segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Justificação e Catolicismo Romano - Um estudo imperdível!!!

"...Justificados por graça, nos tornemos herdeiros, segundo a esperança da Vida Eterna"
Tito 3:7

O tema da justificação envolve uma das maiores controvérsias teológicas jamais travadas, e representa séculos de interpretação conflitante entre Católicos Romanos e herdeiros da Reforma Protestante do Séc. XVI. Nesse post trago a tradução de um texto interessantíssimo do professor de Teologia Klaas Runia a respeito da justificação no catolicismo romano.
O texto é denso e requer algum conhecimento prévio da discussão para uma melhor apreciação dele, mas nada impede que os estudantes tomem conhecimento dessa discussão inicialmente através desse texto.
Não traduzi as notas de rodapé, portanto, se alguém tiver dificuldade com a compreensão de alguma nota de rodapé por favor se dirigir a mim através de um comentário no post para esclarecimento.

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Graça e Paz!!!


Justificação e Catolicismo Romano
Klaas Runia


I. Introdução
            Para os reformadores e aqueles que partilham de sua tradição a doutrina da justificação do pecador pela fé somente (Sola fide) sempre foi de importância extrema. Na reforma luterana ela foi chamada “o artigo sobre o qual a igreja fica em pé ou cai” (ecclesia stantis et cadentis ecclesiae). Conquanto Lutero, tanto quanto sabemos, nunca tenha usado essa expressão, ele estava certamente de acordo com essa posição. Nos artigos de Smalkald ele escreveu sobre a questão da justificação: “não podemos desistir de, ou comprometer nada nesse assunto, mesmo se o céu e a terra e as coisas temporais forrem destruídas. Nesse assunto se encontra tudo que ensinamos e praticamos contra o Papa, o Diabo, e o Mundo.” (II,1). Em outras palavras, para Lutero e seus seguidores essa questão era “um critério e um corretivo para todas as praticas e estruturas da igreja e para sua teologia”[1] No movimento reformado não era diferente. Calvino chamou a doutrina da Justificação de “a principal articulação sobre a qual a religião se move”[2] Em nossos próprios dias o teólogo holandês G. C. Berkouwer declara: “a confissão da justificação divina toca a vida do homem em seu âmago, até o ponto de sua relação com Deus; ela define a pregação da igreja, a existência e o progresso da vida da fé, a raiz da segurança humana, e a perspectiva do homem para o futuro.”[3]
            Foi nesse exato ponto que o conflito entre Lutero e a Igreja de Roma de seus dias entrou em erupção. O concílio de Trento enfaticamente rejeitou a visão de justificação advogada pelos reformadores. Na “introdução ao decreto” se diz da doutrina “errônea” que é disseminada “não sem a perda de muitas almas e com grande detrimento à unidade da igreja”. No capítulo 7 do decreto em si a justificação é descrita como “não somente a remissão de pecados, mas também como a santificação e renovação do homem interior através da voluntária aceitação da graça e dos dons pelos quais um homem injusto se torna justo.” Em outras palavras, a justificação não é uma ação declaratória de parte de Deus, pela qual Deus declara o pecador que crê em Jesus Cristo como seu Salvador como perdoado e, portanto, justo à sua vista, mas Trento expõe uma visão transformatória: O julgamento de Deus é baseado na transformação que sua graça efetua no pecador. Dessa forma a justificação é uma parte da santificação e está de fato baseada na renovação que já tenha ocorrido no próprio homem.[4] Em alguns dos cânones do concílio de Trento a visão dos reformadores é explicitamente condenada. Aqui, por exemplo, estão quatro das mais importantes condenações.
            9. Se alguém disser que o pecador é justificado somente pela fé, significando que nada mais é requerido para cooperar com o objetivo de se alcançar a graça da justificação, e de que não é, de nenhuma forma, necessário que ele esteja preparado ou disposto pela ação de sua própria vontade - anathema sit [que seja anátema].
            11. Se alguém disser que os homens são justificados tanto somente pela imputação da justiça de Cristo, ou somente pela remissão dos pecados, para a exclusão da graça e da caridade que é derramada nos corações pelo Espírito Santo e que permanece neles, ou também de que a graça pela qual somos justificados é somente a boa vontade de Deus - anahema sit.
            12. Se alguém disser que a fé justificadora não é nada além de confiança na misericórdia divina, que cancela o pecado por causa de Cristo, ou que é essa confiança sozinha que nos justifica - anathema sit.
            24. Se alguém disser que a justiça recebida não é preservada ou também aumentada através das boas obras, mas que as obras são meramente os frutos ou sinais da justificação já obtida, mas não a causa de seu incremento - anathema sit.
Não é uma surpresa que desde o concílio de Trento essa acentuada diferença em relação à doutrina da justificação pela fé foi vista por ambos os lados como um dos aspectos centrais, se não o aspecto central, do conflito. Essa era a visão de todos os teólogos luteranos e reformados dos séculos 16 e 17. Assim é afirmado claramente nas confissões reformadas. Berkouwer nota que na confissão Belga, o catecismo de Heidelberg e nos cânones de Dort existe uma “impressionante harmonia” na questão central da Sola fide (Somente pela fé). Ele rejeita fortemente qualquer sugestão de que havia divergências entre luteranos e calvinistas nesse ponto.[5] A mesma posição foi defendida nos trinta e nova artigos dos líderes anglicanos nos séculos 16 e 17.[6] Mas os reformadores e seus seguidores não eram os únicos a ver a doutrina da justificação como o lócus do conflito. Da parte do magistério da igreja católica romana e de todos os teólogos católicos do tempo da reforma e nos séculos seguintes foi mantido que a doutrina reformada da justificação somente pela fé (Sola fide) era uma visão parcial/errônea que consistia em não menos do que uma séria heresia. De fato, em 1653 a igreja católica romana novamente condenou certas visões agostinianas, que eram muito próximas às posições dos reformadores e que naquele tempo eram defendidas pelos chamados jansenistas. Sessenta anos depois mais tarde, em 1713, a constituição Unigenitus novamente condenou certas visões mantidas pelo jansenista Pasquier Quesnel. Dentre as afirmações condenadas estavam as seguintes:
10. A graça é a operação da mão do Deus Todo Poderoso, que nada pode impedir ou retrair.
13. Quando Deus deseja salvar uma alma, e a toca com a mão interior de sua graça, nenhuma vontade humana a resistirá.
38. Um pecador não é livre, exceto para fazer o mal, sem a graça de Cristo.
69. A fé, seu aumento, seu uso e recompensa, é totalmente um dom de pura liberalidade da parte de Deus.
Quando no primeiro concílio Vaticano, na sessão do dia 22 de março de 1870, Stroszmayer protestou contra a noção de que todos os erros modernos, tais quais: o racionalismo, o panteísmo, e o materialismo, eram similares à “revolução” dos reformadores, suas últimas palavras foram abafadas pelas altas vozes negativas de outros padres presentes no concílio.[7] No ano de 1910 a notória encíclica Borromeo exaltou a Carlos Borromeo (1538-1584), um contemporâneo de Trento, por sua luta contra “aqueles homens rebeldes e orgulhosos, inimigos da cruz de Cristo, homens mundanos ‘cujo deus é o ventre’... corruptores...” Esses homens assim descritos eram os reformadores. Conquanto tenha havido algum criticismo a respeito dessa encíclica dentro dos círculos católicos romanos, praticamente todos os teólogos católicos romanos nos tempos da Segunda Guerra Mundial eram unânimes na rejeição do entendimento reformado da justificação como uma completa má compreensão da doutrina bíblica e eles defendiam de todo o coração a doutrina tal qual ela foi definida no concílio de Trento.
II. Um clima de mudança
            Depois da Segunda Guerra Mundial, contudo, uma fase inteiramente nova se iniciou. Uma nova apreciação dos reformadores tomou lugar dentre certos círculos da teologia católica romana. Os reformadores não eram mais vistos como homens maus e licenciosos, ou como revolucionários e heréticos, mas como homens piedosos que realmente desejavam reformar a igreja e se esforçaram para ouvir às Escrituras.[8] Para dizer a verdade, o clima dentro da teologia católica romana em si mesma, como um todo, mudou. Ela seriamente tentou se livrar dos métodos escolásticos de teologização que dominaram da teologia católica dentre a idade média e fez sua própria tentativa de ouvir as Escrituras por si mesmas. Ela também desenvolveu uma nova visão do dogma da igreja por enfatizar as dinâmicas históricas em seu desenvolvimento, e de aspectos históricos, condicionados pelo tempo em suas formulações. Essas mudanças no entendimento da Reforma, das Escrituras e da natureza histórica do dogma da igreja também afetaram profundamente a visão tradicional de justificação.
            Já em 1952 o teólogo holandês W. H. Von der Pol, que depois de estudar da doutrina da justificação exposta por Newman tinha aderido à igreja católica romana e ais adiante se tornou professor na Universidade Católica de Nijmegen, negou que havia qualquer diferença essencial entre a Reforma e a Igreja Católica no que diz respeito à justificação. Depois de afirmar a visão de Paulo nas seguintes palavras: “Sem qualquer mérito da parte do crente seus pecados são perdoados e a justiça de Cristo é garantida a ele em troca disso, estritamente através da graça somente. Pois se aqui houvesse qualquer menção de méritos, a graça já não seria pela graça,” ele segue adiante e diz: “Essa é precisamente a doutrina da igreja católica romana!”[9] Um pouco mais adiante ele escreveu: “A Sola fide tal qual Paulo a tinha em mente, em particular em suas cartas aos romanos e aos gálatas, é plenamente aceita pela Igreja Católica.”
