quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Mateus: O Evangelho do Messias e do Novo Povo de Deus!!!

Livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão
Mateus 1:1

Como requisito para as classes de pós graduação em Novo Testamento foi-me solicitado fazer um breve estudo sobre o Evangelho de Mateus e aqui está o resultado. O trabalho é simples e acessível, e eu já estava com saudades de publicar algo em texto para vocês aqui no blog! Espero que vocês gostem do conteúdo e que ele seja instrumento de edificação na vida de todos que o lerem!!!

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Graça e Paz!!!


I. Introdução
O evangelho de Mateus é o primeiro livro do Novo Testamento conforme a ordem canônica que preservamos até o presente, e segundo Kilpatrick (1946), tal evangelho “é um livro do tipo catecismo, destinado à igreja da época de Mateus,” e durante os três primeiros séculos da igreja cristã, Mateus foi o evangelho canônico mais citado e reverenciado, segundo Goodspeed (1959).
Hagner (2002, p. liv) nos lembra que o evangelho de Mateus é singular, dentre várias outras razões, pelo fato dele “conter mais de sessenta citações explícitas retiradas do Antigo Testamento, o que é mais do que o dobro de citações similares encontradas em qualquer outro evangelho,” e conclui que “a forte dependência do Antigo Testamento reflete o interesse de Mateus de afirmar que o Evangelho do Reino é o cumprimento das expectativas veterotestamentárias.”
            II. Autoria
O evangelho é anônimo, mas tem sido tradicionalmente atribuído a Mateus (o apóstolo) desde o início do segundo século da era cristã. Papias, um pai da igreja e bispo de Hierápolis na Ásia menor, nos legou o seguinte testemunho:
Ματθαῖος μὲν οὖν Ἑβραΐδι διαλέκτῳ τὰ λόγια συνετάξατο, ἡρμήνευσεν δ᾽αὐτὰ ὡς ἦν δυνατὸς ἕκαστος.
Mateus, de sua parte, compilou os oráculos no dialeto hebraico, e cada pessoa os traduzia conforme era capaz.
            Tal afirmação é importantíssima no estudo da autoria de Mateus, mas Gundry (1998, p. 65) diz que seu significado exato “é algo que nos escapa.” Não há quaisquer registros de uma versão hebraica ou aramaica do evangelho de Mateus e várias teorias tentam preencher essa lacuna afirmando, dentre outras coisas, que Papias possa estar fazendo referência a uma coleção de textos bíblicos em torno de questões messiânicas e proféticas que Mateus teria agrupado como fonte para seus ensinos, e que possivelmente poderiam ter sido usados posteriormente como fonte de seu evangelho.
A palavra λόγια significa estritamente “oráculos,” mas segundo Hagner (2002, p. xliv), “a igreja logo entendeu esse termo como se referindo ao próprio evangelho de Mateus de forma a estabelecer, de alguma forma, sua prioridade sobre os evangelhos de Marcos e de Lucas.”
A expressão Ἑβραΐδι διαλέκτῳ (dialeto hebraico), por sua vez, é entendida por alguns como fazendo referência ao fato de que havia um evangelho original de Mateus em hebraico ou aramaico (a expressão pode ser legitimamente entendida das duas formas), ou simplesmente que o evangelho de Mateus, escrito em grego, trazia um “estilo” hebraico de pensamento. Nenhuma dessas duas interpretações convence os eruditos que permanecem concluindo que subsiste a impossibilidade de se comprovar a existência de um evangelho escrito em hebraico ou aramaico, e descarta-se a segunda opção de interpretação por causa da flagrante incoerência de Papias em incluir a ideia de que alguém tivesse dificuldade de traduzir/entender o evangelho de Mateus, escrito em grego (portanto acessível aos leitores em geral), por causa de alguma forma de “estilo hebraico de pensamento.”
            Analisando a estrutura literária do evangelho de Mateus, Carson (2011, p. 34) diz que “há muitos sinais de altíssima perícia literária nesse evangelho,” de forma que persiste a conclusão de que tal evangelho foi escrito originalmente em grego conforme o possuímos hoje. Gundry (1998, p. 66), por sua vez, diz que “a habilidade de organização exibida pelo autor desse evangelho concorda com a provável mentalidade de um cobrador de impostos como Mateus” por causa das situações envolvendo, por exemplo, a cobrança de impostos e que só ocorrem em Mateus (cf. 17:24-27), e da forma matemática como ele estrutura os discursos, parábolas, indagações e orações em seu livro.
            III. Data de composição
            Carson (2011, p. 37) diz que a referência mais antiga ao evangelho de Mateus se encontra nas cartas de Inácio, que foram escritas por volta de 110-115 d.C., e defende sua produção no final do primeiro século. Gundry (1998, p. 66-67) diz que provavelmente Mateus foi escrito logo após o evangelho de Marcos, o que resultaria em algum momento entre os anos 45-80 do primeiro século. Barton e Muddiman (2001, p. Mt 1:1) dizem que “tem havido recentemente uma guinada na direção de datar o evangelho de Mateus antes de 70 d.C., mas ainda hoje a maioria dos estudiosos defende que o evangelho foi escrito na parte final do primeiro século, mas antes do ano 100.”
            De qualquer forma devemos levar em consideração a tendência crítica moderna em datar o evangelho de Mateus especialmente por causa de seu conteúdo apocalíptico e preditivo sobre a destruição de Jerusalém (Mt 24), mas tal pressuposto anti-supernaturalista é frágil. Mateus é um evangelho que pode ter sido escrito com o objetivo de suprir várias lacunas e necessidades na igreja primitiva, e segundo Carson (2011, p. 44) entre elas estão: 1) Ensinar/catequizar; 2) Fornecer material apologético e evangelístico, especialmente para ganhar os judeus; 3) Encorajar os cristãos diante das dificuldades da vida neste mundo; e 4) Inspirar uma fé profunda em Jesus como o Messias.
            As ênfases sobre as questões judaicas nesse evangelho, segundo Gundry (1998, p. 67), fazem com o que seja “menos provável que Mateus tenha escrito depois do ano 70, quando se alargou mais ainda a brecha entre a igreja e a sinagoga (...) quando as possibilidades de conversão de judeus pareciam mais favoráveis.”
IV. Local de composição
Algumas opções sobre o local de composição do evangelho de Mateus defendidas por estudiosos diversos são: Alexandria (VAN TILBORG, 1965, p. 172); Edessa (BACON, 1930); Síria (SCHWEIZER, 1975, p. 138-139); Tiro (KILPATRICK, 1946, p. 130); Cesaréia marítima (VIVIANO, 1979), e Antioquia (GUNDRY, 1998).
