Justificação:
A doutrina de Karl Barth e uma reflexão católica em 1957 (ET em 1964).
Nessa tese, escrita sob a supervisão do próprio Karl Barth, o jovem teólogo
católico chegou à conclusão de que a princípio não havia diferença entre a
doutrina da justificação de Barth e a doutrina católica. “O tempo da antítese
acabou.”[10]
Como tal conclusão foi possível? Küng talvez tenha mal interpretado Barth? Não,
pois o próprio Barth disse que Küng deu uma interpretação correta de sua visão.
A verdadeira pista era que, de acordo com Küng, a teologia protestante tinha
continuamente mal interpretado Trento. De novo e de novo os teólogos
protestantes, incluindo-se o próprio Barth, tinham interpretado Trento como
ensinando uma doutrina sinergética de salvação. Küng negou isso. De acordo com
ele Trento, não menos do que a reforma, manteve a Sola fide, pela fé somente, e a Soli
Deo Gloria, somente a Deus seja a glória (Os títulos de dois capítulos no
livro de Küng). A razão de toda essa má interpretação (Muitas vezes mesmo no
lado católico) era de que pessoas em ambos os lados do conflito tendiam a
esquecer de que as afirmações de Trento foram feitas em uma situação polêmica.
Elas foram direcionadas contra a heresia ou contra visões que foram
consideradas heresias e, portanto, essas próprias afirmações eram parciais e refletiam
apenas um lado da questão. Trento condenou a visão declaratória de justificação
como se encontrava nos reformadores por não ter percebido que essa declaração
inclui o se tornar justo. Por outro lado, os reformadores não perceberam que a
visão transformatória da Igreja Católica Romana pressupunha o veredito
declaratório de Deus.
Como devemos avaliar a nova abordagem de Küng? Não
podemos negar que houve através dos séculos, com certeza, de ambos os lados,
muitas más interpretações e caricaturas.[11]
Mas a questão era realmente apenas uma
questão de má interpretação? Muitos teólogos católicos e protestantes têm
discordado fortemente de Küng nesse ponto. Em sua introdução ao livro de Küng
Barth já tinha expressado sérias dúvidas sobre a interpretação de Küng a
respeito do concílio de Trento. “Você pode imaginar minha considerável
estupefação a respeito dessa novidade; e eu suponho que muitos leitores
católicos irão, a princípio, ficar não menos estupefatos.” Barth não podia
senão questionar se o que Küng apresenta realmente representa os ensinos de sua
igreja:
Se as coisas que
você cita a partir das Escrituras, e da teologia católica mais antiga e mais
recente, de Denziger e conseqüentemente do texto Tridentino, de fato
representam os ensinamentos de sua igreja e estão estabelecidos como tal,
...então, tendo ido duas vezes à Igreja de Santa Maria Maggiore em Trento para
ter comunhão com o genius loci (O
espírito do lugar), eu deveria apressar minha terceira visita e fazer uma
confissão contrita – “padres, eu pequei”. Mas tomando as afirmações da sexta
sessão tal como as possuímos agora diante de nós, correta ou incorretamente
formuladas pelas razões então consideradas forçosas – você não concorda que eu
talvez devesse ter a permissão de culpar as circunstâncias atenuantes pela
considerável dificuldade que eu tenho ao tentar descobrir no texto isso que
você encontrou como sendo um ensino verdadeiramente católico? Como você explica
o fato de que tudo isso tenha podido permanecer escondido por tanto tempo e de
tantas pessoas, tanto fora da igreja quanto dentro?”[12]
Semelhantemente, outros eruditos protestantes, tais quais
G. C. Berkouwer,[13]
Rudolf J. Ehrlich,[14]
e Alister McGrath,[15]
consideram a interpretação de Küng a respeito de Trento como “incorreta e
insustentável”.[16]
Vários teólogos católicos romanos importantes compartilham dessa visão.[17]
A despeito de todo esse criticismo o livro de Küng deve
ser visto como um verdadeiro marco no estudo ecumênico da Reforma. Ele
assinalou uma nova forma de abordar o conflito dos séculos passados. Outros
jovens teólogos católicos romanos tomaram a dianteira e tentaram refinar a
argumentação usada por Küng. Por exemplo, Otto Hermann Pesch escreveu um
trabalho de mais de mil páginas sobre a teologia da “justificação em Martinho
Lutero e em Tomás de Aquino”.[18]
Sua conclusão final foi que “sob a condição estipulada que em todas as questões
afirmadas aqui Tomás de Aquino representa a doutrina da Igreja e tem sido
interpretado corretamente, entretanto podemos afirmar que, conquanto Martinho Lutero
tenha abandonado o território da teologia de seu próprio tempo e também dos
tempos que lhe precederam, ele, no entanto não entre em um novo território (Neuland) que seja proibido aos teólogos
católicos romanos.” Apesar de muitos teólogos protestantes terem ficado
impressionados com o estudo de Pesch, eles não foram ainda convencidos de que
ele tenha provado que não há nenhuma diferença essencial entre a Reforma e
Tomás de Aquino, muito menos em relação a Trento. Tanto G. C. Berkouwer quanto
H. A. Oberman defenderam a opinião que no caso de Pesch houve uma forte
tentativa para se fazer uma síntese das duas posições.[19]
Ao mesmo tempo eles não negaram que Pesch e seus intérpretes colaboradores de
Tomás de Aquino e de Trento tinham feito uma grande contribuição para um melhor
entendimento da posição católico romana no tempo da Reforma.
Na análise final, contudo, a veracidade de qualquer visão
não pode ser determinada pelo pesquisador das histórias ou das interpretações
(ou reinterpretações) dos teólogos sistemáticos, mas pala exegese do texto
bíblico. A questão decisiva é: Estava Lutero certo ou errado quando apelou para
o Novo Testamento e em particular para as cartas de Paulo? É interessante notar
que em nossos dias muitos exegetas católicos admitem que a interpretação de
Lutero da doutrina paulina de justificação pela fé estava correta. O erudito católicoK. Hertelge admite que a
justificação é “o centro de gravidade teológico nas principais cartas de Paulo”
e constitui sua “verdadeira teologia”.[20]
Semelhantemente Hans Küng reconhece que “Lutero com suas principais afirmações
sobre a doutrina da justificação, com sua Sola
gratia, sua Sola fide, seu simul Justus et peccator, está apoiado
pela Novo Testamento e em particular por Paulo cujas visões são decisivas em
última instância a respeito da doutrina da justificação”.[21]
Muitos estudiosos católicos romanos também reconhecem que Paulo usa o termo
“justificar” no sentido “declaratório, forense”.[22]
O erudito inglês e católico N. P. Willians afirma que dikaioun como usado por Paulo significa “considerar, declarar, ou
admitir que alguém é justo, ou está com a justiça”, e diz com base nos termos
usados na carta aos Romanos: “Ela é portanto o portal de entrada da vida
cristã, e não uma parte, ou um evento, da vida cristã em si – um portal de
entrada que em sua natureza só pode ser traspassado uma vez na vida, e de uma
vez por todas”.[23]
No meio tempo tem havido desenvolvimentos do outro lado
da cerca. Infelizmente devemos dizer aqui que a doutrina da justificação entre
os protestantes já não é considerada como o
tema central na doutrina cristã da salvação e da vida cristã. Mais
perturbador e inquietante ainda foi o tratamento da justificação na quarta
assembléia da federação do mundo luterano, realizada em 1964 em Helsinki. Em um
dos encontros foi dito que o testemunho da Reforma em relação à justificação
podia se dividir nas três partes do “cativeiro babilônico” da: “Doutrinação,
Individuação, e Espiritualização” e deveria ser liberta desse cativeiro por
colocar seu foco sobre a raça humana como um todo e na “anistia para todos”.
Por essa tendência universalista a Sola
fide foi roubada de ser caráter intensamente pessoal e determinante. Particularmente
alarmante foi o fato que alguns questionaram qual era a diferença entre a visão
forense e a visão transformatória da justificação. “A velha alternativa na qual
o pecador é considerado justificado ...“forensicamente” – ou “efetivamente” –
está suscitando a questão” que a ação de Deus trás no “novo nascimento”. Outros
participantes insistiram que “o ato através do qual Deus perdoa é o mesmo ato
através do qual Deus renova”.[24]
Na mensagem de Helsinki encontramos uma forte tendência em acomodar a ênfase da
igreja e o entendimento da justificação às necessidades do homem moderno. Se diz
que a questão mais intensa do homem moderno não é mais sobre um Deus de graça,
mas sim sobre o significado da vida. Lemos:
Os homens de hoje não mais
questionam: Como eu encontro um Deus de graça? Eles fazem uma pergunta muito
mais radical e elementar, eles perguntam a Deus perguntas como: Onde está você
Deus? Eles não mais sofrem debaixo da Ira de Deus, mas debaixo da impressão da
ausência de Deus; Eles não sofrem mais sob seus pecados, mas sob a falta de
significado de sua existência. Eles não mais se perguntam pela Graça de Deus,
mas se Deus existe.