            A visão de Von der Pol, contudo, não causou grande impacto em sua época. A verdadeira ruptura veio com a publicação da tese doutoral de Hans Küng sobre Justificação: A doutrina de Karl Barth e uma reflexão católica em 1957 (ET em 1964). Nessa tese, escrita sob a supervisão do próprio Karl Barth, o jovem teólogo católico chegou à conclusão de que a princípio não havia diferença entre a doutrina da justificação de Barth e a doutrina católica. “O tempo da antítese acabou.”[10] Como tal conclusão foi possível? Küng talvez tenha mal interpretado Barth? Não, pois o próprio Barth disse que Küng deu uma interpretação correta de sua visão. A verdadeira pista era que, de acordo com Küng, a teologia protestante tinha continuamente mal interpretado Trento. De novo e de novo os teólogos protestantes, incluindo-se o próprio Barth, tinham interpretado Trento como ensinando uma doutrina sinergética de salvação. Küng negou isso. De acordo com ele Trento, não menos do que a reforma, manteve a Sola fide, pela fé somente, e a Soli Deo Gloria, somente a Deus seja a glória (Os títulos de dois capítulos no livro de Küng). A razão de toda essa má interpretação (Muitas vezes mesmo no lado católico) era de que pessoas em ambos os lados do conflito tendiam a esquecer de que as afirmações de Trento foram feitas em uma situação polêmica. Elas foram direcionadas contra a heresia ou contra visões que foram consideradas heresias e, portanto, essas próprias afirmações eram parciais e refletiam apenas um lado da questão. Trento condenou a visão declaratória de justificação como se encontrava nos reformadores por não ter percebido que essa declaração inclui o se tornar justo. Por outro lado, os reformadores não perceberam que a visão transformatória da Igreja Católica Romana pressupunha o veredito declaratório de Deus.
            Como devemos avaliar a nova abordagem de Küng? Não podemos negar que houve através dos séculos, com certeza, de ambos os lados, muitas más interpretações e caricaturas.[11] Mas a questão era realmente apenas uma questão de má interpretação? Muitos teólogos católicos e protestantes têm discordado fortemente de Küng nesse ponto. Em sua introdução ao livro de Küng Barth já tinha expressado sérias dúvidas sobre a interpretação de Küng a respeito do concílio de Trento. “Você pode imaginar minha considerável estupefação a respeito dessa novidade; e eu suponho que muitos leitores católicos irão, a princípio, ficar não menos estupefatos.” Barth não podia senão questionar se o que Küng apresenta realmente representa os ensinos de sua igreja:
Se as coisas que você cita a partir das Escrituras, e da teologia católica mais antiga e mais recente, de Denziger e conseqüentemente do texto Tridentino, de fato representam os ensinamentos de sua igreja e estão estabelecidos como tal, ...então, tendo ido duas vezes à Igreja de Santa Maria Maggiore em Trento para ter comunhão com o genius loci (O espírito do lugar), eu deveria apressar minha terceira visita e fazer uma confissão contrita – “padres, eu pequei”. Mas tomando as afirmações da sexta sessão tal como as possuímos agora diante de nós, correta ou incorretamente formuladas pelas razões então consideradas forçosas – você não concorda que eu talvez devesse ter a permissão de culpar as circunstâncias atenuantes pela considerável dificuldade que eu tenho ao tentar descobrir no texto isso que você encontrou como sendo um ensino verdadeiramente católico? Como você explica o fato de que tudo isso tenha podido permanecer escondido por tanto tempo e de tantas pessoas, tanto fora da igreja quanto dentro?”[12]
            Semelhantemente, outros eruditos protestantes, tais quais G. C. Berkouwer,[13] Rudolf J. Ehrlich,[14] e Alister McGrath,[15] consideram a interpretação de Küng a respeito de Trento como “incorreta e insustentável”.[16] Vários teólogos católicos romanos importantes compartilham dessa visão.[17]
            A despeito de todo esse criticismo o livro de Küng deve ser visto como um verdadeiro marco no estudo ecumênico da Reforma. Ele assinalou uma nova forma de abordar o conflito dos séculos passados. Outros jovens teólogos católicos romanos tomaram a dianteira e tentaram refinar a argumentação usada por Küng. Por exemplo, Otto Hermann Pesch escreveu um trabalho de mais de mil páginas sobre a teologia da “justificação em Martinho Lutero e em Tomás de Aquino”.[18] Sua conclusão final foi que “sob a condição estipulada que em todas as questões afirmadas aqui Tomás de Aquino representa a doutrina da Igreja e tem sido interpretado corretamente, entretanto podemos afirmar que, conquanto Martinho Lutero tenha abandonado o território da teologia de seu próprio tempo e também dos tempos que lhe precederam, ele, no entanto não entre em um novo território (Neuland) que seja proibido aos teólogos católicos romanos.” Apesar de muitos teólogos protestantes terem ficado impressionados com o estudo de Pesch, eles não foram ainda convencidos de que ele tenha provado que não há nenhuma diferença essencial entre a Reforma e Tomás de Aquino, muito menos em relação a Trento. Tanto G. C. Berkouwer quanto H. A. Oberman defenderam a opinião que no caso de Pesch houve uma forte tentativa para se fazer uma síntese das duas posições.[19] Ao mesmo tempo eles não negaram que Pesch e seus intérpretes colaboradores de Tomás de Aquino e de Trento tinham feito uma grande contribuição para um melhor entendimento da posição católico romana no tempo da Reforma.
            Na análise final, contudo, a veracidade de qualquer visão não pode ser determinada pelo pesquisador das histórias ou das interpretações (ou reinterpretações) dos teólogos sistemáticos, mas pala exegese do texto bíblico. A questão decisiva é: Estava Lutero certo ou errado quando apelou para o Novo Testamento e em particular para as cartas de Paulo? É interessante notar que em nossos dias muitos exegetas católicos admitem que a interpretação de Lutero da doutrina paulina de justificação pela fé estava correta. O erudito católicoK. Hertelge admite que a justificação é “o centro de gravidade teológico nas principais cartas de Paulo” e constitui sua “verdadeira teologia”.[20] Semelhantemente Hans Küng reconhece que “Lutero com suas principais afirmações sobre a doutrina da justificação, com sua Sola gratia, sua Sola fide, seu simul Justus et peccator, está apoiado pela Novo Testamento e em particular por Paulo cujas visões são decisivas em última instância a respeito da doutrina da justificação”.[21] Muitos estudiosos católicos romanos também reconhecem que Paulo usa o termo “justificar” no sentido “declaratório, forense”.[22] O erudito inglês e católico N. P. Willians afirma que dikaioun como usado por Paulo significa “considerar, declarar, ou admitir que alguém é justo, ou está com a justiça”, e diz com base nos termos usados na carta aos Romanos: “Ela é portanto o portal de entrada da vida cristã, e não uma parte, ou um evento, da vida cristã em si – um portal de entrada que em sua natureza só pode ser traspassado uma vez na vida, e de uma vez por todas”.[23]
            No meio tempo tem havido desenvolvimentos do outro lado da cerca. Infelizmente devemos dizer aqui que a doutrina da justificação entre os protestantes já não é considerada como o tema central na doutrina cristã da salvação e da vida cristã. Mais perturbador e inquietante ainda foi o tratamento da justificação na quarta assembléia da federação do mundo luterano, realizada em 1964 em Helsinki. Em um dos encontros foi dito que o testemunho da Reforma em relação à justificação podia se dividir nas três partes do “cativeiro babilônico” da: “Doutrinação, Individuação, e Espiritualização” e deveria ser liberta desse cativeiro por colocar seu foco sobre a raça humana como um todo e na “anistia para todos”. Por essa tendência universalista a Sola fide foi roubada de ser caráter intensamente pessoal e determinante. Particularmente alarmante foi o fato que alguns questionaram qual era a diferença entre a visão forense e a visão transformatória da justificação. “A velha alternativa na qual o pecador é considerado justificado ...“forensicamente” – ou “efetivamente” – está suscitando a questão” que a ação de Deus trás no “novo nascimento”. Outros participantes insistiram que “o ato através do qual Deus perdoa é o mesmo ato através do qual Deus renova”.[24] Na mensagem de Helsinki encontramos uma forte tendência em acomodar a ênfase da igreja e o entendimento da justificação às necessidades do homem moderno. Se diz que a questão mais intensa do homem moderno não é mais sobre um Deus de graça, mas sim sobre o significado da vida. Lemos:
Os homens de hoje não mais questionam: Como eu encontro um Deus de graça? Eles fazem uma pergunta muito mais radical e elementar, eles perguntam a Deus perguntas como: Onde está você Deus? Eles não mais sofrem debaixo da Ira de Deus, mas debaixo da impressão da ausência de Deus; Eles não sofrem mais sob seus pecados, mas sob a falta de significado de sua existência. Eles não mais se perguntam pela Graça de Deus, mas se Deus existe.
Aparentemente os proponentes dessa mensagem se esqueceram da afirmação profética de Karl Barth na Parte IV. 1 de sua teologia sistemática (Church Dogmatics), escrita em 1953:
De todos os slogans de nossa era, certamente um dos mais superficiais é o de que no século 16 o homem estava preocupado com a graça de Deus e que o homem moderno está mais preocupado com Deus em si, e como tal. Enquanto exista algo tal como Deus em si e como tal! Como se a graça fosse uma qualidade de Deus que pudéssemos deixar de lado enquanto gastamos nosso tempo de lazer nos questionando sobre sua existência! Como se os homens do século 16, com sua preocupação pela graça de Deus e sobre a justiça de sua graça, não estivessem se perguntado sobre Deus mesmo e sua existência com uma atitude radical que não pudesse ser comparada com os questionamentos do homem moderno, isso é uma frivolidade vazia![25]
Esses dois movimentos quase que totalmente opostos – a teologia católica romana se movendo para reconhecer a centralidade da justificação no Novo Testamento, e a teologia protestante (pelo menos em alguns casos) se distanciando dessa centralidade – mostram o quanto o doutrina da justificação está no meio de um grande tumulto de pensamento moderno. Quase naturalmente isso nos conduz à pergunta: Como a doutrina da Justificação pela fé da Reforma se encaixa nessas recentes discussões bilaterais?