Carson (2011, p. 39) diz que a maior indicação em favor da posição por Antioquia, e que é defendida pela maioria dos estudiosos, é de que ela era “uma cidade de fala grega com uma população judaica substancial.”
V. Conteúdo
Gundry (1998, p. 67) diz que Mateus divide os discursos de Jesus (Mt 5-7; Mt 10; Mt 13; Mt 18; Mt 23-25) em seu evangelho em cinco partes “para o benefício dos seus leitores judeus, retratando a Jesus como um novo e maior Moisés.”
Uma forma de compreender as características singulares do evangelho de Mateus é explorar seus temas principais comparando-os com outros documentos do Novo Testamento, em especial, com os outros evangelhos. Nessa direção poderemos concluir algumas coisas importantes nas seguintes direções.
A) Cristologia
A Cristologia de Mateus tende a ser mais explícita do que a de Marcos, por exemplo, o que pode ser comprovado através da comparação do relato da “entrada triunfante” em Mateus 21:1-11 e Marcos 11:1-11. Mateus explora as profecias do Antigo Testamento e evoca a resposta das multidões: “Este é o profeta Jesus” (Mt 21:11), provavelmente apontado para Deuteronômio 18:15.
Mateus usa “ricos e diversos títulos cristológicos” (CARSON, 2011, p. 45). Expressões como: “Filho de Davi” (Mt 1:1; 9:27; 12:23; 15:22; 20:30-31; 21:9, 15; 22:42); “Filho do Homem” (Mt: 8:20; 9:6; 10:23; 11:19; 12:8; 13:37; 16:28; 17:22; 24:27; 26:24), “Senhor” (Mt 17:4; 22:43-45); “Emanuel” (Mt 1:23) são todas  expressões que revelam a “vinda do filho de Deus, não somente para habitar entre nós, mas para se identificar conosco.” (NICHOL, 1978). Devemos lembrar também que somente Mateus “estrutura a genealogia de Jesus sob a perspectiva da aliança davídica” (CARSON, 2011, p. 45), com o objetivo de exaltar a Cristo como o Messias para os leitores judeus.
B) Cumprimentos Proféticos
Mateus evoca inúmeros cumprimentos proféticos do Antigo Testamento na vida de Jesus Cristo através de seu evangelho. Dentre alguns exemplos podemos citar, Jesus cumpre: a profecia de Oseias 11:1 (em Mt 2:15); a profecia de Jeremias 31:15 (em Mt 2:17); a profecia de Isaías 9:1 (em Mt 4:15); a profecia de Isaías 53:4 (em Mt 8:17); a profecia de Maquias 3:1 (em Mt 11:10); a profecia de Zacarias 13:7 (em Mt 26:31),
dentre outros exemplos.
            C) Lei
            A atitude de Mateus em relação à lei é problemática por várias razões. Se por um lado há uma firme defesa da lei (Mt 5:17-20; 8:4; 19:17-18), e se omita algumas das ênfases de Marcos que se opõe a alguns pontos da lei (cf. Mt 15:1-20 e Mc 7:19, note a omissão da frase “ assim considerou ele [Jesus] puros todos os alimentos” por Mateus), por outro lado Mateus não evita citar a Cristo suplantando a “carta da lei do Antigo Testamento em Mateus 5:33-37” (CARSON, 2011, p. 48), e relativiza o templo por causa da presença de Jesus Cristo (Mt 12:6). Mateus possivelmente enfatiza a brecha entre os judeus e a nova comunidade de Deus (a igreja) ao falar das “sinagogas deles” (Mt 12:9), o que também pode refletir de alguma forma sua teologia da lei. Os últimos pontos nessa questão são aprofundados com os relatos da conduta de Jesus Cristo sobre o sábado (Mt 12:1-14) e sobre o divórcio (Mt 19:1-12).
Compreender essas ênfases diferentes só é possível quando se percebe, nas obras e ensinos de Jesus, dinâmicas diferentes entre continuidade e descontinuidade na questão da lei à luz de sua encarnação, vida perfeita, morte e ressurreição, por um lado, e de sua oposição às tradições e interpretações humanas da lei (cf. Mt 15:5-6). Nessa direção, e na compreensão da mensagem do “amor a Deus e amor às pessoas” (Mt 22:34-40), estão as chaves para compreendermos a legítima posição e função da lei no evangelho de Mateus.
            D) Igreja
            A palavra “igreja” (ἐκκλησία) aparece duas vezes no texto de Mateus (16:18; 18:17), e não ocorre em nenhum dos outros evangelhos. Sua interpretação pode sugerir o conceito de que o grupo pequeno de discípulos deve ver a si mesmo como um grupo distinto, santo e messiânico, a igreja, e deve esperar crescimento e consolidação contra toda oposição (Mt 16:17-19), e deve ser caracterizada pelo perdão e oração (Mt 18:15-20). Tal ideia de igreja remonta ao próprio Cristo.
            E) Escatologia
            Carson (2011, p. 52) diz que
Mateus distingue entre quatro períodos de tempo: 1) a revelação e a história antes de Jesus; 2) a inauguração de algo novo com a vinda de Cristo; 3) o período que se inicia com a exaltação de Jesus, a partir do qual toda a Soberania de Deus é mediada através do Filho e seus servos são chamados a pregar o evangelho do reino para todas as nações; 4) a consumação e além.
            Especialmente o capítulo 24 do evangelho de Mateus é profundamente escatológico, e no contexto da escatologia mateana o principal desafio é estabelecer os sentidos nos quais o reino de Deus já está presente (Mt 9:35; 10:7; 12:28; 13:11;18:1), e em quais sentidos deve-se esperar tal reino somente para o futuro (Mt 5:20; 7:21; 8:11; 19:23; 24:33; 25:34).
            F) Aspectos Judaicos
            Por muitas vezes Mateus se refere a Deus como “o pai que está nos céus” (Mt 5:16; 7:11, 21; 10:32-33; 16:17; 18:19; 23:9), e comumente substitui reverentemente o nome de Deus na frase “reino dos céus,” onde outros evangelistas usam a expressão “reino de Deus.” (cf. Mt 13:11; Mc 4:11; Lc 8:10). Somente Mateus cita ditos de Jesus como estes: “Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel.” (Mt 15:24); “Não tomeis rumo aos gentios, nem entreis em cidade de samaritanos; mas, de preferência, procurai as ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 10:5-6). Mateus também é o único que combate “a acusação judaica de que os discípulos teriam furtado seu cadáver em Mateus 28:11-15.” (GUNDRY, 1998, p. 68). Adiante Mateus registra a “grande comissão” (Mt 28:18-20), universal em seu escopo de forma que devemos admitir que o evangelho de Mateus tem uma preocupação de pregar a verdade sobre Jesus primariamente para judeus, mas sem esconder as impicações universais da mensagem de Cristo.
            VI. Conclusão
            O evangelho de Mateus continuará sendo um dos principais documentos da literatura mundial, testemunhando de Jesus como aquele que fora prometido no Antigo Testamento e que nos visitou para ser “Emanuel: Deus conosco” (Mt 1:23).

