sábado, 16 de janeiro de 2016

Sobre a possibilidade de alguém perder a salvação em função de “música com bateria”, “maquiagem”, “calça comprida”, “roupas vermelhas ou cor-de-rosa”, “cinema” e afins...

Então, o Rei dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos. (Mateus 25:41)


Discussões sobre a doutrina da salvação (soteriologia) à luz da “modernização” do estilo de vida dos cristãos da atualidade podem ser muito instrutivas para identificar ideias importantes tanto nas questões de salvação quanto de estilo de vida.

A mensagem bíblica de que a salvação é “pela graça, mediante a fé” e “não vem de nós”, ainda que posterior e secundariamente gere “boas obras” de antemão preparadas por Deus para que os salvos vivam nelas (Ef 2:8-10) é importantíssima na medida em que estabelece um paradigma inamovível na relação salvação/estilo de vida. Não há estilo de vida que gere salvação a seu adepto, e se houvesse isso destruiria completamente a mensagem bíblica da salvação pela graça (cf. Rm 11:6).

Em função disso, há polêmicas sérias no mundo cristão, especialmente nas discussões entre monergismo (Deus é o único agente da salvação de um pecador) e sinergismo (Deus e homem cooperam na experiência da salvação de um pecador) que é a principal discussão entre calvinistas e arminianos à luz da sempre complicada relação entre soberania/predestinação divina e liberdade/responsabilidade humana. Essa controvérsia já divide a igreja cristã há séculos e não há a menor indicação de que tais grupos chegarão a um consenso em torno do tema, só o que tem havido é um aprofundamento de cada grupo na tentativa de expressar biblicamente sua própria visão e na tentativa de refutar biblicamente a visão contrária.

Além disso, a questão do estilo de vida adequado para os cristãos também é objeto de intenso estudo bíblico e de acalorado debate dentro das igrejas de maneira geral, sendo que cada uma delas tem sua interpretação particular (mas nem sempre em consenso dentro da própria igreja) sobre como traduzir os textos bíblicos em diretrizes práticas quanto aos desafios do mundo moderno em torno de questões gerais.
Deus admite que o salvo se envolva com um estilo de música no qual a bateria/percussão é um elemento importante? Deus aceita que uma cristã, salva, use maquiagem, calça comprida, salto alto? Deus se opõe a certas cores de roupas para os salvos, exemplos, o vermelho para as mulheres (por ser uma cor símbolo de sensualidade ou até mesmo prostituição [Ap 17:4]) ou o cor-de-rosa para os homens (por ser uma cor símbolo do feminino ou até do homossexualismo em nosso mundo)? Uma pessoa salva pode freqüentar o cinema? Mil outras perguntas poderiam surgir nesse tipo de contexto. Um cristão salvo pode: tomar remédio? Fazer uso de energia elétrica? Navegar na internet? Dirigir carros movidos a combustível fóssil? Etc. ad infinitum...

Não me proponho a me aprofundar nas possivelmente complicadas implicações doutrinárias, sociais, éticas, ecológicas e espirituais de cada possível resposta a essas e outras milhões de perguntas similares, mas desejo propor algumas perspectivas sobre as questões de uma correta relação entre salvação e estilo de vida a fim de usar minha capacidade de pensar e minha função de fazer os outros também pensarem na direção de melhor compreendermos, todos, a Palavra de Deus.
Imaginemos cristãos verdadeiros, tanto quanto é possível ser. Amor e fé, as únicas coisas que realmente importam para o cristianismo (Mt 22:34-40; Jo 13:34-35; Gl 5:6) são realidades palpáveis e reconhecidas na vida deles ainda que não em grau absoluto. Isso quer dizer que eles permanecem pecadores salvos pela graça, mas são pecadores coerentes com a mensagem cristã de uma fé que gera amor genuíno no cumprimento da missão da igreja. Nesse grupo dos “cristãos verdadeiros”, há homens e mulheres.

Agora imaginemos Jesus voltando para buscar os seus escolhidos (Mt 24:31). Naquele momento haveria espaço para Jesus dizer assim pra um desses cristãos verdadeiros? 

Você é um homem de fé e de amor a Deus e aos homens, mas em sua igreja você me louvava ao som de músicas com instrumento de percussão/bateria. Aparta-te de mim, maldito (Mt 25:41)!

Para outra pessoa, Jesus diz:

Moça, você é uma mulher de fé e de amor a Deus e aos homens, mas usa maquiagem, calça comprida, salto alto, e peças de roupa vermelhas. Aparta-te de mim, maldita (Mt 25:41)!