III. Justificação nos diálogos recentes entre Luteranos e Católicos Romanos
            Em 1972 foi publicada uma afirmação que partiu de uma junta comum de estudos, apontada pela federação luterana mundial e por secretários para a promoção da unidade cristã. Esse documento é conhecido como o relatório Malta, uma vez que o desenho final foi delineado em São Antonio, Malta, em 1971, e foi publicado sob o nome “O Evangelho e a Igreja.”[26] A seção sobre justificação foi breve.  Ela disse “hoje ... um consenso de grande alcance em relação à questão da justificação está sendo desenvolvido.” Nenhum fundamento nos é dado, nem temos acesso a nenhuma indicação do por que esse consenso estaria sendo desenvolvido. É isso o resultado de uma “atmosfera de mudança” na teologia de hoje? Ou esse consenso se refere a uma mudança na compreensão bíblica e nas hermenêuticas confessionais? Ou é talvez um consenso que se refere a uma crescente convergência na experiência religiosa de ambos os lados? Nós não recebemos qualquer resposta a essas perguntas. É garantido, todavia, que a justificação de fato é vista como uma expressão geral do evento salvífico e de uma importante expressão da mensagem central do evangelho. Ao mesmo tempo é também admitido de que existe uma grande necessidade de um tratamento mais completo desse assunto e de suas implicações.
            Essa necessidade foi tratada no diálogo sobre justificação por uma comissão conjunta de luteranos norte americanos e católicos romanos. A discussão sobre esse assunto específico começou em 1978 e resultou em um importante documento de 24.000 páginas, publicado em 1983 sob o título Justificação pela Fé.[27] Esse documento é um marco no diálogo entre a reforma e Roma. Alister Mcgrath, um especialista na história da doutrina da justificação,[28] chama esse documento “de longe o documento ecumênico mais importante que lida com o tema da justificação pela fé”. Ele é da opinião de que “a análise e a conclusão desse documento são confiáveis” e que “ele é simplesmente uma obra prima.[29]
            Depois de uma breve introdução o documento trata com três tópicos: A história da questão; reflexão e interpretação; e perspectivas para a reconstrução. É, naturalmente, impossível dar um resumo completo do documento, uma vez que uma forma condensada ele contém uma enorme quantidade de informação. Devemos, portanto, nos limitar a alguns dos principais pontos e descobertas. A introdução menciona uma “afirmação cristológica” na qual todos eles concordam. Uma vez que ambos os partidos crêem que “Jesus Cristo é a fonte e o centro de toda a vida cristã e da existência da obra da Igreja”, eles afirmam:
Nossa esperança de justificação e salvação repousa completamente em Jesus Cristo e no evangelho pelo qual as boas novas das ações misericordiosas de Deus são tornadas conhecidas; Não colocamos nossa confiança em nada além da promessa de Deus e obra salvadora em Cristo (16).
Com toda honestidade eles adicionaram que isso não significa que eles tenham plena concordância sobre a questão da justificação pela fé, mas “que isso faz surgir a questão ...caso as diferenças que permanecem sobre essa doutrina precisam realmente dividir a igreja”.
A. A história da questão
            Na parte I eles começam afirmando que a controvérsia sobre a justificação é tipicamente um problema ocidental. Foi Agostinho que, em sua controvérsia contra Pelágio, enfatizou a justificação pela fé somente. Contudo, ele tomou justificação como significando “fazer justo” e dessa forma desenvolveu a justificação como um processo transformatório realizado no homem. Enquanto Agostinho enfatizou a total necessidade da graça por parte dos seres humanos, seu modelo transformatório permitia uma especulação crescente sobre o papel humano em todo esse processo. Isso conduziu a vários desenvolvimentos: (1) No conceito da graça todo tipo de distinções foram feitas gradualmente e cada vez mais conduzindo à discussão das potencialidades da natureza humana em si. (2) uma doutrina do mérito foi desenvolvida por meio da qual foi feita uma distinção entre “mérito de côngruo” (uma recompensa sob o fundamento da conveniência e baseada do caráter generoso de Deus) e “mérito de condigno” (uma recompensa estritamente justa em relação a serviços prestados). Enquanto a última foi rejeitada em geral, alguns teólogos aceitaram a primeira. Ela era vista como uma ‘base para a esperança de que Deus “não nega a graça para aqueles que fazem o que neles está” (facientibus quod in se est Deus non denegat gratiam)’ (19). Esse ‘fazer o que neles está’ poderia facilmente se tornar uma ‘condição’ que o homem deveria cumprir para receber graça. De fato, isso se tornou uma das razões da “excessiva escrupulosidade” da idade média tardia e era vista pelos reformadores como uma causa da ‘consciência aterrorizada’ (20). (3) Na doutrina da predestinação nós observamos em algumas correntes de pensamento medieval uma mudança para a ideia de que o decreto de Deus está baseado em sua presciência dos méritos de um homem.
            A partir disso se torna claro que durante a idade média existiam muitas escolas de pensamento diferentes. Resumindo seu estudo dos desenvolvimentos pós-agostinianos o documento observa uma ‘variedade desorientadora’, na qual as intenções agostinianas estão combinadas com ênfases nas possibilidades da própria natureza humana. ‘Todo mundo professava ser agostiniano e anti-pelagiano, mas havia pouca concordância a respeito do que esses termos significavam’ (21).
            Se movendo para o debate do século 16 o documento afirma que o apelo dos reformadores para a doutrina paulina da justificação ‘pela fé independentemente das obras da lei’ (Rom. 3:28) foi ocasionada por dois problemas principais. O primeiro deles foi o ‘pelagianismo desconcertante’ que era notável nas tendências medievais em relação à piedade e à teologia. As indulgências, com sua prática de ‘comprar’ a salvação, são mencionadas em particular. O segundo (e talvez maior) problema era a necessidade de ‘consolar as consciências aterrorizadas’. Lutero conhecia isso a partir de sua experiência própria. Sua pergunta ‘como eu encontro um Deus gracioso?’ ainda não tinha sido respondida pela Sola Gratia [Somente pela graça] de Agostinho, enquanto as boas obras ainda tivessem seu papel na obtenção da salvação. Dando ouvidos a Paulo ele chegou à resposta da Sola fide [somente pela fé]: nós não podemos confiar em nada além da promessa de Deus de misericórdia e perdão em Jesus Cristo. É na base da justiça ‘externa’ ou ‘extrínseca’ de Cristo que Deus justifica, ou seja, que ele declara o pecador justo. Essa justificação é completa. O pecado está totalmente justificado, mesmo que ele em si mesmo ainda seja pecador. Daqui surge a famosa frase simul justus et peccator [ao mesmo tempo justo e pecador]. Essa visão de justificação significava uma forma inteiramente nova de pensar e que era marcadamente diferente daquela de Agostinho e da teologia medieval. Ao invés de um modelo transformatório progressivo, baseado no dom de Deus de uma graça infusa e justiça inerente, Lutero adotou a visão de uma justificação instantânea e completa sob a base da justitia aliena (a justiça ‘estranha’ [extrínseca/externa]) de Cristo.
            Conquanto nas controvérsias seguintes a justificação não fora de forma alguma a questão central (cf. os críticos passaram por várias faculdades teológicas, que se centralizaram em questões relacionadas ao livre-arbítrio, a alegada pecaminosidade das boas obras, a penitência, o valor das indulgências, etc., ao invés de na questão da justificação em si, 26), os oponentes de Lutero perceberam correta e plenamente que essa nova visão de justificação tocava o coração da questão. Na refutação da confissão de Augsburgo eles descreveram a doutrina da justificação pela fé somente como ‘diametralmente oposta à verdade evangélica, que não exclui as obras’ (29). Todas as tentativas de mediar as duas posições (como, por exemplo, no Colóquio de Regensburg, 32) foram rejeitadas tanto por Lutero quanto por Roma.
            Finalmente, em 1542 o Papa Paulo III decidiu convocar um concílio, que se reuniu em 13 de dezembro de 1545. O debate sobre a justificação se iniciou em 22 de junho de 1546 e levou perto de seis meses. Os padres do concílio sabiam muito bem o que eles estavam fazendo. Em 21 de junho Marcelo Cervini (mais tarde Papa Marcelo III) os relembrou que nenhum concílio precedente tinha tratado plenamente com essa doutrina e que a doutrina da justificação de Lutero estava na raiz da maioria dos erros a respeito dos sacramentos, do poder das chaves, das indulgências e do purgatório.[30] A questão não poderia ser decidida facilmente, todavia, por que haviam diferentes escolas de pensamento presentes no concílio.[31] Alguns, como São Felice, bispo de La Cava, abertamente defendia a justificação pela fé somente. Contudo, quando em outubro foi tomado um voto sobre a questão de a justificação ser: inerente ou imputada, a última foi rejeitada por 32 votos a 5. Em outras palavras, o concílio optou por uma visão transformatória da justificação.