Bibliografia
BACON, Benjamim W. Studies in Matthew. London: Constable, 1930.
BARTON, John; MUDDIMAN, John. Oxford Bible Commentary. New York: Oxford University Press, 2001.
CARSON, D. A. O comentário de Mateus. São Paulo-SP: Shedd Publicações, 2011.
GOODSPEED, E. J. Matthew, apostle and evangelist. Philadelphia: Winston, 1959.
GUNDRY, Robert H. Panorama no Novo Testamento. 2ªed. São Paulo-SP: Edições Vida Nova, 1998.
HAGNER, Donald A. Word Biblical Commentary: Matthew 1-13. Dallas: Word, 2002.
KILPATRICK, G. D. The origins of the gospel according to St. Matthew. Oxford: Claredon, 1946.
NICHOL, Francis D. The Seventh-day Adventist Bible Commentary: The Holy Bible with exegetical and expository comment. Washington, D.C.: Review and Herald, 1978.
SCHWEIZER, Eduard The good news according to Mathew. Atlanta: John Knox, 1975.
VAN TILBORG, Sjef. The jewish leaders in Matthew. Leiden: Brill, 1965.
VIVIANO, B. T. Where was the gospel according to Matthew written? Catholical Biblical Quaterly v. 41 (1979), p. 533-546.

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