Para ainda outro cristão Jesus talvez diga:

Você é um homem cristão de fé e de amor a Deus e aos homens, “mas usa camisa cor-de-rosa”, ou, “mas vai ao cinema”. Aparta-te de mim, maldito (Mt 25:41)!

Poderíamos multiplicar exemplos indefinidamente.

Mas o ponto é: como avaliar uma possível postura da parte de Jesus nessa direção? Seria tal postura coerente com sua natureza, caráter e Revelação?

Já que discussões sobre esse tipo de questão nunca são simples, vamos adicionar outros elementos ao quadro geral. Músicas, maquiagens, roupas, sapatos, filmes e mil outros fenômenos em nosso mundo representam formas humanas de expressão. E o que o ser humano expressa através dessas e de outras formas? Aquilo que vai sem seu coração (cf. Mt 12:34).

E aí? Será que aquilo que está no nosso coração pode nos fazer perder a salvação?

No mesmo contexto onde Jesus fala que “a boca fala do que o coração está cheio”, ele adverte sobre o pecado imperdoável (Mt 12:31). E aí, será então que o quadro pintado acima pode realmente ocorrer? Como se posicionar diante disso?

Primeiro de tudo.

A Bíblia diz que “onde não há lei, não há pecado” (Rm 4:15).
Diretamente, a Bíblia não fala de padrões divinamente autorizados ou condenados em torno de estilos musicais, estilos de maquiagem, peças de sapato ou de roupa diferenciados em função de formato ou cor, de cinema e de tantas outras coisas que existem na realidade do nosso mundo. Por si só, essa informação precisa nos tornar cautelosos em exprimirmos uma potencial condenação de Jesus às pessoas em função desse tipo de coisa não revelada claramente na Bíblia.

Ainda assim, muitos buscam apoio para pregar que tais e outras coisas são pecado. Assim é que muitos nos lembram que o cristianismo prega que os salvos não podem amar “as coisas que há no mundo” (1 Jo 2:15). Creio que a expressão “as coisas que há no mundo” é ampla o suficiente para condenar bateria, maquiagem, calça comprida, salto alto, roupas coloridas, cinema e MUITO MAIS. Aliás, essa expressão é capaz de condenar TUDO que há no mundo, a internet, a eletricidade, o oxigênio e todo o resto.

Outras citações bíblicas são usadas na direção de fundamentar melhor e de forma mais específica esse tipo de condenação, mas no final das contas sempre há interpretações alternativas melhores do que aquelas que procuram ver uma justa condenação em função de tais questões.

Resumidamente, a Palavra de Deus fala da perdição de pessoas em função do não arrependimento de pecados reais, exemplos: “assassinatos, feitiçarias, prostituição e furtos” (Ap 9:20-21). Essas são questões reais e sérias, claramente condenadas na Palavra de Deus e, por isso, a condenação de tais é justa, o que não seria o caso de cristãos verdadeiros condenados por “música com bateria”, “maquiagem”, “calça comprida”, “roupa vermelha”, “roupa cor-de-rosa”, e “cinema”.

Para terminar. Entretanto, tais questões não podem simbolizar esses pecados e estar relacionados a eles?

A bateria não pode ser relacionada à feitiçaria pagã originária da África?

A Maquiagem também não teve uma origem pagã, no Egito, e era usada também para propósitos de sensualidade pecaminosa? 

Não poderíamos, mais ou menos nas mesmas direções, achar elementos de condenação bíblica associados à calça comprida, às roupas vermelhas ou cor-de-rosa, ao cinema e etc? Sim, mas ainda assim nossos problemas ainda não terminaram.

É verdade que quando uma música, uma roupa, uma “diversão” estão associadas ao pecado de uma pessoa, essa pessoa pode vir a ser condenada caso se manter no erro até pecar contra o Espírito Santo, entretanto há um problema.

Nem toda pessoa que ouve música com bateria tem qualquer ligação com feitiçaria. Nem toda mulher que usa maquiagem, calça, salto alto ou roupa vermelha é movida por sensualidade pecaminosa. Nem todo frequentador de cinema é um assassino em série influenciado e disposto a metralhar seus parceiros de poltrona no final de um filme.

Há casos e casos, e se nós somos capazes de diferenciar intenções potencialmente diferentes em ações perfeitamente similares, Deus o pode fazer de forma absoluta. Deus conhece as intenções e as realidades, e ninguém será condenado injustamente.