            Isso nós podemos observar claramente no decreto que foi promulgado em 13 de janeiro de 1547. O documento americano provê um resumo justo desse decreto que contém a doutrina oficial da igreja católica romana sobre a justificação. O concílio reafirma o papel único de Cristo em nossa salvação. ‘Nada é mais importante que a justificação’, seja fé ou obras, elas verdadeiramente merecem a graça da justificação. A preparação para a justificação também é uma questão de deus predispor graça em Cristo. Em outras palavras, o concílio se posiciona ao lado de Agostinho e contra Pelágio, e com Orange II se posicionou contra o semi-pelagianismo. O mais importante que isso possa ser, esse não é o fim da questão. Pois depois desse início auspicioso é adicionado que o pecador é chamado a cooperar com essa graça através da não rejeição dela por vontade própria. Quando isso acontece a graça é infusa (gratia infusa) no pecador, e por isso ele é feito justo. Tudo isso é aceito pelo pecador pela fé (o concílio claramente ensina a primazia da fé!), mas essa fé não é viva a não ser quando ela se torna uma fé que age através do amor. Para dizer a verdade, fé, esperança, e amor são infusas ao mesmo tempo. Graças a essa justificação os seres humanos são renovados e ‘enquanto a fé coopera com as boas obras’, eles crescem e são posteriormente justificados. Em outras palavras, dentro do contexto da graça preveniente, existe espaço para (na verdade, necessidade) de atividade e mérito humanos. Se o último [definitivo] é mérito de côngruo ou de condigno não fica claro. Daqui surgem os muitos debates sobre esses pontos depois do concílio de Trento.[32] Finalmente, para evitar a suspeita de que essa ênfase na fé e nas obras possam desacreditar do poder salvador de Cristo, o concílio declara no final do último capítulo: ‘longe dos cristãos confiar ou glorificar em si mesmos e não no Senhor (cf. 1 Cor. 1:31; 2 Cor. 10:17), cuja generosidade para com todos é tão grande que Ele deseja que seus próprios dons sejam os méritos deles’.[33]
            É evidente que, a despeito da ênfase na absoluta necessidade de graça, essa é uma visão de justificação claramente diferente daquela de Lutero. Portanto é surpreendente que o documento diga: “O decreto tridentino sobre a justificação, com sua própria forma de insistir na primazia da graça, ...não é necessariamente incompatível com a doutrina luterana da Sola fide, mesmo que Trento tenha excluído essa frase” (35). Eu acho essa afirmação surpreendente, pois Trento enfaticamente sustentou a visão transformatória de Agostinho e da teologia medieval, na qual a justificação não é virtualmente nada além do primeiro estágio da santificação[34] na qual o homem com sua atividade e com suas boas obras, portanto, está incluído desde o princípio. Para Lutero, por outro lado, a justificação não nada além do portão da salvação, na qual Deus faz tudo, declarando o pecador justo sob a base da justiça (externa) de Cristo, enquanto o pecador não tem nada além de uma mão vazia (Sola fide, pela fé somente) na qual ele recebe o dom gratuito de Deus. Somente após entrar por esse portão o pecador se encontra na estrada da santificação e é chamado a manifestar boas obras ‘às quais Deus preparou de antemão’ (Efésios 2:10). Quão profunda é a diferença entre as duas visões só se torna aparente quando comparamos as diferentes percepções a respeito da segurança da salvação. Para Lutero isso está incluído do Sola fide (se uma pessoa realmente confia na justiça de Cristo que lhe é externa, ela está naquele mesmo momento segura de sua salvação). De acordo com Trento isso é impossível, e essa conclusão não é surpreendente, pois como uma pessoa pode ter segurança na salvação se essa salvação depende de justiça inerente que pode ser perdida por pecados mortais, e parcialmente também das boas obras que precisam acompanhar a graça que lhe foi dada?
            Outro ponto no qual a ampla e profunda fenda entre as duas visões se torna visível é a doutrina dos sacramentos. Para Trento existia uma clara e inseparável conexão entre sua própria doutrina da justificação e sua doutrina dos sacramentos. Não apenas era a última o próximo objeto de discussão e decisão, mas a introdução do decreto dos sacramentos sendo a seguinte: ‘para a complementação da salutar doutrina da justificação... pareceu apropriado lidar com os mais sagrados sacramentos da igreja através dos quais toda verdadeira justiça tanto começa, ou estando começada, aumenta, ou sendo perdida é restaurada.’ Essa conexão inseparável não é surpreendente, pois a visão do concílio dos sacramentos é também completamente transformatória. De acordo com o que lemos no cânon 4 sobre “sacramentos em geral”: ‘Se alguém disser que os sacramentos da Nova Lei não são necessários para a salvação, mas são supérfluos, e que sem eles ou sem mesmo o desejo deles os homens obtém de Deus através da fé somente[35] a graça da justificação, ainda que todos não são necessários para  cada indivíduo – que seja anátema.’ Semelhantemente nós lemos no cânon 8: ‘Se alguém disser que pelos sacramentos da Nova Lei não é conferido ex opere operato [pelo ato realizado], mas que fé somente na promessa divina[36] é suficiente para obter graça – que seja anátema.’ É evidente que os sacramentos são necessários para se obter a justificação, pois é pelos meios do sacramento que a graça de Deus se torna inerente ao homem, e somente sob a base dessa graça inerente é possível a Deus justificar o homem.
B. Reflexão e Interpretação
            Na segunda parte do documento americano, que é chamada ‘reflexão e interpretação’, a pergunta é feita se caso esses padrões diferentes de pensamento não deveriam ser vistos, pelo menos em parte, complementariamente ao invés de forma necessariamente divisiva (49). A visão tomada é de que esses diferentes padrões de pensamento estão relacionados com ‘preocupações contrastantes’. Os luteranos querem salvaguardar a absoluta prioridade da Palavra Redentora de Deus em Cristo e, portanto, exclui qualquer confiança em si para a salvação. Os católicos, conquanto não rejeitem a absoluta prioridade da atividade salvífica de Deus, estão geralmente mais preocupados com a eficácia da obra salvadora de Deus na renovação/santificação da criação. Essas diferentes preocupações conduzem a padrões de pensamento e de discurso notavelmente diferentes. Os luteranos, preocupados com a posição do pecador diante de Deus (coram Deo) e ouvindo ao mesmo tempo as palavras de Deus a respeito do julgamento e do perdão na lei e no evangelho, focam sua atenção nessa “descontínua, paradoxal, e relação simultânea dupla de Deus com o justificado”, já os católicos, preocupados com a renovação da criação pela graça de Deus, se expressam mais facilmente em uma linguagem de transformação que descreve o processo da renovação através da infusão da graça salvadora por parte de Deus.
            À primeira vista isso pode parecer ser uma descrição simples e franca das diferenças, com o leitor facilmente tendo a impressão que a diferença não é muito mais do que uma questão entre os dois lados de uma mesma moeda. O documento, contudo, continua e honestamente demonstra que a diferença vai muito mais fundo do que isso. As duas preocupações diferentes e suas duas conseqüentes formas de pensar e de falar diferentes acarretam diferenças em muitos outros pontos também. Seis deles foram explicitados: (1) A natureza forense da justificação (50); (2) A pecaminosidade do justificado – a famosa frase simul justus et peccator [ao mesmo tempo justo e pecador]  (51); (3) A suficiência da fé (Sola fide – somente pela fé), ou fides caritate formata (a fé formada pelo amor) (52); (4) O conceito de mérito (54); (5) O conceito de satisfação, estabelecendo práticas como os sacramentos da penitência, missas para intenções especiais, indulgências, e a doutrina do purgatório (55); (6) O critério para a autenticidade – quando alguém é um cristão autêntico? (56). Em cada caso as perspectivas e interesses diferentes são demonstrados e uma tentativa é feita para indicar que o outro partido compartilha das mesmas preocupações, mesmo que eles possam expressar e enfatizar isso de forma diferente. Depois de tudo isso, o leitor não se surpreende que na parte final dessa seção do documento se encontre a seguinte conclusão:
Se essa interpretação está correta, luteranos e católicos podem compartilhar das preocupações uns dos outros a respeito da justificação, e podem em algum grau reconhecer a legitimidade das perspectivas teológicas contrastantes e estruturas de pensamento. Ainda assim, por outro lado, algumas das conseqüências das diferentes visões parecem irreconciliáveis, especialmente em referência a aplicações particulares da justificação pela fé como o critério de toda a proclamação e prática da igreja.
C. Perspectivas para a reconstrução
            Em sua terceira e última parte o documento pensam no futuro e tentam mostrar formas de aproximação posterior. Ele primeiro aponta para um número de crescentes convergências sinceras concordâncias em exegeses das Escrituras. Em nossos dias os católicos têm reconhecido que a ‘justiça/justificação é mais prevalecente no ensino do Novo Testamento do que normalmente tinha se suspeitado nos séculos antecedentes ou entre os mais antigos comentaristas, e que ela é uma imagem de importância primária para a expressão do evento Cristo e mesmo do evangelho’ (58). É também geralmente reconhecido que Paulo não foi o ‘inventor’ da doutrina da justificação, mas que ela é de origem pré-paulina (60). É verdade, porém, que Paulo, em seu conflito com os judaizantes, afiou o significado da doutrina. Várias outras áreas de convergência foram também mencionadas.
            A última seção, chamada “convergências crescentes”, começa com a admissão cândida de que ainda existem consideráveis diferenças quanto a se a justificação deveria ser o critério para a questão de quais crenças, práticas, e estruturas são aceitáveis. Menção especial é feita aqui sobre o purgatório, o papado, e o culto aos santos (69). A seguir, doze convergências materiais são mencionadas. Na quinta nós lemos: ‘A justificação, como uma transição do desfavor e injustiça ao favor e à justiça aos olhos de Deus, é totalmente uma obra de Deus. Por justificação nós somos tanto declarados quanto feitos justos. A justificação, portanto, não é uma ficção legal. Deus, ao justificar, torna efetivo o que Ele prometeu; Ele perdoa o pecado e nos faz verdadeiramente justos.’[37] As doze convergências materiais conduzem a duas conclusões, às quais citaremos por completo. A primeira conclusão começa com a repetição da ‘afirmação cristológica’ que foi mencionada no começo do documento.