Aparentemente
os proponentes dessa mensagem se esqueceram da afirmação profética de Karl
Barth na Parte IV. 1 de sua teologia sistemática (Church Dogmatics), escrita em 1953:
De todos os slogans
de nossa era, certamente um dos mais superficiais é o de que no século 16 o
homem estava preocupado com a graça de Deus e que o homem moderno está mais
preocupado com Deus em si, e como tal. Enquanto exista algo tal como Deus em si
e como tal! Como se a graça fosse uma qualidade de Deus que pudéssemos deixar
de lado enquanto gastamos nosso tempo de lazer nos questionando sobre sua
existência! Como se os homens do século 16, com sua preocupação pela graça de
Deus e sobre a justiça de sua graça, não estivessem se perguntado sobre Deus
mesmo e sua existência com uma atitude radical que não pudesse ser comparada
com os questionamentos do homem moderno, isso é uma frivolidade vazia![25]
Esses
dois movimentos quase que totalmente opostos – a teologia católica romana se
movendo para reconhecer a centralidade da justificação no Novo Testamento, e a
teologia protestante (pelo menos em alguns casos) se distanciando dessa
centralidade – mostram o quanto o doutrina da justificação está no meio de um
grande tumulto de pensamento moderno. Quase naturalmente isso nos conduz à
pergunta: Como a doutrina da Justificação pela fé da Reforma se encaixa nessas
recentes discussões bilaterais?
III.
Justificação nos diálogos recentes entre Luteranos e Católicos Romanos
Em 1972 foi publicada uma afirmação que partiu de uma
junta comum de estudos, apontada pela federação luterana mundial e por
secretários para a promoção da unidade cristã. Esse documento é conhecido como
o relatório Malta, uma vez que o
desenho final foi delineado em São Antonio, Malta, em 1971, e foi publicado sob
o nome “O Evangelho e a Igreja.”[26]
A seção sobre justificação foi breve.
Ela disse “hoje ... um consenso de grande alcance em relação à questão
da justificação está sendo desenvolvido.” Nenhum fundamento nos é dado, nem temos
acesso a nenhuma indicação do por que esse consenso estaria sendo desenvolvido.
É isso o resultado de uma “atmosfera de mudança” na teologia de hoje? Ou esse
consenso se refere a uma mudança na compreensão bíblica e nas hermenêuticas
confessionais? Ou é talvez um consenso que se refere a uma crescente
convergência na experiência religiosa de ambos os lados? Nós não recebemos
qualquer resposta a essas perguntas. É garantido, todavia, que a justificação
de fato é vista como uma expressão geral do evento salvífico e de uma
importante expressão da mensagem central do evangelho. Ao mesmo tempo é também
admitido de que existe uma grande necessidade de um tratamento mais completo
desse assunto e de suas implicações.
Essa necessidade foi tratada no diálogo sobre
justificação por uma comissão conjunta de luteranos norte americanos e
católicos romanos. A discussão sobre esse assunto específico começou em 1978 e
resultou em um importante documento de 24.000 páginas, publicado em 1983 sob o
título Justificação pela Fé.[27]
Esse documento é um marco no diálogo entre a reforma e Roma. Alister Mcgrath,
um especialista na história da doutrina da justificação,[28]
chama esse documento “de longe o documento ecumênico mais importante que lida
com o tema da justificação pela fé”. Ele é da opinião de que “a análise e a
conclusão desse documento são confiáveis” e que “ele é simplesmente uma obra
prima.[29]
Depois de uma breve introdução o documento trata com três
tópicos: A história da questão; reflexão e interpretação; e perspectivas para a
reconstrução. É, naturalmente, impossível dar um resumo completo do documento,
uma vez que uma forma condensada ele contém uma enorme quantidade de
informação. Devemos, portanto, nos limitar a alguns dos principais pontos e
descobertas. A introdução menciona uma “afirmação cristológica” na qual todos
eles concordam. Uma vez que ambos os partidos crêem que “Jesus Cristo é a fonte
e o centro de toda a vida cristã e da existência da obra da Igreja”, eles
afirmam:
Nossa esperança de
justificação e salvação repousa completamente em Jesus Cristo e no evangelho
pelo qual as boas novas das ações misericordiosas de Deus são tornadas
conhecidas; Não colocamos nossa confiança em nada além da promessa de Deus e
obra salvadora em Cristo (16).
Com
toda honestidade eles adicionaram que isso não significa que eles tenham plena
concordância sobre a questão da justificação pela fé, mas “que isso faz surgir
a questão ...caso as diferenças que permanecem sobre essa doutrina precisam
realmente dividir a igreja”.
A.
A história da questão
Na parte I eles começam afirmando que a controvérsia
sobre a justificação é tipicamente um problema ocidental. Foi Agostinho que, em
sua controvérsia contra Pelágio, enfatizou a justificação pela fé somente.
Contudo, ele tomou justificação como
significando “fazer justo” e dessa
forma desenvolveu a justificação como um processo
transformatório realizado no homem. Enquanto Agostinho enfatizou a total
necessidade da graça por parte dos seres humanos, seu modelo transformatório
permitia uma especulação crescente sobre o papel humano em todo esse processo.
Isso conduziu a vários desenvolvimentos: (1) No conceito da graça todo tipo de
distinções foram feitas gradualmente e cada vez mais conduzindo à discussão das
potencialidades da natureza humana em si. (2) uma doutrina do mérito foi
desenvolvida por meio da qual foi feita uma distinção entre “mérito de côngruo”
(uma recompensa sob o fundamento da conveniência e baseada do caráter generoso
de Deus) e “mérito de condigno” (uma recompensa estritamente justa em relação a
serviços prestados). Enquanto a última foi rejeitada em geral, alguns teólogos
aceitaram a primeira. Ela era vista como uma ‘base para a esperança de que Deus
“não nega a graça para aqueles que fazem o que neles está” (facientibus quod in se est Deus non denegat gratiam)’
(19). Esse ‘fazer o que neles está’ poderia facilmente se tornar uma ‘condição’
que o homem deveria cumprir para receber graça. De fato, isso se tornou uma das
razões da “excessiva escrupulosidade” da idade média tardia e era vista pelos
reformadores como uma causa da ‘consciência aterrorizada’ (20). (3) Na doutrina
da predestinação nós observamos em algumas correntes de pensamento medieval uma
mudança para a ideia de que o decreto de Deus está baseado em sua presciência
dos méritos de um homem.
A partir disso se torna claro que durante a idade média
existiam muitas escolas de pensamento diferentes. Resumindo seu estudo dos
desenvolvimentos pós-agostinianos o documento observa uma ‘variedade
desorientadora’, na qual as intenções agostinianas estão combinadas com ênfases
nas possibilidades da própria natureza humana. ‘Todo mundo professava ser
agostiniano e anti-pelagiano, mas havia pouca concordância a respeito do que
esses termos significavam’ (21).
Se
movendo para o debate do século 16 o documento afirma que o apelo dos
reformadores para a doutrina paulina da justificação ‘pela fé independentemente
das obras da lei’ (Rom. 3:28) foi ocasionada por dois problemas principais. O
primeiro deles foi o ‘pelagianismo desconcertante’ que era notável nas
tendências medievais em relação à piedade e à teologia. As indulgências, com
sua prática de ‘comprar’ a salvação, são mencionadas em particular. O segundo
(e talvez maior) problema era a necessidade de ‘consolar as consciências
aterrorizadas’. Lutero conhecia isso a partir de sua experiência própria. Sua
pergunta ‘como eu encontro um Deus gracioso?’ ainda não tinha sido respondida
pela Sola Gratia [Somente pela graça]
de Agostinho, enquanto as boas obras ainda tivessem seu papel na obtenção da
salvação. Dando ouvidos a Paulo ele chegou à resposta da Sola fide [somente pela fé]: nós não podemos confiar em nada além
da promessa de Deus de misericórdia e perdão em Jesus Cristo. É na base da
justiça ‘externa’ ou ‘extrínseca’ de Cristo que Deus justifica, ou seja, que
ele declara o pecador justo. Essa justificação é completa. O pecado está
totalmente justificado, mesmo que ele em si mesmo ainda seja pecador. Daqui
surge a famosa frase simul
justus et peccator [ao mesmo
tempo justo e pecador]. Essa visão de justificação significava uma forma
inteiramente nova de pensar e que era marcadamente diferente daquela de
Agostinho e da teologia medieval. Ao invés de um modelo transformatório
progressivo, baseado no dom de Deus de uma graça infusa e justiça inerente,
Lutero adotou a visão de uma justificação instantânea e completa sob a base da justitia aliena (a justiça ‘estranha’ [extrínseca/externa]) de Cristo.
