O caminho para a vida é de quem guarda o ensino, mas o que abandona a repreensão anda errado.
(Provérbios 10:17)
Há algum tempo atrás, tive um problema pessoal que me
levou ao consultório psicológico. Após os benefícios iniciais do tratamento me
interessei pela área da psicologia e adquiri bastante literatura para tentar
entender melhor aquilo que afligia a mim e a outras pessoas ao meu redor.
Dentre vários livros, comprei um dos melhores materiais
disponíveis no mercado editorial brasileiro sobre a depressão, dos autores
Aaron Becker e Bred Alford (Depressão: causas e tratamento, 2ª edição, editora:
artmed, 2011). Iniciei a leitura. Foi algo extremamente revelador para o
problema que eu estava passando.
Eu simplesmente devorei o livro, grifando várias e várias
páginas. Hoje, depois de um bom tempo, folheando esse livro, achei uma parte
que eu havia grifado quando o li...
"Nos estágios mais graves [da depressão], os
pacientes têm dificuldades até para considerar a possibilidade de que suas
ideias ou interpretações talvez sejam errôneas. Eles acham difícil ou
impossível considerar evidências contrárias [às suas ideias] ou explicações
alternativas" (BECKER; ALFORD, 2011, p. 221)
Já superei o problema pessoal que me fez ler esse livro,
mas percebo que esse assunto precisa ser tratado para além das questões
pessoais e deve nos conduzir a pensar um pouquinho na psicologia da religião e
sua relação com a interpretação bíblica (hermenêutica).
Imagine uma pessoa depressiva que, porventura, é uma
intérprete da Bíblia ou pregadora do Evangelho. Imagine que essa pessoa tenha
seu quadro de saúde mental agravado por problemas pessoais. Naturalmente,
conforme o texto diz, em estágios graves da doença, a pessoa se apegará às suas
ideias e interpretações da Bíblia de forma tenaz e será muito difícil ou talvez
impossível fazer ela avaliar posições contrárias às dela. Se tal pessoa tiver
interpretado e pregado o Evangelho corretamente, os problemas podem ser
menores, mas se tal pessoa aceitou como verdade divina aquilo que é
simplesmente ideia humana, ou heresia satânica a questão pode se tornar
tenebrosa.
E isso é perturbador.
Quem sabe essa situação possa nos ajudar a explicarmos
parte de um fenômeno cada vez mais recorrente nas redes sociais em torno das
questões religiosas, a dificuldade de algumas pessoas em dar o braço a torcer
independentemente da natureza dos questionamentos e refutações que um
ensinamento seu venha a precisar encarar.
Há hoje, inúmeros grupos de pessoas reunidas em torno de
líderes que, como porta vozes de tais grupos, pregam todo tipo de coisas
diferentes entre si. Há quem garanta, acime de tudo, que tal tendência é
basicamente o cumprimento profético de 2 Timóteo 4:3... Realmente isso é
verdade, mas o que me interessa aqui é que o potencial de uma doença mental
adicionada a esse fenômeno é muito grande.
Não estou sugerindo que cada caso de porta voz de ideias
religiosas "diferentes" é um doente mental que atrai e dá voz a um
bando de outros doentes mentais, nada é tão simples, mas isso pode ocorrer e
creio que, de fato, isso ocorre mais corriqueiramente do que a maioria percebe.
Sou líder da igreja já há alguns anos, e nesses anos
estive em debates e confrontos com muitos erros doutrinários. Problemas
sobretudo com o perfeccionismo, mas também com a doutrina da Trindade e
extremismos nas questões de estilo de vida. Esses embates me ensinaram muita
coisa sobre as pessoas e sobre a igreja de forma geral.
Dentre essas coisas, aprendi que muitas vezes pouco ou
nada importa às pessoas a força da argumentação em função da revelação bíblica
ou da obra de EGW, o que realmente importa na maioria das vezes é a função
social que uma doutrina (mesmo errônea) cria em um grupo e a força que tal
doutrina tem em em dar sentido à vida e à "missão" da pessoa.
Uma pessoa doente mentalmente que, por alguma razão, se
torne convencida de que sua missão no mundo é salvar a igreja implantando nela
o perfeccionismo, o antitrinitarianismo ou o extremismo ou ainda qualquer outro
erro ou heresia, tem um enorme potencial de causar confusão e briga entre os
crentes e dividir a igreja, criando fanatismo.
Se a tal pessoa algum dia esteve ou ainda está bem
posicionada na hierarquia da igreja, o fenômeno é multiplicado
exponencialmente. A voz do doente poderá ser confundida com a voz da igreja ou
do próprio Deus, e o problema pode se tornar muito complexo de ser avaliado ou
resolvido.
Não estou sugerindo que aqueles que discordam de mim nas
questões hermenêuticas em torno do perfeccionismo ou da doutrina da Trindade
são doentes. Não! Podemos discutir tudo isso. Mas tenho certeza absoluta que
alguns hereges são realmente doentes, e sua incapacidade de avaliar os
argumentos contrários à sua visão se deve a um estado mental debilitado e
desequilibrado.
Por isso, precisamos estar atentos à essas questões no
sentido de evitar, pelo menos, dois problemas principais.
1) Devemos evitar de interpretarmos os problemas mentais
de certas pessoas como se tais problemas fossem provas de que a igreja, em si,
não consegue interpretar a Bíblia de forma verdadeira. Isso não é verdade. Um
doente pode bater o pé contra uma interpretação da igreja por sua vida toda,
mas isso não é prova de que a igreja está errada no ponto em questão. Basta
avaliar honestamente se a mensagem em questão é realmente bíblica ou não, e não
se todos no mundo concordam a seu respeito.
2) Devemos evitar de perdermos tempo precioso em
discussões doutrinárias com aqueles que, na verdade, precisam é de ajuda
psicológica, pois nesse caso estaremos gastando nossa energia com foco
equivocado e tentaremos resolver um problema impossível de ser solucionado por
esse método.
Com tristeza,
Pr. Ezequiel Gomes
Pr. Ezequiel Gomes
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