Nossa inteira esperança de justificação e salvação repousa sobre Jesus Cristo e sobre o evangelho pelo qual as boas novas da ação misericordiosa de Deus é feito conhecida. Não colocamos nossa confiança última em nada além do que a promessa e obra salvadora de Deus em Cristo. Tal afirmação não é equivalente ao ensino da reforma a respeito da justificação de acordo com o qual Deus aceita pecadores como justos por causa de Cristo sob a base da fé somente; mas por sua insistência de que a confiança para a salvação deve ser colocada inteiramente sobre Deus, isso expressa uma preocupação central dessa doutrina. Ainda assim ela não exclui a posição católica tradicional de que a obra da transformação dos pecadores realizada pela graça é uma preparação necessária para a salvação final (72).
Deve ser enfatizado que nossa comum afirmação de que é Deus, somente em Cristo, em quem os crentes confiam em última instância não necessita de nenhuma forma particular de conceitualizar ou retratar a obra salvífica de Deus.  Essa obra pode ser expressa na imagem de Deus como juiz que pronuncia pecadores inocentes e justos ... e também em uma visão transformatória que enfatiza a mudança realizada nos pecadores pela infusão da graça (72).
D. Avaliação
            Será auto-evidente que isso não é uma questão simples avaliar esse documento legitimamente. Certamente ele não será rejeitado como algo desimportante, sob a base de que nada mudará de qualquer forma, enquanto Roma não se retratar, ou pelo menos modificar as decisões tomadas em Trento. Conquanto seja verdade que as decisões tomadas em Trento a respeito da justificação ainda sejam a doutrina oficial da igreja católica romana, não deveríamos subestimar a significância da pesquisa história e exegética dos anos recentes e desses diálogos francos e bilaterais. Cometeremos um erro se desprezarmos as convergências em relação à exegese das Escrituras. Não é algo pequeno que muitos exegetas católicos romanos reconheçam a centralidade e a natureza forense da justificação no Novo Testamento e em especial em Paulo. Também não é pouca coisa que a pesquisa histórica esteja demonstrando que a interpretação de Trento não é tão simples quanto teólogos católicos e protestantes pensavam. Aparentemente, interpretações diferentes são possíveis, algumas das quais estão muito mais próximas da visão protestante do que outras. Em adição, não deveríamos esquecer, como G. Carey afirmou corretamente, que ‘enquanto seja verdade que o magistério, de fato, não tenha feito nenhuma afirmação que indique uma mudança de coração no Vaticano, devemos observar que não se fez qualquer afirmação que condene essa mudança na interpretação’.[38] Também devemos concordar com ele de que toda essa pesquisa recente tem ‘descoberto camadas de profunda má interpretação’.[39] Semelhantemente G. C. Berkouwer aponta que hoje é geralmente reconhecido ‘que a antítese que Trento colocava entre si e Lutero procedia de certas pressuposições sobre a Reforma, e essas pressuposições da época tiveram grande contribuição na ação tomada pela contra-reforma’.[40]
            Por outro lado, deveríamos ser cuidadosos em não concluir precipitadamente que todas as diferenças estão no passado e não são nada além de mal-entendidos. Sem dúvida, houveram mal-entendidos, às vezes devido ao fato de que ‘o que era central para os reformadores era geralmente secundário para seus oponentes; talvez nenhum lado tenha considerado plenamente as afirmações do outro grupo’ (22). Um mal-entendido, por exemplo, foi a interpretação católico romana da visão reformada da justificação forense como “ficção legal”, que não tinha nenhuma conseqüência ética de qualquer forma. Outro mal-entendido é a acusação feita por alguns teólogos luteranos e reformados de que Trento não era nada além de uma repetição da velha heresia do semi-pelagianismo. Ainda assim é difícil acreditar que todo o conflito do século 16 era apenas uma questão de mal-entendidos. Ambos os lados estavam geralmente bem conscientes do que o outro lado ensinava e acreditava.
            O conflito ia, indubitavelmente, além de uma questão de diferentes preocupações e padrões de pensamento. Não negamos que há alguma verdade nessa sugestão. É um fato que ‘muitas das dificuldades surgiram de preocupações contrastantes e padrões de pensamento nas duas tradições’ (49). Ainda assim, reconhecer isso não resolve definitivamente os séculos de conflito e suas diferenças bem estabelecidas. Isso já se torna visível a partir do fato de que é impossível colocar uma lupa nas duas visões e depois uni-las em uma só harmonia. Não estou dizendo que o documento americano tenta fazer isso. Os participantes no diálogo eram muito honestos para fazer tal tentativa. Ainda assim não pode ser negado que às vezes eles tendem a tentar harmonizar vários aspectos das duas visões, que de fato são irreconciliáveis. Por exemplo, na seção sobre os dados bíblicos eles primeiro admitem que Paulo em Gálatas 2:16 usa o verbo “justificar” num sentido declaratório, forense, mas imediatamente acrescentam: ‘ainda assim a justificação não têm apenas um sentido forense, mas também representa o poder de Deus em ação, pecadores são “tornados justos” (cf. Rom. 5:19); Isso envolve justiça tanto no sentido ético, quanto diante de Deus (62). Exegetas protestantes, tais quais Herman Ridderbos, mantêm que em Rom. 5:19 ‘justificar’ é usado em um sentido ‘estritamente’ forense. Käsemann fala de uma justiça ‘escatológica’. No parágrafo seguinte gálatas 2:21 é citado (‘através da fé, não da lei’), mas então o escritor escreve imediatamente: “a fé também é algo ‘que age através do amor’ (Gál 5:6)”, e conclui: ‘tal entendimento ...evita muito da amargura  do século 16 sobre a interpretação de Gál. 5:6’ (62). Mas esse tipo de argumentação não é nenhuma ajuda, todavia; pois tudo depende do contexto onde essa frase ocorre. Em gálatas 2 Paulo fala de justificação no estrito sentido do termo e, portanto, enfatiza a sola fide (somente pela fé); Em gálatas 5 ele também fala da justificação que estava em perigo quando os gálatas pensaram que em adição à obra de Cristo eles também precisavam se circuncidar, e conseqüentemente guardar a lei.  Novamente Paulo enfatiza a necessidade de fé em Cristo, mas agora ele acrescenta que essa fé não deprecia a guarda da lei, pois ela é uma “fé que atua pelo amor”. Nesse ponto Lutero e Calvino também seguiam a Paulo. Nem eles, nem quaisquer outros dos reformadores, jamais negaram que a fé justificadora age em amor. Calvino, por exemplo, bem claramente afirmou que “é a fé somente que nos justifica, mas a fé que justifica não está sozinha”![41]
            Embora tenhamos que criticar o documento nesses pontos, não queremos afirmar que os autores não estavam cientes das diferenças que ainda permaneceram. Da fato, em vários pontos eles mencionaram essas diferenças com muita honestidade. Eles admitem que, apesar de católicos crerem que a vontade salvífica de Deus não tem causa além dEle mesmo e que, portanto, a salvação é em sua totalidade incondicional, não obstante eles também crêem dentro dessa totalidade existe um número de elementos, alguns dos quais são condicionais sobre outros (50). Eles adiante admitem que os luteranos pensam que a ênfase católica na infusão da graça torna difícil de expressar adequadamente qual seria o caráter imeritório do perdão misericordioso de Deus (51). Existe uma diferente apreciação da questão do pecado nos crentes; os católicos continuam a ter dificuldade em aceitar a fórmula simul justus et peccator (ao mesmo tempo justo e pecador) de Lutero (51). Permanecem diferenças sobre a natureza da fé justificadora. É ela sola fide (somente pela fé) ou fides caritate formata (fé formada pelo amor) (52-3)? Os católicos ainda sustentam que ‘as boas obras dos justos dão o título à salvação em si no sentido de que Deus fez a aliança de salvar aqueles que, impulsionados pela graça, fazem sua vontade’ (54). Os católicos também sustentam que os sofrimentos dos pecadores penitentes e dos inocentes podem ser aplicados em forma de oração em busca do perdão e da misericórdia de Deus. (55/6). O documento em toda franqueza afirma que estudos adicionais nesse último ponto são necessários a fim de determinar o quanto luteranos e católicos podem concordar em pontos tais quais: o sacramento da penitência, a missa para intenções especiais, indulgências, e purgatório (56). Todas essas ‘doutrinas tradicionalmente disputadas’ podem, de fato, ser difíceis de aceitar para luteranos e outras igrejas da reforma, uma vez que elas não têm base nas Escrituras. Mas essas mesmas doutrinas não mostram também que a questão real não foi ainda, de fato, resolvida? Pois essas doutrinas não são acréscimos acidentais, mas conseqüências ‘naturais’ da doutrina católica a respeito da graça.