Conquanto
nas controvérsias seguintes a justificação não fora de forma alguma a questão
central (cf. os críticos passaram por
várias faculdades teológicas, que se centralizaram em questões relacionadas ao
livre-arbítrio, a alegada pecaminosidade das boas obras, a penitência, o valor
das indulgências, etc., ao invés de na questão da justificação em si, 26), os
oponentes de Lutero perceberam correta e plenamente que essa nova visão de
justificação tocava o coração da questão. Na refutação da confissão de Augsburgo eles descreveram a doutrina da justificação
pela fé somente como ‘diametralmente oposta à verdade evangélica, que não
exclui as obras’ (29). Todas as tentativas de mediar as duas posições (como,
por exemplo, no Colóquio de Regensburg, 32) foram rejeitadas tanto por Lutero
quanto por Roma.
Finalmente,
em 1542 o Papa Paulo III decidiu convocar um concílio, que se reuniu em 13 de
dezembro de 1545. O debate sobre a justificação se iniciou em 22 de junho de
1546 e levou perto de seis meses. Os padres do concílio sabiam muito bem o que
eles estavam fazendo. Em 21 de junho Marcelo Cervini (mais tarde Papa Marcelo
III) os relembrou que nenhum concílio precedente tinha tratado plenamente com
essa doutrina e que a doutrina da justificação de Lutero estava na raiz da
maioria dos erros a respeito dos sacramentos, do poder das chaves, das indulgências
e do purgatório.[30] A
questão não poderia ser decidida facilmente, todavia, por que haviam diferentes
escolas de pensamento presentes no concílio.[31]
Alguns, como São Felice, bispo de La Cava, abertamente defendia a justificação
pela fé somente. Contudo, quando em outubro foi tomado um voto sobre a questão
de a justificação ser: inerente ou imputada, a última foi rejeitada por 32
votos a 5. Em outras palavras, o concílio optou por uma visão transformatória
da justificação.
Isso
nós podemos observar claramente no decreto que foi promulgado em 13 de janeiro
de 1547. O documento americano provê um resumo justo desse decreto que contém a
doutrina oficial da igreja católica romana sobre a justificação. O concílio
reafirma o papel único de Cristo em nossa salvação. ‘Nada é mais importante que
a justificação’, seja fé ou obras, elas verdadeiramente merecem a graça da
justificação. A preparação para a justificação também é uma questão de deus
predispor graça em Cristo. Em outras palavras, o concílio se posiciona ao lado
de Agostinho e contra Pelágio, e com Orange II se posicionou contra o
semi-pelagianismo. O mais importante que isso possa ser, esse não é o fim da
questão. Pois depois desse início auspicioso é adicionado que o pecador é
chamado a cooperar com essa graça através da não rejeição dela por vontade
própria. Quando isso acontece a graça é infusa (gratia infusa) no pecador, e por isso ele é feito justo. Tudo isso é aceito pelo
pecador pela fé (o concílio claramente ensina a primazia da fé!), mas essa fé não
é viva a não ser quando ela se torna uma fé que age através do amor. Para dizer
a verdade, fé, esperança, e amor são infusas ao mesmo tempo. Graças a essa
justificação os seres humanos são renovados e ‘enquanto a fé coopera com as
boas obras’, eles crescem e são posteriormente justificados. Em outras
palavras, dentro do contexto da graça preveniente, existe espaço para (na
verdade, necessidade) de atividade e mérito humanos. Se o último [definitivo] é
mérito de côngruo ou de condigno não fica claro. Daqui surgem os muitos debates
sobre esses pontos depois do concílio de Trento.[32]
Finalmente, para evitar a suspeita de que essa ênfase na fé e nas obras possam
desacreditar do poder salvador de Cristo, o concílio declara no final do último
capítulo: ‘longe dos cristãos confiar ou glorificar em si mesmos e não no
Senhor (cf. 1 Cor. 1:31; 2 Cor.
10:17), cuja generosidade para com todos é tão grande que Ele deseja que seus
próprios dons sejam os méritos deles’.[33]
É
evidente que, a despeito da ênfase na absoluta necessidade de graça, essa é uma
visão de justificação claramente diferente daquela de Lutero. Portanto é
surpreendente que o documento diga: “O decreto tridentino sobre a justificação,
com sua própria forma de insistir na primazia da graça, ...não é necessariamente
incompatível com a doutrina luterana da Sola
fide, mesmo que Trento tenha excluído essa frase” (35). Eu acho essa
afirmação surpreendente, pois Trento enfaticamente sustentou a visão
transformatória de Agostinho e da teologia medieval, na qual a justificação não
é virtualmente nada além do primeiro estágio da santificação[34]
na qual o homem com sua atividade e com suas boas obras, portanto, está
incluído desde o princípio. Para Lutero, por outro lado, a justificação não
nada além do portão da salvação, na qual Deus faz tudo, declarando o pecador
justo sob a base da justiça (externa) de Cristo, enquanto o pecador não tem
nada além de uma mão vazia (Sola fide,
pela fé somente) na qual ele recebe o
dom gratuito de Deus. Somente após entrar por esse portão o pecador se encontra
na estrada da santificação e é chamado a manifestar boas obras ‘às quais Deus
preparou de antemão’ (Efésios 2:10). Quão profunda é a diferença entre as duas
visões só se torna aparente quando comparamos as diferentes percepções a respeito
da segurança da salvação. Para Lutero isso está incluído do Sola fide (se uma pessoa realmente
confia na justiça de Cristo que lhe é externa, ela está naquele mesmo momento segura de sua salvação). De acordo com
Trento isso é impossível, e essa conclusão não é surpreendente, pois como uma
pessoa pode ter segurança na salvação se essa salvação depende de justiça
inerente que pode ser perdida por pecados mortais, e parcialmente também das
boas obras que precisam acompanhar a graça que lhe foi dada?
Outro
ponto no qual a ampla e profunda fenda entre as duas visões se torna visível é
a doutrina dos sacramentos. Para Trento existia uma clara e inseparável conexão
entre sua própria doutrina da justificação e sua doutrina dos sacramentos. Não
apenas era a última o próximo objeto de discussão e decisão, mas a introdução
do decreto dos sacramentos sendo a seguinte: ‘para a complementação da salutar
doutrina da justificação... pareceu apropriado lidar com os mais sagrados
sacramentos da igreja através dos quais toda verdadeira justiça tanto começa,
ou estando começada, aumenta, ou sendo perdida é restaurada.’ Essa conexão
inseparável não é surpreendente, pois a visão do concílio dos sacramentos é
também completamente transformatória. De acordo com o que lemos no cânon 4
sobre “sacramentos em geral”: ‘Se alguém disser que os sacramentos da Nova Lei
não são necessários para a salvação, mas são supérfluos, e que sem eles ou sem
mesmo o desejo deles os homens obtém de Deus através da fé somente[35]
a graça da justificação, ainda que todos não são necessários para cada indivíduo – que seja anátema.’
Semelhantemente nós lemos no cânon 8: ‘Se alguém disser que pelos sacramentos
da Nova Lei não é conferido ex opere operato [pelo ato realizado], mas que fé somente na
promessa divina[36]
é suficiente para obter graça – que seja anátema.’ É evidente que os
sacramentos são necessários para se obter a justificação, pois é pelos meios do
sacramento que a graça de Deus se torna inerente ao homem, e somente sob a base
dessa graça inerente é possível a Deus justificar o homem.
B.