No final das contas, é plenamente possível que um não frequentador de cinema que é violento pode ser condenado por ter cometido o pecado sem perdão e torno da violência, enquanto um admirador da série “duro de matar” que viu todos os filmes de Bruce Willis no cinema (vejam que meus conhecimentos na área do cinema estão levemente ultrapassados) não seja condenado por Deus como um assassino não arrependido “maldito”.

Poderíamos multiplicar exemplos indefinidamente nas outras questões também.

Por fim,

Poucas questões podem ser mais sérias do que a condenação de um ser humano a quem Jesus morreu para salvar. Não há como lidar com isso com a superficialidade e maldade que se vê em alguns círculos ditos cristãos. Se comportamentos tais, não regulamentados claramente na Bíblia se tornam motivo de acusação e condenação mútua dentro da igreja, isso é um sintoma de algo muito mais sério, o esfriamento do amor entre os próprios cristãos (Mt 24:12). E se esfriarmos em nosso amor a Deus e aos homens, nossa vida moral “impecável” em plena negação das “músicas mundanas”, das “maquiagens de Jezabel”, das “roupas da prostituta do Apocalipse”, da aparência da homossexualidade, e das diversões “pecaminosas” não poderão evitar, na verdade, a nossa própria condenação.

O propósito desse texto não é oferecer argumentos para que alguém ouça músicas que não deseje ouvir, use roupas que não deseje usar ou vá a lugares que não deseje ir, tanto em função de sua consciência pessoal quanto das orientações da igreja nas pessoas de seus líderes (eu, inclusive). Não!!! 

O propósito é simplesmente nos lembrar que a condenação de um ser humano à perdição não pode seguir uma lógica superficial.

Graça e Paz

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quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Algumas implicações da relação depressão X hermenêutica

O caminho para a vida é de quem guarda o ensino, mas o que abandona a repreensão anda errado. 
(Provérbios 10:17)