IV. ARCIC II
            Na Grã-Bretanha, também, tem havido discussões bilaterais, dessa vez entre anglicanos e católicos romanos. Aqui também uma afirmação sobre a doutrina da justificação foi publicada sob o título Salvação e a Igreja.[42] Comparada com o documento americano (que foi usado pelos participantes do ARCIC II [7]), o documento britânico é bem mais fraco. O título, é claro, é bastante atraente: “Salvação e a Igreja”. No prefácio dois co-presidentes escrevem que foi proposta a eles tratar com a questão da doutrina da justificação, mas eles sentiram que isso deveria ser feito apenas no contexto mais amplo da doutrina da salvação como um todo, que conduziu a uma discussão do papel da igreja na obra salvífica de Cristo. Naturalmente essa extensão requereu o risco de que o estudo não seria realmente focado na doutrina da justificação em si. Infelizmente foi exatamente isso que aconteceu. A seção sobre a justificação em si novamente se inicia com um conceito mais amplo de salvação. O primeiro parágrafo diz que ‘As Escrituras falam dessa salvação de muitas formas’ (15). O parágrafo seguinte menciona explicitamente uma grande variedade de termos, começando com o lembrete: ‘alguns termos são de mais fundamental importância do que outros; mas não existe um termo ou conceito que controle a todos; eles se complementam’ (16). Desta forma justificação se torna apenas um dos muitos termos usados no Novo Testamento, e não há virtualmente nenhuma forma de dar a ele um lugar especial como o portão para uma nova vida. No parágrafo 15 o documento afirma que “justificação e santificação são dois aspectos da mesma obra divina”. Em nenhum lugar se deixa claro que eles sejam dois atos distintos de Deus. Continuamente os dois atos estão tão intimamente relacionados que eles parecem ser um. A diferença entre a visão da Reforma que é forense e declaratória, e a visão católica que é transformatória, é confundida o tempo todo. São típicas afirmações como esta: ‘A graça de Deus efetua o que Ele declara: sua palavra criadora comunica o que ela imputa. Por nos declarar justos, Deus também nos faz justos’ (17). É, portanto, bastante compreensível por que o documento tenha sido tão severamente criticado pelos evangélicos anglicanos.
            Isso não significa que não houveram pontos positivos. McGrath corretamente afirma que o documento nos favorece por fazer um resumo dos principais pontos de concordância entre as igrejas, que geralmente são obscurecidos pela controvérsia dos séculos 16 e 17.[43] É útil que esses mal-entendidos sejam esclarecidos. Mas tendo enumerado esses pontos de concordância McGrath tem que admitir que ‘nenhum desses pontos eram realmente pontos de discordância no século 16’ e o documento ‘parece de alguma forma relutante em se referir às reais discordâncias que os teólogos anglicanos clássicos perceberam que havia entre eles mesmos e Roma’. Isso, é claro, é apenas uma forma agradável de dizer que o documento não contém nenhuma novidade e não é realmente útil para elucidar ou transcender as diferenças existentes!
            Sob os fundamentos do documento em si e dos artigos mencionados na nota 19 eu me senti obrigado a fazer dos seguintes comentários críticos.
(1)   Permanece obscura qual seja a verdadeira posição anglicana. Na nota da página 10 do documento vários teólogos anglicanos com diferentes cores teológicas são mencionados. Por todo o documento é dada a impressão de que a teologia anglicana se situa em algum lugar entre a teologia da Reforma e de Roma, e provê um meio termo.
(2)   As concordâncias entre a Reforma e a Igreja católica romana são pintadas de tal forma que é bastante difícil ver quaisquer reais diferenças. Quatro dificuldades são mencionadas (o entendimento da fé que justifica; o entendimento da justificação e conceitos associados; justificação e justiça; o lugar das obras na salvação; e o papel da igreja no processo da salvação, 11ss.), mas elas são expressas de tal forma que a conclusão é: “essas não precisam ser questões de disputa entre nós” (13). Em outras palavras, as concordâncias são maximizadas e as discordâncias são minimizadas.
(3)   A parte histórica do documento deve ser severamente criticada por sua ‘visão unilateral’ e incompletude.[44]
(4)   Não há uma clara distinção entre justificação e santificação. Nunca fica claro que ‘embora indissolúveis, justificação e santificação não são sem idênticas, nem simultâneas’.[45]
(5)   Conseqüentemente não há nenhuma afirmação clara sobre a natureza da fé justificadora.[46] É essa a justitia aliena (justiça externa) de Cristo, ou é uma justiça inerente? Simplesmente é afirmado que os reformadores tendiam a seguir o uso ‘predominante’ de dikaioun (o verbo grego) no Novo Testamento, que ‘geralmente’ significa ‘declarar justo’, enquanto os teólogos católicos e Trento seguiam o uso patrístico e dos escritores medievais latinos, que traduziam justificare (o verbo latino) por ‘tornar justo’ (17). Nenhuma escolhe é feita! Dessa forma a natureza forense da justificação não recebe nenhuma ênfase especial.
(6)   O lugar das boas obras e do conceito do mérito na doutrina da salvação permanece incerta.[47]
(7)   Na seção final de “a salvação e a igreja” não há menção das práticas eclesiásticas que se seguem ao conceito católico de graça e justificação, tais quais indulgências, orações pelos mortos, penitências purgatoriais, o culto dos santos, etc.[48]
(8)   O documento não faz nenhuma tentativa séria de interpretar nenhuma afirmação chave das Escrituras.[49]
A despeito de todas essas fraquezas e desvios o documento termina com a seguinte conclusão:
O equilíbrio e a coerência dos elementos constituintes da doutrina da salvação têm sido parcialmente obscurecidos no curso da história e da controvérsia. Em nosso trabalho nós testamos redescobrir o equilíbrio e a coerência e expressá-las juntas. Nós concordamos que essa não é uma área onde quaisquer diferenças remanescentes da interpretação teológica ou ênfase eclesiológica, tanto dentro como entre nossas comunidades, podem justificar nossa separação. Cremos que nossas duas comunhões estão de acordo nos aspectos essenciais da doutrina da salvação e do papel da igreja nela (26).
            Em uma forma essa conclusão me surpreende; em outra não. Surpreende-me que teólogos capazes e líderes da igreja possam chegar a essa conclusão de posse de tão escassas evidências. Por outro lado, eu não estou surpreso, pois tal conclusão só é possível se alguém não fez um estudo mais profundo e compreensivo desse conflito que já dura por séculos.
V. Epílogo
            Onde estamos hoje em relação à questão da justificação? Como já vimos anteriormente, a conferência mundial luterana de Helsinki estava de fato confusa sobre a importância e a centralidade da justificação para as pessoas de nossos tempos. Tem a igreja católica romana também enfraquecido sua posição? Desde o concílio Vaticano I, é claro, se tornou impossível para Roma se retratar de qualquer dogma oficial da igreja. Mas desde a declaração do papa João XXIII, durante a sessão de abertura do concílio Vaticano II, sobre a distinção entre a substância da fé, que é imutável, e a expressão da fé, que pode ser desenvolvida através de uma interpretação mais precisa, existe a possibilidade para uma interpretação posterior e mesmo para uma re-interpretação do concílio de Trento. De igual forma é possível que se faça adições esclarecedoras. Algumas dessas adições de fato foram feitas no Vaticano II (ainda que a doutrina da justificação não tenha recebido nenhuma atenção especial). Ele ampliou a definição de fé para além do conceito intelectual comum. Ele enfatizou a presença de Cristo na proclamação do Evangelho. Ele enfatizou que os cristãos deveriam lembrar que sua dignidade deve lhes “ser atribuída não por seus próprios méritos, mas pela graça especial de Cristo”. Ele também aplicou, pelo menos em alguma extensão, o simul justus and peccator (ao mesmo tempo justo e pecador) a igreja em si, conquanto que ao mesmo tempo ainda coloca grande ênfase no papel da igreja e de seus sacramentos na sua doutrina da graça.[50]
            Somos também gratos de que entre muitos teólogos católicos romanos (especialmente os mais jovens) existe uma apreciação crescente da visão da Reforma a respeito da justificação. Não devemos subestimar a importância desse desenvolvimento. Esses teólogos influenciam de muitas formas o pensamento dentro da igreja, não apenas dos padres, mas de muitos leigos bem informados. É uma questão para regozijo que todos os mal-entendidos estejam sendo removidos e muitas das caricaturas tradicionais (de ambos os lados) estejam sendo reconhecidas como tal. Diálogos ecumênicos, tais quais entre luteranos e católicos na América (EUA), provaram ser bastante úteis nesses sucessos. Ninguém pode negar por mais tempo que tanto a Reforma quanto Roma reconhecem que a graça é indispensável para a salvação. Quando McGrath diz que tudo que nós temos em comum é uma “doutrina cristocêntrica da justificação anti-pelagiana”,[51] ele pode estar colocando a questão muito negativamente e estar minimizando o ponto de partida. Wright corretamente aponta para o que Hooker já havia dito de que católicos e protestantes concordam ‘que nenhum homem atinge justiça, senão pelos méritos de Jesus Cristo’ e que Cristo, como Deus, é a causa eficiente, e como homem é ‘a causa meritória de nossa justiça’.[52] Semelhantemente Berkouwer tem apontado que na doutrina católica romana da graça tudo acontece dentro do círculo da gratia praeveniens (graça preveniente). Mesmo Trento disse que somos justificados gratuitamente (gratis), ‘pois nenhuma dessas coisas precede a justificação, seja fé ou obras, méritos da graça da justificação, pois “se é pela graça, já não é pelas obras”, “de outra forma”, como diz o apóstolo, “a graça já não é mais graça” (Rom. 11:6)’. Essa também é a razão por que o documento americano pôde começar com uma ‘afirmação cristológica.’
            Entretanto, ainda assim, permanecem diferenças bem estabelecidas. Elas não estão relacionadas ao ponto de partida da salvação na graça, mas em relação à aplicação dessa graça na vida concreta dos crentes. Nesse ponto anda permanece uma ampla e profunda fenda, a despeito da toda a reaproximação teológica.Até o dia de hoje Roma ainda mantém uma visão transformatória da justificação, junto com as doutrinas e práticas concomitantes. O significado disso para a fé e piedade católica romana não deveria ser subestimado. Steven Ozment, professor de história eclesiástica na universidade de Harvard, uma vez listou das mudanças sociais e religiosas trazidas pela Reforma do século 16 na Europa.