Reflexão e Interpretação
Na
segunda parte do documento americano, que é chamada ‘reflexão e interpretação’,
a pergunta é feita se caso esses padrões diferentes de pensamento não deveriam
ser vistos, pelo menos em parte, complementariamente ao invés de forma
necessariamente divisiva (49). A visão tomada é de que esses diferentes padrões
de pensamento estão relacionados com ‘preocupações contrastantes’. Os luteranos
querem salvaguardar a absoluta prioridade da Palavra Redentora de Deus em
Cristo e, portanto, exclui qualquer confiança em si para a salvação. Os
católicos, conquanto não rejeitem a absoluta prioridade da atividade salvífica
de Deus, estão geralmente mais preocupados com a eficácia da obra salvadora de Deus
na renovação/santificação da criação. Essas diferentes preocupações conduzem a
padrões de pensamento e de discurso notavelmente diferentes. Os luteranos,
preocupados com a posição do pecador diante de Deus (coram Deo) e ouvindo ao mesmo tempo as palavras de Deus a respeito
do julgamento e do perdão na lei e no evangelho, focam sua atenção nessa
“descontínua, paradoxal, e relação simultânea dupla de Deus com o justificado”,
já os católicos, preocupados com a renovação da criação pela graça de Deus, se
expressam mais facilmente em uma linguagem de transformação que descreve o
processo da renovação através da infusão da graça salvadora por parte de Deus.
À
primeira vista isso pode parecer ser uma descrição simples e franca das
diferenças, com o leitor facilmente tendo a impressão que a diferença não é
muito mais do que uma questão entre os dois lados de uma mesma moeda. O
documento, contudo, continua e honestamente demonstra que a diferença vai muito
mais fundo do que isso. As duas preocupações diferentes e suas duas
conseqüentes formas de pensar e de falar diferentes acarretam diferenças em
muitos outros pontos também. Seis deles foram explicitados: (1) A natureza
forense da justificação (50); (2) A pecaminosidade do justificado – a famosa
frase simul justus et
peccator [ao mesmo tempo justo e
pecador]
(51); (3) A suficiência da fé (Sola fide – somente pela fé), ou fides caritate formata (a fé formada pelo amor) (52); (4) O conceito de mérito (54); (5) O
conceito de satisfação, estabelecendo práticas como os sacramentos da
penitência, missas para intenções especiais, indulgências, e a doutrina do
purgatório (55); (6) O critério para a autenticidade – quando alguém é um
cristão autêntico? (56). Em cada caso as perspectivas e interesses diferentes
são demonstrados e uma tentativa é feita para indicar que o outro partido
compartilha das mesmas preocupações, mesmo que eles possam expressar e
enfatizar isso de forma diferente. Depois de tudo isso, o leitor não se
surpreende que na parte final dessa seção do documento se encontre a seguinte
conclusão:
Se essa interpretação está correta, luteranos e católicos podem
compartilhar das preocupações uns dos outros a respeito da justificação, e
podem em algum grau reconhecer a legitimidade das perspectivas teológicas contrastantes
e estruturas de pensamento. Ainda assim, por outro lado, algumas das
conseqüências das diferentes visões parecem irreconciliáveis, especialmente em
referência a aplicações particulares da justificação pela fé como o critério de
toda a proclamação e prática da igreja.
C. Perspectivas para a reconstrução
Em
sua terceira e última parte o documento pensam no futuro e tentam mostrar
formas de aproximação posterior. Ele primeiro aponta para um número de
crescentes convergências sinceras concordâncias em exegeses das Escrituras. Em
nossos dias os católicos têm reconhecido que a ‘justiça/justificação é mais
prevalecente no ensino do Novo Testamento do que normalmente tinha se
suspeitado nos séculos antecedentes ou entre os mais antigos comentaristas, e
que ela é uma imagem de importância primária para a expressão do evento Cristo
e mesmo do evangelho’ (58). É também geralmente reconhecido que Paulo não foi o
‘inventor’ da doutrina da justificação, mas que ela é de origem pré-paulina
(60). É verdade, porém, que Paulo, em seu conflito com os judaizantes, afiou o
significado da doutrina. Várias outras áreas de convergência foram também
mencionadas.
A
última seção, chamada “convergências crescentes”, começa com a admissão cândida
de que ainda existem consideráveis diferenças quanto a se a justificação
deveria ser o critério para a questão de quais crenças, práticas, e estruturas
são aceitáveis. Menção especial é feita aqui sobre o purgatório, o papado, e o
culto aos santos (69). A seguir, doze convergências materiais são mencionadas.
Na quinta nós lemos: ‘A justificação, como uma transição do desfavor e
injustiça ao favor e à justiça aos olhos de Deus, é totalmente uma obra de
Deus. Por justificação nós somos tanto declarados
quanto feitos justos. A justificação, portanto, não é uma ficção legal.
Deus, ao justificar, torna efetivo o que Ele prometeu; Ele perdoa o pecado e
nos faz verdadeiramente justos.’[37]
As doze convergências materiais conduzem a duas conclusões, às quais citaremos
por completo. A primeira conclusão começa com a repetição da ‘afirmação
cristológica’ que foi mencionada no começo do documento.
Nossa
inteira esperança de justificação e salvação repousa sobre Jesus Cristo e sobre
o evangelho pelo qual as boas novas da ação misericordiosa de Deus é feito
conhecida. Não colocamos nossa confiança última em nada além do que a promessa
e obra salvadora de Deus em Cristo. Tal
afirmação não é equivalente ao ensino da reforma a respeito da justificação de
acordo com o qual Deus aceita pecadores como justos por causa de Cristo sob a
base da fé somente; mas por sua insistência de que a confiança para a salvação
deve ser colocada inteiramente sobre Deus, isso expressa uma preocupação
central dessa doutrina. Ainda assim ela não exclui a posição católica
tradicional de que a obra da transformação dos pecadores realizada pela graça é
uma preparação necessária para a salvação final (72).
Deve ser enfatizado que nossa
comum afirmação de que é Deus, somente em Cristo, em quem os crentes confiam em
última instância não necessita de nenhuma forma particular de conceitualizar ou
retratar a obra salvífica de Deus. Essa
obra pode ser expressa na imagem de Deus como juiz que pronuncia pecadores
inocentes e justos ... e também em uma visão transformatória que enfatiza a
mudança realizada nos pecadores pela infusão da graça (72).
D.
Avaliação
Será
auto-evidente que isso não é uma questão simples avaliar esse documento
legitimamente. Certamente ele não será rejeitado como algo desimportante, sob a
base de que nada mudará de qualquer forma, enquanto Roma não se retratar, ou
pelo menos modificar as decisões tomadas em Trento. Conquanto seja verdade que
as decisões tomadas em Trento a respeito da justificação ainda sejam a doutrina
oficial da igreja católica romana, não deveríamos subestimar a significância da
pesquisa história e exegética dos anos recentes e desses diálogos francos e
bilaterais. Cometeremos um erro se desprezarmos as convergências em relação à
exegese das Escrituras. Não é algo pequeno que muitos exegetas católicos romanos
reconheçam a centralidade e a natureza forense da justificação no Novo
Testamento e em especial em Paulo. Também não é pouca coisa que a pesquisa
histórica esteja demonstrando que a interpretação de Trento não é tão simples
quanto teólogos católicos e protestantes pensavam. Aparentemente,
interpretações diferentes são possíveis, algumas das quais estão muito mais
próximas da visão protestante do que outras. Em adição, não deveríamos
esquecer, como G. Carey afirmou corretamente, que ‘enquanto seja verdade que o
magistério, de fato, não tenha feito nenhuma afirmação que indique uma mudança
de coração no Vaticano, devemos observar que não se fez qualquer afirmação que
condene essa mudança na interpretação’.[38]
Também devemos concordar com ele de que toda essa pesquisa recente tem
‘descoberto camadas de profunda má interpretação’.[39]
Semelhantemente G. C. Berkouwer aponta que hoje é geralmente reconhecido ‘que a
antítese que Trento colocava entre si e Lutero procedia de certas
pressuposições sobre a Reforma, e essas pressuposições da época tiveram grande
contribuição na ação tomada pela contra-reforma’.[40]
Por
outro lado, deveríamos ser cuidadosos em não concluir precipitadamente que
todas as diferenças estão no passado e não são nada além de mal-entendidos. Sem dúvida, houveram
mal-entendidos, às vezes devido ao fato de que ‘o que era central para os
reformadores era geralmente secundário para seus oponentes; talvez nenhum lado
tenha considerado plenamente as afirmações do outro grupo’ (22). Um
mal-entendido, por exemplo, foi a interpretação católico romana da visão
reformada da justificação forense como “ficção legal”, que não tinha nenhuma
conseqüência ética de qualquer forma. Outro mal-entendido é a acusação feita
por alguns teólogos luteranos e reformados de que Trento não era nada além de
uma repetição da velha heresia do semi-pelagianismo. Ainda assim é difícil
acreditar que todo o conflito do
século 16 era apenas uma questão de mal-entendidos. Ambos os lados estavam
geralmente bem conscientes do que o outro lado ensinava e acreditava.