Há algum tempo atrás, tive um problema pessoal que me levou ao consultório psicológico. Após os benefícios iniciais do tratamento me interessei pela área da psicologia e adquiri bastante literatura para tentar entender melhor aquilo que afligia a mim e a outras pessoas ao meu redor.
Dentre vários livros, comprei um dos melhores materiais disponíveis no mercado editorial brasileiro sobre a depressão, dos autores Aaron Becker e Bred Alford (Depressão: causas e tratamento, 2ª edição, editora: artmed, 2011). Iniciei a leitura. Foi algo extremamente revelador para o problema que eu estava passando.
Eu simplesmente devorei o livro, grifando várias e várias páginas. Hoje, depois de um bom tempo, folheando esse livro, achei uma parte que eu havia grifado quando o li...
"Nos estágios mais graves [da depressão], os pacientes têm dificuldades até para considerar a possibilidade de que suas ideias ou interpretações talvez sejam errôneas. Eles acham difícil ou impossível considerar evidências contrárias [às suas ideias] ou explicações alternativas" (BECKER; ALFORD, 2011, p. 221)
Já superei o problema pessoal que me fez ler esse livro, mas percebo que esse assunto precisa ser tratado para além das questões pessoais e deve nos conduzir a pensar um pouquinho na psicologia da religião e sua relação com a interpretação bíblica (hermenêutica).
Imagine uma pessoa depressiva que, porventura, é uma intérprete da Bíblia ou pregadora do Evangelho. Imagine que essa pessoa tenha seu quadro de saúde mental agravado por problemas pessoais. Naturalmente, conforme o texto diz, em estágios graves da doença, a pessoa se apegará às suas ideias e interpretações da Bíblia de forma tenaz e será muito difícil ou talvez impossível fazer ela avaliar posições contrárias às dela. Se tal pessoa tiver interpretado e pregado o Evangelho corretamente, os problemas podem ser menores, mas se tal pessoa aceitou como verdade divina aquilo que é simplesmente ideia humana, ou heresia satânica a questão pode se tornar tenebrosa.
E isso é perturbador.
Quem sabe essa situação possa nos ajudar a explicarmos parte de um fenômeno cada vez mais recorrente nas redes sociais em torno das questões religiosas, a dificuldade de algumas pessoas em dar o braço a torcer independentemente da natureza dos questionamentos e refutações que um ensinamento seu venha a precisar encarar.
Há hoje, inúmeros grupos de pessoas reunidas em torno de líderes que, como porta vozes de tais grupos, pregam todo tipo de coisas diferentes entre si. Há quem garanta, acime de tudo, que tal tendência é basicamente o cumprimento profético de 2 Timóteo 4:3... Realmente isso é verdade, mas o que me interessa aqui é que o potencial de uma doença mental adicionada a esse fenômeno é muito grande.
Não estou sugerindo que cada caso de porta voz de ideias religiosas "diferentes" é um doente mental que atrai e dá voz a um bando de outros doentes mentais, nada é tão simples, mas isso pode ocorrer e creio que, de fato, isso ocorre mais corriqueiramente do que a maioria percebe.
Sou líder da igreja já há alguns anos, e nesses anos estive em debates e confrontos com muitos erros doutrinários. Problemas sobretudo com o perfeccionismo, mas também com a doutrina da Trindade e extremismos nas questões de estilo de vida. Esses embates me ensinaram muita coisa sobre as pessoas e sobre a igreja de forma geral.
Dentre essas coisas, aprendi que muitas vezes pouco ou nada importa às pessoas a força da argumentação em função da revelação bíblica ou da obra de EGW, o que realmente importa na maioria das vezes é a função social que uma doutrina (mesmo errônea) cria em um grupo e a força que tal doutrina tem em em dar sentido à vida e à "missão" da pessoa.
Uma pessoa doente mentalmente que, por alguma razão, se torne convencida de que sua missão no mundo é salvar a igreja implantando nela o perfeccionismo, o antitrinitarianismo ou o extremismo ou ainda qualquer outro erro ou heresia, tem um enorme potencial de causar confusão e briga entre os crentes e dividir a igreja, criando fanatismo.
Se a tal pessoa algum dia esteve ou ainda está bem posicionada na hierarquia da igreja, o fenômeno é multiplicado exponencialmente. A voz do doente poderá ser confundida com a voz da igreja ou do próprio Deus, e o problema pode se tornar muito complexo de ser avaliado ou resolvido.
Não estou sugerindo que aqueles que discordam de mim nas questões hermenêuticas em torno do perfeccionismo ou da doutrina da Trindade são doentes. Não! Podemos discutir tudo isso. Mas tenho certeza absoluta que alguns hereges são realmente doentes, e sua incapacidade de avaliar os argumentos contrários à sua visão se deve a um estado mental debilitado e desequilibrado.
Por isso, precisamos estar atentos à essas questões no sentido de evitar, pelo menos, dois problemas principais.
1) Devemos evitar de interpretarmos os problemas mentais de certas pessoas como se tais problemas fossem provas de que a igreja, em si, não consegue interpretar a Bíblia de forma verdadeira. Isso não é verdade. Um doente pode bater o pé contra uma interpretação da igreja por sua vida toda, mas isso não é prova de que a igreja está errada no ponto em questão. Basta avaliar honestamente se a mensagem em questão é realmente bíblica ou não, e não se todos no mundo concordam a seu respeito.
2) Devemos evitar de perdermos tempo precioso em discussões doutrinárias com aqueles que, na verdade, precisam é de ajuda psicológica, pois nesse caso estaremos gastando nossa energia com foco equivocado e tentaremos resolver um problema impossível de ser solucionado por esse método.
Com tristeza,
Pr. Ezequiel Gomes

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segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Eu quero a minha igreja de volta! (Pr. Ezequiel Gomes)

Não vos lembreis das coisas passadas, nem considereis as antigas.
Eis que faço coisa nova... (Isaías 43:18-19)

Esse sermão refere-se à questões que inquietam a Igreja Adventista do Sétimo Dia em função da necessidade de pregar às novas gerações sem ser infiel à sua mensagem tradicional. Espero que esse material seja uma bênção na edificação do corpo de Cristo para todos que a assistirem!



Graça e Paz!

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sábado, 2 de janeiro de 2016

O que fazer enquanto o sensacionalismo se alastra?

...que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro. (Efésios 4:14)

Uma das acepções do termo sensacionalismo é a de definir o envolvimento de pessoas em “divulgar notícias exageradas e/ou que causem sensações” igualmente exageradas (Dicionário Michaelis). O poder das várias redes sociais às quais as pessoas estão expostas e conectadas na atualidade serve como veículo perfeito para a propagação rápida e ampla de tais notícias. O fenômeno corresponde a muitos setores da sociedade que terminam formando blocos mais ou menos homogêneos em torno da divulgação de interesses e ideologias em comum. Variadas questões políticas, sociais e também religiosas encontram expressão sensacionalista e são comumente divulgadas em diferentes formatos e com variados graus de alcance em potencial entre diferentes grupos.