Mesmo em sua forma mais modesta a Reforma clamava por, e muitos áreas protestantes atingiram isso plenamente, um fim para o jejum obrigatório; confissão auricular; adoração de santos, relíquias, e imagens; indulgências; peregrinações a lugares sagrados; vigílias; missas semanais, mensais e anuais pelos mortos; a crença no purgatório; o culto em latim; o sacrifício da missa; numerosas cerimônias religiosas, festivais, e feriados; as horas canônicas; monastérios e ordens mendicantes; o sacramento do casamento, extrema unção, confirmação, ordens santas e penitência; celibato clerical; imunidade clerical de impostos civis e jurisdição criminal; benefícios não-residentes; excomunhão e interdito; lei canônica; autoridade episcopal e papal; a educação escolástica tradicional do clero.[53]
Não desejo dizer que todos os pontos dessa lista estão conectados com a doutrina católica romana sobre a graça, mas é óbvio que a grande maioria está. Alguns deles têm sido lapidados nos séculos depois de Trento. Pensamos particularmente no concílio Vaticano I (e Vaticano II!) sobre a infalibilidade do Papa, e dos dogmas sobre Maria. Dentro do círculo da graça preveniente e atual, o homem ainda tem um papel importante. A evidência mais forte para isso talvez seja encontrada na mariologia. A elevação de Maria simplesmente enfatiza a que extensão o humano é capaz de cooperar com Deus na execução de Seu plano de Salvação.[54] Por sua forte ênfase na justificação como um ato forense de Deus, que só pode ser aceita pela fé, a Reforma decretou a morte de todas as cooperações humanas mesmo no início da aplicação da Salvação. Nossa salvação é inteiramente a obra de Deus.
Isso não significa que não exista nenhum lugar para a atividade humana na salvação. Em primeiro lugar o Novo Testamento constantemente ecoa o chamado a se crer em Jesus Cristo. Indubitavelmente essa fé não é uma ‘obra’ no sentido de que ela acrescente coisa alguma à graça de Deus. Como Calvino costumava dizer, ela é apenas a mão vazia na qual o homem recebe a graça. Mas a justificação Não ocorre sem essa fé. É nesse exato ponto que podemos ver bem a fraqueza da doutrina da justificação de Karl Barth. Conquanto ele tenha escrito belas páginas sobre a justificação em sua teologia sistemática, e conquanto ele subscreva plenamente à doutrina da sola gratia (somente pela graça) e mesmo da sola fide (somente pela fé), é todavia um choque notar que no quarto volume de sua teologia sistemática ele se recusa a chamar a justificação de ‘o artigo pelo qual a igreja fica de fé, ou cai’.[55] É certeza que ele não nega que ‘nunca houve, nem pode haver, nenhuma verdadeira igreja cristã sem a doutrina da justificação’. Ainda assim, e ao mesmo tempo, ele afirma que ela ‘é apenas um aspecto da mensagem cristã da reconciliação’.[56] Qual é, então, o artigo pelo qual a igreja fica em pé, ou cai? A resposta é: ‘a confissão de Jesus Cristo, em quem estão ocultos todos os tesouros da sabedoria’. Naturalmente, é difícil discordar de Barth. Quem gostaria de negar que Cristo é “a base e o cume” mesmo da doutrina da justificação? Não podemos esquecer, contudo, que Barth tem sua visão particular do lugar de Cristo no plano de Deus para a salvação. De acordo com ele tudo já foi decidido na eternidade, a saber, na eleição ou rejeição de Jesus Cristo, que é o princípio de todos os caminhos e obras de Deus. Desde a eternidade a criação inteira está na luz da graça de Deus em Jesus Cristo. Dessa forma encontramos o ‘objetivismo’ na doutrina de Barth a respeito da graça. A única real diferença entre o crente e o descrente é que o primeiro sabe a respeito da graça, enquanto o outro (ainda) não sabe.[57] Aqui a justificação não é essencialmente nada além de um novo vislumbre (insight), pelo qual o pecador reconhece e admite sua condição ‘de fato’. Ela é, para assim dizer, uma transição no nível cognitivo: do não saber, em direção ao saber. Para Lutero – e aqui ele certamente segue a Paulo – justificação é uma transição existencial na qual o pecador realmente e de fato se move da culpa para a inocência, de estar sob a condenação de Deus para estar sob o favor de Deus. Berkouwer corretamente apontou que Barth não leva o pecado e a descrença a sério, o que é visível em sua fala sobre a impossibilidade ‘ontológica’ de pecado e descrença.[58] De acordo com Barth, em Jesus Cristo a possibilidade da descrença é ‘rejeitada, destruída, e colocada de lado’[59] Isso não significa que Barth negue a necessidade da fé. Mas essa necessidade, também, é de natureza ‘objetiva’. De fato, já ocorreu a eleição de Jesus Cristo. A necessidade da fé no homem não é, de fato, nada além de uma repetição da decisão eterna. Berkouwer corretamente pergunta se Barth dessa forma não está    relativizando’ a decisão humana em relação à fé.[60] Ele acha impressionante que nem as Escrituras ou a reforma sabem nada a respeito do problema de Barth. Reconhecendo plenamente a ação soberana de Deus na justificação do pecador, elas (as Escrituras e a Reforma) também levam muito a sério a descrença do homem e, portanto, o chamam urgentemente à fé. Para colocar isso em termos bíblicos, Paulo não disse ao carcereiro de Filipos: ‘Você já está salvo em Cristo; portanto creia nEle’, mas ‘creia no Senhor Jesus, e você será salvo, tu e a tua casa.’ (atos 16:31). De fato, a fé é uma necessidade indispensável no milagre da justificação.[61]
Mas também enfatizamos que essa fé não permanece sozinha. Em sua Homilia ‘da salvação da humanidade’ Cranmer já havia afirmado isso claramente: ‘a fé não exclui nosso arrependimento, amor, tremor, e temor de Deus, a serem ajuntadas com a fé em cada homem que é justificado. Mas as excluido ofício de justificar”. Semelhantemente Hooker disse: ‘nós por esse discurso (somente a fé justifica) nunca intencionamos excluir a esperança ou o amor de estarem sempre presentes como parceiros inseparáveis com a fé com a qual um homem é justificado; ou de serem acrescentadas obras como deveres requeridos das mãos de todo homem justificado; mas intentamos mostrar que a fé é a única mão lançada a Cristo para justificação’[62] A eliminação de toda cooperação humana precisamente nesse ponto dá ao pecador a maior alegria e certeza da salvação.
Não é surpresa que Trento tenha, nesse exato ponto, rejeitado a visão dos reformadores. No capítulo IX do decreto de justificação o concílio não apenas descreveu tal segurança como ‘arrogante’, mas como ‘uma confiança vã e impiedosa’, mas também afirmou inequivocamente que ‘ninguém pode saber através da certeza da fé, que não pode ser sujeita a erro, que tenha obtido a graça de Deus’. E no cânon 16 se diz: ‘se alguém disser que com certeza, com uma certeza absoluta e infalível, que possui o grande dom da perseverança, a menos que tenha concluído assim por uma revelação especial – anathema sit (seja anátema).’ Essa visão é uma inferência necessária da visão católica romana da justificação, por causa de sua inclusão da ideia da cooperação humana. Tão logo quando um elemento de sinergismo, mesmo que pequeno, entre na doutrina da graça, não há mais espaço para o conceito da Reforma de segurança na salvação.
Por que Lutero e os outros reformadores colocaram toda a sua fé na obra declaratória de Deus na justificação, e rejeitaram qualquer possibilidade de cooperação humana neste ponto, eles tiveram uma firme base para a segurança. Por que a salvação do homem não está em nada que ele faça, nem mesmo em sua fé, mas repousa somente na maravilhosa justitia aliena (justiça externa) de Cristo, tal homem pode saber com certeza que seus pecados são verdadeiramente perdoados e que, a despeito da pecaminosidade que nele permanece, ele nunca cairá das mãos do Deus da graça. “Ao mesmo tempo justo e pecador” não é uma visão unilateral luterana, mas toca o próprio coração da salvação. Solus Christus (somente Cristo), sola gratia (somente graça), e sola fide (somente pela fé) pertencem juntas a uma unidade inquebrantável, e por causa desse unidade a última expressão é e permanece sendo Soli Deo gloria (Somente a Deus seja a Glória!)


[1] Cf. H. George Anderson, T. Austin Murphy and Joseph A. Burgess, eds., Justification by Faith. Lutherans and Catholics in Dialogue VII (Minneapolis, 1985) 25. Somewhere Luther comes very close to the expression articulus stantis et cadentis ecclesiae, for he writes: ‘If this article stands, the church stands; if it falls, the church falls.’ Op. cit., 320 n. 51.
[2] Inst. III.11.1.
[3] Faith and Justification (Grand Rapids, 1954) 17.
[4] In fact, Trent and the Reformation polarised over six issues in the doctrine of justification: 1. the relationship between justification and sanctification; 2. the formal cause of justification: the imputation of Christ’s righteousness or the impartation of God’s own righteousness; 3. the nature of ‘concupiscence’; 4. the nature of faith: is implicit faith enough or is the faith that justifies fiducial faith?; 5. the nature of the eucharist and of the priesthood of the minister; 6. the Roman Catholic charge that the Reformers had no real place for subjective righteousness and holy living. Cf. C.O. Buchanan, E. L. Mascall, J. I. Packer and the Bishop of Willesden Growing into Union. Proposals for forming a united Church in England (London, 1970) 43ff.
[5] G. C. Berkouwer, op. cit., chap. 2.