O
conflito ia, indubitavelmente, além de uma questão de diferentes preocupações e padrões de pensamento. Não negamos que há
alguma verdade nessa sugestão. É um fato que ‘muitas das dificuldades surgiram
de preocupações contrastantes e padrões de pensamento nas duas tradições’ (49).
Ainda assim, reconhecer isso não resolve definitivamente os séculos de conflito
e suas diferenças bem estabelecidas. Isso já se torna visível a partir do fato
de que é impossível colocar uma lupa nas duas visões e depois uni-las em uma só
harmonia. Não estou dizendo que o documento americano tenta fazer isso. Os
participantes no diálogo eram muito honestos para fazer tal tentativa. Ainda
assim não pode ser negado que às vezes eles tendem a tentar harmonizar vários
aspectos das duas visões, que de fato são irreconciliáveis. Por exemplo, na
seção sobre os dados bíblicos eles primeiro admitem que Paulo em Gálatas 2:16
usa o verbo “justificar” num sentido declaratório, forense, mas imediatamente
acrescentam: ‘ainda assim a justificação não têm apenas um sentido forense, mas
também representa o poder de Deus em ação, pecadores são “tornados justos” (cf. Rom. 5:19); Isso envolve justiça
tanto no sentido ético, quanto diante de Deus (62). Exegetas protestantes, tais
quais Herman Ridderbos, mantêm que em Rom. 5:19 ‘justificar’ é usado em um
sentido ‘estritamente’ forense. Käsemann fala de uma
justiça ‘escatológica’. No parágrafo seguinte gálatas 2:21 é citado (‘através
da fé, não da lei’), mas então o escritor escreve imediatamente: “a fé também é
algo ‘que age através do amor’ (Gál 5:6)”, e conclui: ‘tal entendimento
...evita muito da amargura do século 16
sobre a interpretação de Gál. 5:6’ (62). Mas esse tipo de argumentação não é
nenhuma ajuda, todavia; pois tudo depende do contexto onde essa frase ocorre.
Em gálatas 2 Paulo fala de justificação no estrito sentido do termo e,
portanto, enfatiza a sola fide
(somente pela fé); Em gálatas 5 ele também fala da justificação que estava em
perigo quando os gálatas pensaram que em adição à obra de Cristo eles também
precisavam se circuncidar, e conseqüentemente guardar a lei. Novamente Paulo enfatiza a necessidade de fé
em Cristo, mas agora ele acrescenta que essa fé não deprecia a guarda da lei,
pois ela é uma “fé que atua pelo amor”. Nesse ponto Lutero e Calvino também
seguiam a Paulo. Nem eles, nem quaisquer outros dos reformadores, jamais
negaram que a fé justificadora age em amor. Calvino, por exemplo, bem
claramente afirmou que “é a fé somente que nos justifica, mas a fé que
justifica não está sozinha”![41]
Embora
tenhamos que criticar o documento nesses pontos, não queremos afirmar que os
autores não estavam cientes das diferenças que ainda permaneceram. Da fato, em
vários pontos eles mencionaram essas diferenças com muita honestidade. Eles
admitem que, apesar de católicos crerem que a vontade salvífica de Deus não tem
causa além dEle mesmo e que, portanto, a salvação é em sua totalidade
incondicional, não obstante eles também crêem dentro dessa totalidade existe um
número de elementos, alguns dos quais são condicionais sobre outros (50). Eles
adiante admitem que os luteranos pensam que a ênfase católica na infusão da
graça torna difícil de expressar adequadamente qual seria o caráter imeritório
do perdão misericordioso de Deus (51). Existe uma diferente apreciação da
questão do pecado nos crentes; os católicos continuam a ter dificuldade em
aceitar a fórmula simul justus
et peccator (ao mesmo
tempo justo e pecador) de Lutero (51). Permanecem diferenças sobre a natureza
da fé justificadora. É ela sola fide (somente pela fé) ou fides
caritate formata (fé formada pelo amor) (52-3)? Os católicos ainda
sustentam que ‘as boas obras dos justos dão o título à salvação em si no
sentido de que Deus fez a aliança de salvar aqueles que, impulsionados pela
graça, fazem sua vontade’ (54). Os católicos também sustentam que os
sofrimentos dos pecadores penitentes e dos inocentes podem ser aplicados em
forma de oração em busca do perdão e da misericórdia de Deus. (55/6). O
documento em toda franqueza afirma que estudos adicionais nesse último ponto
são necessários a fim de determinar o quanto luteranos e católicos podem
concordar em pontos tais quais: o sacramento da penitência, a missa para
intenções especiais, indulgências, e purgatório (56). Todas essas ‘doutrinas
tradicionalmente disputadas’ podem, de fato, ser difíceis de aceitar para
luteranos e outras igrejas da reforma, uma vez que elas não têm base nas
Escrituras. Mas essas mesmas doutrinas não mostram também que a questão real
não foi ainda, de fato, resolvida? Pois essas doutrinas não são acréscimos
acidentais, mas conseqüências ‘naturais’ da doutrina católica a respeito da
graça.
IV. ARCIC
II
Na
Grã-Bretanha, também, tem havido discussões bilaterais, dessa vez entre
anglicanos e católicos romanos. Aqui também uma afirmação sobre a doutrina da
justificação foi publicada sob o título Salvação
e a Igreja.[42]
Comparada com o documento americano (que foi usado pelos participantes do ARCIC
II [7]), o documento britânico é bem mais fraco. O título, é claro, é bastante
atraente: “Salvação e a Igreja”. No prefácio dois co-presidentes escrevem que foi
proposta a eles tratar com a questão da doutrina da justificação, mas eles
sentiram que isso deveria ser feito apenas no contexto mais amplo da doutrina
da salvação como um todo, que conduziu a uma discussão do papel da igreja na
obra salvífica de Cristo. Naturalmente essa extensão requereu o risco de que o
estudo não seria realmente focado na doutrina da justificação em si.
Infelizmente foi exatamente isso que aconteceu. A seção sobre a justificação em
si novamente se inicia com um conceito mais amplo de salvação. O primeiro
parágrafo diz que ‘As Escrituras falam dessa salvação de muitas formas’ (15). O
parágrafo seguinte menciona explicitamente uma grande variedade de termos,
começando com o lembrete: ‘alguns termos são de mais fundamental importância do
que outros; mas não existe um termo ou conceito que controle a todos; eles se
complementam’ (16). Desta forma justificação se torna apenas um dos muitos
termos usados no Novo Testamento, e não há virtualmente nenhuma forma de dar a
ele um lugar especial como o portão para uma nova vida. No parágrafo 15 o
documento afirma que “justificação e santificação são dois aspectos da mesma
obra divina”. Em nenhum lugar se deixa claro que eles sejam dois atos distintos
de Deus. Continuamente os dois atos estão tão intimamente relacionados que eles
parecem ser um. A diferença entre a visão da Reforma que é forense e
declaratória, e a visão católica que é transformatória, é confundida o tempo
todo. São típicas afirmações como esta: ‘A graça de Deus efetua o que Ele
declara: sua palavra criadora comunica o que ela imputa. Por nos declarar
justos, Deus também nos faz justos’ (17). É, portanto, bastante compreensível
por que o documento tenha sido tão severamente criticado pelos evangélicos
anglicanos.
Isso
não significa que não houveram pontos positivos. McGrath corretamente afirma
que o documento nos favorece por fazer um resumo dos principais pontos de concordância
entre as igrejas, que geralmente são obscurecidos pela controvérsia dos séculos
16 e 17.[43]
É útil que esses mal-entendidos sejam esclarecidos. Mas tendo enumerado esses
pontos de concordância McGrath tem que admitir que ‘nenhum desses pontos eram
realmente pontos de discordância no século 16’ e o documento ‘parece de alguma
forma relutante em se referir às reais discordâncias que os teólogos anglicanos
clássicos perceberam que havia entre eles mesmos e Roma’. Isso, é claro, é
apenas uma forma agradável de dizer que o documento não contém nenhuma novidade
e não é realmente útil para elucidar ou transcender as diferenças existentes!