Entre os adventistas do sétimo dia, quando o sensacionalismo se manifesta, ele o faz principalmente em dois formatos: aqueles que representam versões mais ou menos populares da fé adventista dirigidas para fora da igreja (e.g. notícias sobre pretensos bastidores atuais em torno do “decreto dominical”; ou sobre o papel do Papa Francisco no ecumenismo; etc.) e expressões de compreensões individuais polêmicas no contexto da igreja usadas para exacerbar possíveis divisões internas entre os crentes (e.g. notícias sobre uma pretensa infiltração de jesuítas nos altos escalões administrativos ou teológicos da IASD; acusações de heresia em torno de desenvolvimentos teológicos variados pelos quais a igreja passou nas últimas décadas; etc.).

A igreja forma um grupo social de interesses em comum e é impossível limitar a predileção de todos os seus membros por temas abordados de formas mais sensatas ou equilibradas em relação às suas formulações sensacionalistas e, além disso, a simples capacidade de diferenciar uma coisa da outra implica numa educação de qualidade mínima em hermenêutica bíblica, dentre outras matérias essenciais como cosmovisão e apologética, coisa dificilmente implantada na cultura da igreja de forma geral. Se incluirmos nessa problemática o fato de que mesmo alguns ministros e leigos bem educados também manifestam tendências sensacionalistas inequívocas, percebemos que estamos diante de um fenômeno espiritual, psicológico e sociológico complexo que não será fácil ou rapidamente resolvido.

O que é “sensacional” chama naturalmente a atenção, gerando engajamento e reações variadas por parte das pessoas, podendo gerar fama e lucro dento de um grupo, mas nem todos os cristãos conseguem avaliar as origens ou tendências perigosas do sensacionalismo sob um prisma razoável ou bíblico. A urgência impressa numa forma radical e contundente de ler a realidade da igreja, aliada à excitação de preconceitos e temores espirituais na direção de que indivíduos e famílias da igreja estariam com sua própria salvação em risco em função da mera existência de certos elementos humanos ou teóricos na administração ou na teologia da igreja, gera um clima de fanatismo travestido de senso de fidelidade a Deus e cria conflito amargo entre personalidades e ideias diferentes.

Quando o sensacionalismo se instala numa comunidade, facilmente a Palavra de Deus se torna secundária e submetida a interesses e entendimentos teológicos específicos. Por exemplo, o radicalismo de pessoas que estão totalmente dispostas a defender a apostasia da igreja em função de pretensos “estilos musicais mundanos” com “ritmos satânicos”, facilmente ignora o silêncio absoluto da Bíblia sobre tais assuntos específicos (estilo musical, ritmo), e ainda distorce aquilo que está revelado em torno dos instrumentos musicais permitidos na adoração a Deus na tentativa de tornar sua compreensão plausível e minimamente bíblica (cf. 1 Sm 10:5-6; Sm 81:2; 150:4). A disposição em propagar teorias que terminam por minar ou atrasar o desenvolvimento administrativo e teológico da igreja, baseadas unicamente em supostas infiltrações de sociedades “secretas” (que presumivelmente já deixaram de ser secretas pelo simples advento do fenômeno “Google”), demonstra dificuldade em abordar as questões da administração e da teologia da igreja de forma profissional, bíblica, acadêmica e, sobretudo, espiritual (Lc 6:31; At 17:30; 1 Tm 5:19; Ap 2:24; 22:18-19). Expor essas dificuldades em determinados tempos e de determinadas formas pode ser tarefa ingrata e complicada pelo potencial de excitar mais ainda os assuntos assim desmascarados, por isso, precisamos de sabedoria do alto sobre quando falar e quando calar (Ec 3:7).


Por fim, enquanto o sensacionalismo avança como resultado da obra de Satanás, da natureza pecaminosa humana e do potencial tecnológico contemporâneo, devemos nos dedicar à edificação da igreja naqueles pontos que Paulo indicou a Timóteo: “leitura, exortação e ensino” (1 Tm 4:13). Buscar entendimento sobre as amplas realidades do mundo, bem como das múltiplas origens e modos de operação dos sensacionalistas em geral a fim de atingir seus objetivos. Desenvolver discernimento sobre os assuntos que geram polêmicas dentro da igreja e se empenhar no esclarecimento dos cristãos através do ensinamento bíblico de qualidade é o que nos resta na luta contra todo “vento de doutrina” surgido da “artimanha dos homens” que por sua astúcia “induzem ao erro” (Ef 4:14).
Graça e Paz

Saibam mais...
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