[6] Cf. R. A. Leaver, The Doctrine of Justification in the Church of England (Latimer Studies 3; Oxford 1979); and R. G. England, Justification Today: The Roman Catholic and Anglican Debate (Latimer Studies 4; Oxford 1979).
[7] Cf G. C. Berkouwer, The Second Vatican Council and the New Catholicism (Grand Rapids, 1965) 37.
[8] Cf. Richard Stauffer, Luther as seen by Catholics (Ecumenical Studies in History; London: Lutterworth, 1967); Fred W. Meuser, ‘The Changing Catholic View of Luther’, in Fred W. Meuser and Stanley D. Schneider, eds., Interpreting Luther’s Legacy. (Minneapolis, 1969) 40–54; P. Manns, Martin Luther: Ketzer oder Vater im Glauben (Hannover 1980); Gottfried Maron, Das Katholische Lutherbild der Gegenwart (Göttingen, 1982); Hans Scholl, Calvinus Catholicus, (Freiburg, 1974).
[9] Karakteristiek van het reformatorische Christendom (Roermond, 1952) 348.
[10] Cf G. C. Berkouwer, Second Vatican Council 42.
[11] Even as late as 1965 we still read in the introduction to the chapter on Grace in Karl Rahner, ed., The Teaching of the Catholic Church (ET Cork, 1967 [orig. 1965]) 367. (a condensed version of all the official decisions of the Church of Rome): ‘It is not just that man is as though justified; he is justified. In this the Church’s doctrine on justification is diametrically opposed to that of the Reformers who admitted only an external justification, a sort of attribution of Christ’s righteousness to man while inwardly man remained a stranger to righteousness.’
[12] H. Küng, op. cit. 11f.
[13] Recent Developments in Roman Catholic Thought (Grand Rapids, 1958) 57ff.
[14] Rome: Opponent or Partner (London, 1965) 101ff. Cf. also his statement on p. 198: ‘Is Küng’s interpretation of Barth wrong or of Trent? Since Barth himself testifies that Küng rendered his teaching accurately and interpreted it correctly, we come reluctantly to the conclusion that what Küng develops as the Roman teaching is not, or at least is not yet, officially the teaching of his Church.’
[15] ‘Justification: Barth, Trent, and Küng’, SJT 34 (1981) 517–429.
[16] Berkouwer, Recent Developments 63.
[17] Cf F. Barth, ‘Römisch-katholische Stimmen zu dem buch von Hans Küng “Rechtfertigung” ‘, in Materialdienst des Konfessionellen Instituts 11(1960) 81ff. It is interesting to note, however, that no one has suggested that what Küng claims to read in the intention of Trent is unorthodox: cf G. C. Berkouwer, Recent Developments 44. Karl Rahner concluded that there is no doubt as to the ‘orthodoxy of Küng’s summary of the Catholic teaching on justification’.
[18] Theologie der Rechtfertingung bei Martin Luther and Thomas von Aquin (Walberberger Studien: Theologische Reihe, Bd 4; Mainz, 1967).
[19] O. C. Berkouwer, ‘Convergentie in de rechtvaardigingsleer?’, GTT 72 (1972) 129–157; Heiko A. Oberman, ‘De rechtvaardingsleer bij Thomas en Luther’, Kerk en Theologie 20 (1969) 186–191.
[20] Rechtfertingung bei Paulus. Studie zur Struktur und zum Bedeutungsgehalt des Paulinischen Rechtfertingungsbegriffs (Münster, 1971) 286, 295–306.
[21] Wegwijzers naar de toekomst (Hilversum, 1977) 73/4.
[22] Cf. Justification by Faith. Lutherans and Catholics in Dialogue VII 62.
[23] Quoted from Hywel Jones, ‘arcic II Symposium’, Evangel (Summer 1987) 19.
[24] Cf. Justification by Faith 45f.
[25] CD. IV.1, 530.
[26] For the full text see Worship 46 (1972) 326–351, and LW 19 (1972) 259–273. Both the German and the English texts are also found in Harding Meyer, ed., Evangeliuni—Welt—Kirche (Frankfurt am Main, 1975).
[27] For the full title, see note 1. This volume also contains the background papers of the dialogue. Furthermore, there is the companion volume: John Reumann, Righteousness in the New Testament: ‘Justification’ in Lutheran–Catholic Dialogue (Minneapolis, 1982). In the text of our paper we shall indicate the page number(s) of the document itself between brackets.
[28] For the full title, see note 1. This volume also contains the background papers of the dialogue. Furthermore, there is the companion volume: John Reumann, Righteousness in the New Testament: ‘Justification’ in Lutheran–Catholic Dialogue (Minneapolis, 1982). In the text of our paper we shall indicate the page number(s) of the document itself between brackets.
[29] arcic> II and Justification: an Evangelical Anglican Assessment of ‘Salvation and the Church’ (Latimer Studies No. 26; Oxford: 1987) 31f.
[30] Cf B. J. Kidd, The Counter–Reformation 1550–1600 (London, 1958) 64.
[31] Cf Alister E. McGrath, Iustitia Dei 2.63ff.
[32] Cf Alister E. McGrath, op. cit. 2.86ff.
[33] Cf. also Canon 33: ‘If any one shall say that the Catholic doctrine of justification as set forth by the Holy Council in this present decree derogates in some respect from the glory of God or the merits of our Lord Jesus Christ, and does not rather illustrate the truth of our family and no less the glory of God and of Christ Jesus—let him be anathema.’
[34] Cf. G. C. Berkouwer, The Conflict with Rome (Philadelphia, 1958) 238: ‘With Rome justification is based on sanctification, on sanctifying internal grace. The judgment of pardon through divine justification was in principle understood as an “analytical judgment”, i.e., a statement of that which was already found in man now or will be found in him in his future perfection later on.’
[35] My italics.
[36] My italics.
[37] My italics. The italicised words show how confusing such a statement is. Luther and the other Reformers never thought of justification as a ‘legal fiction’. When God pronounces us righteous, we are righteous. But we are not righteous in ourselves, by inherent grace, but because we are clothed with the righteousness of Christ.
[38]J. I. Packer and others, Here We Stand. Justification by Faith Today (London, 1986) 125.
[39] Op. cit. 123.
[40] G. C. Berkouwer, The Second Vatican Council and the New Catholicism 45.
[41] Acta Syn. Trid. cum Antidoto, Opera VII, 477—Fides ergo sola est quae justificat, fides tamen quae justificat, non est sola. Cf. also Inst. III.16.1: ‘So it appears to be true that we are not justified without works, nevertheless not by the works.’
[42] It was published in 1987 and is generally called arcic II. Again we shall mention the page number(s) in the text of the paper. A considerable number of articles and pamphlets on the document have been published. We mention the following: Alister McGrath, ‘arcic II and Justification: Some Difficulties and Obscurities relating to Anglican and Roman Catholic Teaching on Justification’, Anvil 1 (1984) 27–42 (this article, written long before the publication of the document, expressed some wishes on the part of the author); the entire issue of Evangel 5/2 (Summer 1987) 124, containing the text of the document and articles by Tim Bradshaw, Julian Charley, Roger Beckwith, Hywel Jones, and David F. Wright; McGrath, arcic II and Justification, see note 25; R. E. England, ‘Salvation and the Church: A Review Article’, The Churchman 101 (1987) 49–57; Paul Avis, ‘Reflections on arcic II’, Theology 90 (1987) 451–459; McGrath, ‘Justification: the new ecumenical debate’, Themelios 13 (1988) 43–48; An Open Letter to the Anglican Episcopate, Easter 1988, 1–12.
[43] arcic II and Justification 44.
[44] Cf. Wright, art. cit. 21ff.
[45] Open Letter 10.
[46] McGrath, Themelios, art. cit. 44f.
[47] Cf. Jones, art. cit. 18; and McGrath, Themelios, art. cit., 46.
[48] Cf. McGrath, Themelios, art. cit., 47.
[49] Cf. Avis, art. cit. 55f.
[50] Cf. Justification by Faith 42f. ‘Christ associates the work of the church with himself and is present by his power in the sacraments, so that the liturgy is an exercise of Christ’s own priesthood’ (42).
[51] Art. cit. 34–35.
[52] Art. cit. 22.
[53] Quoted by Robert Doyle in The Australian Church Record (April 27) 1987.
[54] Cf. the chapter on Mary in G. C. Berkouwer, The Conflict with Rome 152–178. Cf. also his The Second Vatican Council and the New Catholicism 221–248.
[55] Karl Barth, CD, IV.1, 514–528.
[56] My italics.
[57] Cf. Barth’s sermon on the two criminals who were crucified with Christ, in his sermon collection Deliverance to the Captives (London, 1961) 75–84. Barth says here that these two criminals were ‘the first certain Christian community’ (77). He does not deny that there is a difference between the two men: the one acknowledged who Jesus was and what he did in his suffering and death for all men; the other shared in the general mockery. But then he continues: ‘This is certainly an important and notable difference between the two criminals. But we shall not dwell on it today. For the difference is not important enough to invalidate the promise given so clearly, so urgently to both of them, indeed without distinction’ (81). A little later he goes much further and says that both of them were covered by the word of Paul in Rom. 6:8. Therefore, ‘these two criminals were the first two who, suffering and dying with Jesus, were gathered by this promise into the Christian fold’ (82).
[58] G. C. Berkouwer, The Triumph of Grace in the Theology of Karl Barth (Grand Rapids, 1956) 266ff.
[59] Karl Barth, CD IV.1, 747.
[60] G. C. Berkouwer, Triumph of Grace 274f.
[61] For a thorough criticism of Barth at this very point, see also Alister E. McGrath, Iustitia Dei 2. 170ff.
[62] Cf. Wright, art. cit. 23.

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