Sob
os fundamentos do documento em si e dos artigos mencionados na nota 19 eu me
senti obrigado a fazer dos seguintes comentários críticos.
(1) Permanece
obscura qual seja a verdadeira posição anglicana. Na nota da página 10 do
documento vários teólogos anglicanos com diferentes cores teológicas são
mencionados. Por todo o documento é dada a impressão de que a teologia
anglicana se situa em algum lugar entre a teologia da Reforma e de Roma, e
provê um meio termo.
(2) As
concordâncias entre a Reforma e a Igreja católica romana são pintadas de tal
forma que é bastante difícil ver quaisquer reais diferenças. Quatro
dificuldades são mencionadas (o entendimento da fé que justifica; o
entendimento da justificação e conceitos associados; justificação e justiça; o
lugar das obras na salvação; e o papel da igreja no processo da salvação,
11ss.), mas elas são expressas de tal forma que a conclusão é: “essas não
precisam ser questões de disputa entre nós” (13). Em outras palavras, as
concordâncias são maximizadas e as discordâncias são minimizadas.
(3) A parte
histórica do documento deve ser severamente criticada por sua ‘visão
unilateral’ e incompletude.[44]
(4) Não há
uma clara distinção entre justificação e santificação. Nunca fica claro que
‘embora indissolúveis, justificação e santificação não são sem idênticas, nem
simultâneas’.[45]
(5) Conseqüentemente
não há nenhuma afirmação clara sobre a natureza da fé justificadora.[46]
É essa a justitia aliena (justiça externa) de Cristo, ou é uma justiça
inerente? Simplesmente é afirmado que os reformadores tendiam a seguir o uso
‘predominante’ de dikaioun (o verbo grego) no Novo Testamento, que
‘geralmente’ significa ‘declarar justo’, enquanto os teólogos católicos e
Trento seguiam o uso patrístico e dos escritores medievais latinos, que
traduziam justificare (o verbo latino) por ‘tornar justo’ (17). Nenhuma
escolhe é feita! Dessa forma a natureza forense da justificação não recebe
nenhuma ênfase especial.
(7) Na seção final de “a salvação e a igreja” não há
menção das práticas eclesiásticas que se seguem ao conceito católico de graça e
justificação, tais quais indulgências, orações pelos mortos, penitências
purgatoriais, o culto dos santos, etc.[48]
(8) O documento não faz nenhuma tentativa séria de
interpretar nenhuma afirmação chave das Escrituras.[49]
A despeito de todas essas fraquezas e desvios o
documento termina com a seguinte conclusão:
O equilíbrio e a coerência dos elementos constituintes da doutrina da
salvação têm sido parcialmente obscurecidos no curso da história e da
controvérsia. Em nosso trabalho nós testamos redescobrir o equilíbrio e a
coerência e expressá-las juntas. Nós concordamos que essa não é uma área onde
quaisquer diferenças remanescentes da interpretação teológica ou ênfase
eclesiológica, tanto dentro como entre nossas comunidades, podem justificar
nossa separação. Cremos que nossas duas comunhões estão de acordo nos aspectos
essenciais da doutrina da salvação e do papel da igreja nela (26).
Em
uma forma essa conclusão me surpreende; em outra não. Surpreende-me que
teólogos capazes e líderes da igreja possam chegar a essa conclusão de posse de
tão escassas evidências. Por outro lado, eu não estou surpreso, pois tal
conclusão só é possível se alguém não fez um estudo mais profundo e
compreensivo desse conflito que já dura por séculos.
V.
Epílogo
Onde
estamos hoje em relação à questão da justificação? Como já vimos anteriormente,
a conferência mundial luterana de Helsinki estava de fato confusa sobre a importância
e a centralidade da justificação para as pessoas de nossos tempos. Tem a igreja
católica romana também enfraquecido sua posição? Desde o concílio Vaticano I, é
claro, se tornou impossível para Roma se retratar de qualquer dogma oficial da
igreja. Mas desde a declaração do papa João XXIII, durante a sessão de abertura
do concílio Vaticano II, sobre a distinção entre a substância da fé, que é
imutável, e a expressão da fé, que pode ser desenvolvida através de uma
interpretação mais precisa, existe a possibilidade para uma interpretação
posterior e mesmo para uma re-interpretação do concílio de Trento. De igual
forma é possível que se faça adições esclarecedoras. Algumas dessas adições de
fato foram feitas no Vaticano II (ainda que a doutrina da justificação não
tenha recebido nenhuma atenção especial). Ele ampliou a definição de fé para
além do conceito intelectual comum. Ele enfatizou a presença de Cristo na
proclamação do Evangelho. Ele enfatizou que os cristãos deveriam lembrar que
sua dignidade deve lhes “ser atribuída não por seus próprios méritos, mas pela
graça especial de Cristo”. Ele também aplicou, pelo menos em alguma extensão, o
simul justus and peccator (ao mesmo tempo justo e pecador) a igreja em si,
conquanto que ao mesmo tempo ainda coloca grande ênfase no papel da igreja e de
seus sacramentos na sua doutrina da graça.[50]
Somos também gratos de
que entre muitos teólogos católicos romanos (especialmente os mais jovens)
existe uma apreciação crescente da visão da Reforma a respeito da justificação.
Não devemos subestimar a importância desse desenvolvimento. Esses teólogos
influenciam de muitas formas o pensamento dentro da igreja, não apenas dos
padres, mas de muitos leigos bem informados. É uma questão para regozijo que
todos os mal-entendidos estejam sendo removidos e muitas das caricaturas
tradicionais (de ambos os lados) estejam sendo reconhecidas como tal. Diálogos
ecumênicos, tais quais entre luteranos e católicos na América (EUA), provaram
ser bastante úteis nesses sucessos. Ninguém pode negar por mais tempo que tanto
a Reforma quanto Roma reconhecem que a graça é indispensável para a salvação. Quando
McGrath diz que tudo que nós temos em comum é uma “doutrina cristocêntrica da
justificação anti-pelagiana”,[51] ele
pode estar colocando a questão muito negativamente e estar minimizando o ponto
de partida. Wright corretamente aponta para o que Hooker já havia dito de que
católicos e protestantes concordam ‘que nenhum homem atinge justiça, senão
pelos méritos de Jesus Cristo’ e que Cristo, como Deus, é a causa eficiente, e
como homem é ‘a causa meritória de nossa justiça’.[52] Semelhantemente
Berkouwer tem apontado que na doutrina católica romana da graça tudo acontece
dentro do círculo da gratia
praeveniens (graça
preveniente). Mesmo Trento disse que somos justificados gratuitamente (gratis),
‘pois nenhuma dessas coisas precede a justificação, seja fé ou obras, méritos
da graça da justificação, pois “se é pela graça, já não é pelas obras”, “de
outra forma”, como diz o apóstolo, “a graça já não é mais graça” (Rom. 11:6)’. Essa
também é a razão por que o documento americano pôde começar com uma ‘afirmação
cristológica.’
Entretanto, ainda
assim, permanecem diferenças bem estabelecidas. Elas não estão relacionadas ao
ponto de partida da salvação na graça, mas em relação à aplicação dessa
graça na vida concreta dos crentes. Nesse ponto anda permanece uma ampla e
profunda fenda, a despeito da toda a reaproximação teológica.Até o dia
de hoje Roma ainda mantém uma visão transformatória da justificação, junto com
as doutrinas e práticas concomitantes. O significado disso para a fé e piedade católica
romana não deveria ser subestimado. Steven Ozment, professor de história
eclesiástica na universidade de Harvard, uma vez listou das mudanças sociais e
religiosas trazidas pela Reforma do século 16 na Europa.
Mesmo em sua forma mais modesta a Reforma clamava por, e muitos áreas
protestantes atingiram isso plenamente, um fim para o jejum obrigatório;
confissão auricular; adoração de santos, relíquias, e imagens; indulgências;
peregrinações a lugares sagrados; vigílias; missas semanais, mensais e anuais
pelos mortos; a crença no purgatório; o culto em latim; o sacrifício da missa;
numerosas cerimônias religiosas, festivais, e feriados; as horas canônicas;
monastérios e ordens mendicantes; o sacramento do casamento, extrema unção,
confirmação, ordens santas e penitência; celibato clerical; imunidade clerical
de impostos civis e jurisdição criminal; benefícios não-residentes; excomunhão
e interdito; lei canônica; autoridade episcopal e papal; a educação escolástica
tradicional do clero.[53]
Não desejo dizer que todos os pontos dessa lista
estão conectados com a doutrina católica romana sobre a graça, mas é óbvio que
a grande maioria está. Alguns deles têm sido lapidados nos séculos depois de
Trento. Pensamos particularmente no concílio Vaticano I (e Vaticano II!) sobre
a infalibilidade do Papa, e dos dogmas sobre Maria. Dentro do círculo da graça
preveniente e atual, o homem ainda tem um papel importante. A evidência mais
forte para isso talvez seja encontrada na mariologia. A elevação de Maria
simplesmente enfatiza a que extensão o humano é capaz de cooperar com Deus na
execução de Seu plano de Salvação.[54] Por
sua forte ênfase na justificação como um ato forense de Deus, que só pode ser
aceita pela fé, a Reforma decretou a morte de todas as cooperações humanas
mesmo no início da aplicação da Salvação. Nossa salvação é inteiramente a obra
de Deus.
Isso não significa que não exista nenhum lugar para
a atividade humana na salvação. Em primeiro lugar o Novo Testamento
constantemente ecoa o chamado a se crer em Jesus Cristo. Indubitavelmente
essa fé não é uma ‘obra’ no sentido de que ela acrescente coisa alguma à graça
de Deus. Como Calvino costumava dizer, ela é apenas a mão vazia na qual o homem
recebe a graça. Mas a justificação Não ocorre sem essa fé. É nesse exato ponto
que podemos ver bem a fraqueza da doutrina da justificação de Karl Barth.
Conquanto ele tenha escrito belas páginas sobre a justificação em sua teologia
sistemática, e conquanto ele subscreva plenamente à doutrina da sola
gratia (somente pela graça) e mesmo da sola fide (somente pela fé),
é todavia um choque notar que no quarto volume de sua teologia sistemática ele
se recusa a chamar a justificação de ‘o artigo pelo qual a igreja fica de fé,
ou cai’.[55] É
certeza que ele não nega que ‘nunca houve, nem pode haver, nenhuma verdadeira
igreja cristã sem a doutrina da justificação’. Ainda assim, e ao mesmo tempo,
ele afirma que ela ‘é apenas um aspecto da mensagem cristã da
reconciliação’.[56]
Qual é, então, o artigo pelo qual a igreja fica em pé, ou cai? A resposta é: ‘a
confissão de Jesus Cristo, em quem estão ocultos todos os tesouros da sabedoria’.
Naturalmente, é difícil discordar de Barth. Quem gostaria de negar que Cristo é
“a base e o cume” mesmo da doutrina da justificação? Não podemos esquecer, contudo,
que Barth tem sua visão particular do lugar de Cristo no plano de Deus para a
salvação. De acordo com ele tudo já foi decidido na eternidade, a saber, na
eleição ou rejeição de Jesus Cristo, que é o princípio de todos os caminhos e
obras de Deus. Desde a eternidade a criação inteira está na luz da graça de Deus
em Jesus Cristo. Dessa forma encontramos o ‘objetivismo’ na doutrina de Barth a
respeito da graça. A única real diferença entre o crente e o descrente é que o
primeiro sabe a respeito da graça, enquanto o outro (ainda) não sabe.[57] Aqui
a justificação não é essencialmente nada além de um novo vislumbre (insight),
pelo qual o pecador reconhece e admite sua condição ‘de fato’. Ela é, para
assim dizer, uma transição no nível cognitivo: do não saber, em direção
ao saber. Para Lutero – e aqui ele certamente segue a Paulo – justificação é
uma transição existencial na qual o pecador realmente e de
fato se move da culpa para a inocência, de estar sob a condenação de Deus para
estar sob o favor de Deus. Berkouwer corretamente apontou que Barth não leva o
pecado e a descrença a sério, o que é visível em sua fala sobre a impossibilidade
‘ontológica’ de pecado e descrença.[58] De
acordo com Barth, em Jesus Cristo a possibilidade da descrença é ‘rejeitada,
destruída, e colocada de lado’[59] Isso
não significa que Barth negue a necessidade da fé. Mas essa necessidade,
também, é de natureza ‘objetiva’. De fato, já ocorreu a eleição de Jesus
Cristo. A necessidade da fé no homem não é, de fato, nada além de uma repetição
da decisão eterna. Berkouwer corretamente pergunta se Barth dessa forma não
está relativizando’ a decisão humana em
relação à fé.[60]
Ele acha impressionante que nem as Escrituras ou a reforma sabem nada a
respeito do problema de Barth. Reconhecendo plenamente a ação soberana de Deus
na justificação do pecador, elas (as Escrituras e a Reforma) também levam muito
a sério a descrença do homem e, portanto, o chamam urgentemente à fé. Para colocar
isso em termos bíblicos, Paulo não disse ao carcereiro de Filipos: ‘Você já
está salvo em Cristo; portanto creia nEle’, mas ‘creia no Senhor Jesus, e
você será salvo, tu e a tua casa.’ (atos 16:31). De fato, a fé é uma
necessidade indispensável no milagre da justificação.[61]
Mas também enfatizamos que essa fé não permanece
sozinha. Em sua Homilia ‘da salvação da humanidade’ Cranmer já havia afirmado
isso claramente: ‘a fé não exclui nosso arrependimento, amor, tremor, e temor
de Deus, a serem ajuntadas com a fé em cada homem que é justificado. Mas as
exclui “do ofício de justificar”. Semelhantemente Hooker
disse: ‘nós por esse discurso (somente a fé justifica) nunca intencionamos
excluir a esperança ou o amor de estarem sempre presentes como parceiros
inseparáveis com a fé com a qual um homem é justificado; ou de serem
acrescentadas obras como deveres requeridos das mãos de todo homem justificado;
mas intentamos mostrar que a fé é a única mão lançada a Cristo para justificação’[62] A
eliminação de toda cooperação humana precisamente nesse ponto dá ao pecador a
maior alegria e certeza da salvação.
Não é surpresa que Trento tenha, nesse exato ponto,
rejeitado a visão dos reformadores. No capítulo IX do decreto de justificação o
concílio não apenas descreveu tal segurança como ‘arrogante’, mas como ‘uma
confiança vã e impiedosa’, mas também afirmou inequivocamente que ‘ninguém pode
saber através da certeza da fé, que não pode ser sujeita a erro, que tenha
obtido a graça de Deus’. E no cânon 16 se diz: ‘se alguém disser que com certeza,
com uma certeza absoluta e infalível, que possui o grande dom da perseverança,
a menos que tenha concluído assim por uma revelação especial – anathema sit (seja
anátema).’ Essa visão é uma inferência necessária da visão católica romana da
justificação, por causa de sua inclusão da ideia da cooperação humana. Tão logo
quando um elemento de sinergismo, mesmo que pequeno, entre na doutrina da
graça, não há mais espaço para o conceito da Reforma de segurança na salvação.
Por que Lutero e os outros reformadores colocaram
toda a sua fé na obra declaratória de Deus na justificação, e rejeitaram
qualquer possibilidade de cooperação humana neste ponto, eles tiveram
uma firme base para a segurança. Por que a salvação do homem não está em nada
que ele faça, nem mesmo em sua fé, mas repousa somente na maravilhosa justitia aliena (justiça externa) de Cristo, tal homem pode saber
com certeza que seus pecados são verdadeiramente perdoados e que, a despeito da
pecaminosidade que nele permanece, ele nunca cairá das mãos do Deus da graça. “Ao
mesmo tempo justo e pecador” não é uma visão unilateral luterana, mas toca o
próprio coração da salvação. Solus
Christus (somente Cristo), sola gratia (somente graça), e sola fide (somente
pela fé) pertencem juntas a uma unidade inquebrantável, e por causa desse
unidade a última expressão é e permanece sendo Soli Deo gloria (Somente
a Deus seja a Glória!)
[1]
Cf. H. George Anderson, T. Austin Murphy and Joseph A. Burgess, eds., Justification
by Faith. Lutherans and Catholics in Dialogue VII (Minneapolis, 1985) 25.
Somewhere Luther comes very close to the expression articulus stantis et cadentis ecclesiae, for he writes: ‘If this article stands, the church stands; if it falls,
the church falls.’ Op. cit., 320 n. 51.
[4]
In fact, Trent and the Reformation polarised
over six issues in the doctrine of justification: 1. the relationship between
justification and sanctification; 2. the formal cause of justification: the
imputation of Christ’s righteousness or the impartation of God’s own
righteousness; 3. the nature of ‘concupiscence’; 4. the nature of faith: is
implicit faith enough or is the faith that justifies fiducial faith?; 5. the
nature of the eucharist and of the priesthood of the minister; 6. the Roman
Catholic charge that the Reformers had no real place for subjective
righteousness and holy living. Cf. C.O. Buchanan, E. L. Mascall, J. I.
Packer and the Bishop of Willesden Growing into Union. Proposals for forming
a united Church in England (London, 1970) 43ff.
[6]
Cf. R. A. Leaver, The Doctrine of Justification in the Church of England
(Latimer Studies 3; Oxford 1979); and R. G. England, Justification Today:
The Roman Catholic and Anglican Debate (Latimer Studies 4; Oxford 1979).
[8]
Cf. Richard Stauffer, Luther as seen by Catholics (Ecumenical
Studies in History; London: Lutterworth, 1967); Fred W. Meuser, ‘The Changing
Catholic View of Luther’, in Fred W. Meuser and Stanley D. Schneider, eds., Interpreting
Luther’s Legacy. (Minneapolis, 1969) 40–54; P. Manns, Martin Luther: Ketzer oder Vater im Glauben (Hannover 1980); Gottfried Maron, Das Katholische Lutherbild der Gegenwart (Göttingen, 1982); Hans Scholl, Calvinus Catholicus,
(Freiburg, 1974).
[11]
Even as late as 1965 we still read in the
introduction to the chapter on Grace in Karl Rahner, ed., The Teaching of
the Catholic Church (ET Cork, 1967 [orig. 1965]) 367. (a condensed version
of all the official decisions of the Church of Rome): ‘It is not just that man
is as though justified; he is justified. In this the Church’s doctrine
on justification is diametrically opposed to that of the Reformers who admitted
only an external justification, a sort of attribution of Christ’s righteousness
to man while inwardly man remained a stranger to righteousness.’
[14]
Rome: Opponent or Partner (London, 1965) 101ff. Cf. also his statement on p. 198: ‘Is
Küng’s interpretation of Barth wrong or of Trent? Since Barth himself testifies
that Küng rendered his teaching accurately and interpreted it correctly, we
come reluctantly to the conclusion that what Küng develops as the Roman
teaching is not, or at least is not yet, officially the teaching of his
Church.’
[17]
Cf F. Barth, ‘Römisch-katholische Stimmen zu
dem buch von Hans Küng “Rechtfertigung” ‘, in Materialdienst des
Konfessionellen Instituts 11(1960)
81ff. It is interesting to note, however, that no one has suggested that what
Küng claims to read in the intention of Trent is unorthodox: cf G. C.
Berkouwer, Recent Developments 44. Karl Rahner concluded that there is
no doubt as to the ‘orthodoxy of Küng’s summary of the Catholic teaching on
justification’.
[18]
Theologie der Rechtfertingung bei Martin Luther
and Thomas von Aquin (Walberberger Studien: Theologische Reihe, Bd 4; Mainz, 1967).
[19]
O. C. Berkouwer, ‘Convergentie in de rechtvaardigingsleer?’, GTT 72 (1972) 129–157; Heiko A. Oberman, ‘De rechtvaardingsleer bij Thomas en Luther’, Kerk en Theologie 20 (1969) 186–191.
[20]
Rechtfertingung bei Paulus. Studie zur Struktur
und zum Bedeutungsgehalt des Paulinischen Rechtfertingungsbegriffs (Münster, 1971) 286, 295–306.
[26]
For the full text see Worship 46
(1972) 326–351, and LW 19 (1972) 259–273. Both the German and the
English texts are also found in Harding Meyer, ed., Evangeliuni—Welt—Kirche
(Frankfurt am Main, 1975).
[27]
For the full title, see note 1. This volume
also contains the background papers of the dialogue. Furthermore, there is the
companion volume: John Reumann, Righteousness in the New Testament:
‘Justification’ in Lutheran–Catholic Dialogue (Minneapolis, 1982). In the
text of our paper we shall indicate the page number(s) of the document itself
between brackets.
[28]
For the full title, see note 1. This volume
also contains the background papers of the dialogue. Furthermore, there is the
companion volume: John Reumann, Righteousness in the New Testament:
‘Justification’ in Lutheran–Catholic Dialogue (Minneapolis, 1982). In the
text of our paper we shall indicate the page number(s) of the document itself
between brackets.
[29]
arcic> II and Justification: an Evangelical Anglican Assessment of ‘Salvation
and the Church’ (Latimer Studies No. 26;
Oxford: 1987) 31f.
[33]
Cf. also Canon 33: ‘If any one shall say that the Catholic doctrine of
justification as set forth by the Holy Council in this present decree derogates
in some respect from the glory of God or the merits of our Lord Jesus Christ,
and does not rather illustrate the truth of our family and no less the glory of
God and of Christ Jesus—let him be anathema.’
[34]
Cf. G. C. Berkouwer, The Conflict with Rome (Philadelphia, 1958)
238: ‘With Rome justification is based on sanctification, on sanctifying
internal grace. The judgment of pardon through divine justification was in
principle understood as an “analytical judgment”, i.e., a statement of that
which was already found in man now or will be found in him in his future
perfection later on.’
[37]
My italics. The italicised words show how
confusing such a statement is. Luther and the other Reformers never thought of
justification as a ‘legal fiction’. When God pronounces us righteous, we are
righteous. But we are not righteous in ourselves, by inherent grace, but
because we are clothed with the righteousness of Christ.
[41]
Acta Syn. Trid. cum Antidoto, Opera VII, 477—Fides ergo
sola est quae justificat, fides tamen quae justificat, non est sola. Cf. also Inst. III.16.1: ‘So it appears to be true that we are not
justified without works, nevertheless not by the works.’
[42]
It was published in 1987 and is generally
called arcic II. Again we shall
mention the page number(s) in the text of the paper. A considerable number of
articles and pamphlets on the document have been published. We mention the
following: Alister McGrath, ‘arcic
II and Justification: Some Difficulties and Obscurities relating to Anglican
and Roman Catholic Teaching on Justification’, Anvil 1 (1984) 27–42
(this article, written long before the publication of the document, expressed
some wishes on the part of the author); the entire issue of Evangel 5/2
(Summer 1987) 124, containing the text of the document and articles by Tim
Bradshaw, Julian Charley, Roger Beckwith, Hywel Jones, and David F. Wright;
McGrath, arcic II and
Justification, see note 25; R. E. England, ‘Salvation and the Church: A
Review Article’, The Churchman 101 (1987) 49–57; Paul Avis, ‘Reflections
on arcic II’, Theology 90
(1987) 451–459; McGrath, ‘Justification: the new ecumenical debate’, Themelios
13 (1988) 43–48; An Open Letter to the Anglican Episcopate, Easter 1988,
1–12.
[50]
Cf. Justification by Faith 42f. ‘Christ associates the work of the church with himself and is
present by his power in the sacraments, so that the liturgy is an exercise of
Christ’s own priesthood’ (42).
[54]
Cf. the chapter on Mary in G. C. Berkouwer, The Conflict with Rome
152–178. Cf. also his The Second Vatican Council and the New
Catholicism 221–248.
[57]
Cf. Barth’s sermon on the two criminals who were crucified with Christ, in
his sermon collection Deliverance to the Captives (London, 1961) 75–84.
Barth says here that these two criminals were ‘the first certain Christian
community’ (77). He does not deny that there is a difference between the two
men: the one acknowledged who Jesus was and what he did in his suffering and
death for all men; the other shared in the general mockery. But then he
continues: ‘This is certainly an important and notable difference between the
two criminals. But we shall not dwell on it today. For the difference is not
important enough to invalidate the promise given so clearly, so urgently to
both of them, indeed without distinction’ (81). A little later he goes much
further and says that both of them were covered by the word of Paul in Rom.
6:8. Therefore, ‘these two criminals were the first two who, suffering and
dying with Jesus, were gathered by this promise into the Christian fold’ (82).
[58]
G. C. Berkouwer, The Triumph of Grace in
the Theology of Karl Barth (Grand Rapids, 1956) 266ff.
[61]
For a thorough criticism of Barth at this very point, see also Alister
E. McGrath, Iustitia Dei 2. 170ff.
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