Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó; homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desviava do mal.
Jó 1:1
Quando nos aproximamos do estudo do livro de Jó podemos ter certeza de estarmos entrando num campo fascinante na investigação do registro sagrado. O livro de Jó é um do mais belos e complicados de toda a Palavra de Deus por várias características singulares.
Nesse post trago um artigo de Lael O. Caeser, professor de religião associado na universidade Andrews e Doutor em Hebraico e estudos semíticos pela universidade de Wisconsin, Madison. Nesse artigo o Dr. Caeser explora a figura de Jó, especialmente seu caráter, em paralelo com o grupo dos 144 mil de Apocalipse 14. Desejo que esse material seja amplamente estudado e aprofundado por todos aqueles que entendem a importância dos tempos em que vivemos e exercem o privilégio de estudar a Bíblia com profundidade!
Para ter acesso ao artigo apenas clique no link "Mais informações" logo abaixo.
Graça e Paz!!!
Jó como um paradigma para o Escaton.
Lael
O. Caeser
Universidade
Andrews.
O
décimo quarto capítulo do livro do Apocalipse descreve uma companhia em pé no
monte Sião trazendo em suas consciências o selo permanente da divindade (Ap
14:1-5; cf. Ez 9:4; Ef 4:30). Os membros desse grupo são notáveis pela
castidade de sua conduta (v. 4) e inculpabilidade de seu discurso (v. 5). Sua
pureza provê o testemunho último da justiça de Deus e da eficácia da Graça de
Cristo. Esse memorável retrato apocalíptico daqueles que foram comprados pelo
céu dentre a raça humana (v. 4) soa como um distinto eco do retrato já presente
no Antigo Testamento sobre a santidade primeiramente encontrada no caráter de
Jó, perfeito, justo, temente a Deus e que se desviava do mal (Jó 1:1). O presente
ensaio reflexiona sobre uma possível relação entre vários temas do livro de Jó:
a integridade de Jó, a revelação de Elifaz, a aparição de YHWH, o caráter do
Leviatã, a retratação de Jó e a companhia virginal de Apocalipse 14. Os temas
do livro de Jó que mencionei não são discutidos convencionalmente no contexto
das últimas coisas. Sua análise não incluirá uma tentativa de se resolver todas
as questões sobre o modo e o tempo da parousia, o caráter e agenda do
Anticristo, a batalha do Armagedom ou do juízo final. Contudo, esse estudo é
uma tentativa de estimular a discussão caso uma leitura paradigmática do
caráter de Jó pode ser vista apropriadamente como um tipo dos cento e quarenta
e quatro mil do Apocalipse. Eu levanto essa questão porque aquilo que é dito da
companhia é primariamente dito sobre Jó, pois no fim de sua prova eles têm
lábios inculpáveis, de forma que, de uma maneira única,
eles são exemplos representativos de Deus (Jó 1:22; 2:10; 42:7-9; Ap 14:5).
Um
retrato do caráter em Jó
O
livro de Jó oferece comentários sobre uma série de contrastes: entre
integridade e covardia (comprometimento [no aspecto negativo, nota do tradutor]
e incompetência), entre justiça e poder, entre independência e submissão, entre
sabedoria e tradição, entre lealdade e preservação própria, entre honestidade e
racionalização. Os próprios interlocutores se preocupam com essas dicotomias,
definem a si mesmos, e são definidos, por suas atitudes diante desses valores e
de suas antíteses.[1]
Como padrão dentre os valores considerados no livro está a virtude da
integridade. Essa é a base, antes de tudo, para a introdução do principal
interlocutor humano do livro (1:1). Adiante, em conexão com outras virtudes,
ela justifica a repetida celebração divina de seu caráter (1:8; 2:3). Ela
inspira o abuso do adversário e o insulto da esposa e, no fim, atrai retumbante
vindicação. Extrações das afirmações definitivas do livro sobre esse assunto
são, simultaneamente, extrações da caracterização feita pelo autor sobre Jó,
aquele que leva o nome do livro. A integridade descreve tanto a sua conduta
quanto o alicerce da sua estrutura de pensamento. Por razões ainda a serem
citadas, todos os personagens do livro podem ser vistos como definidos por sua
relação com ele, como a paradoxal personificação desta virtude.
Jó
e Integridade
Jó,
o protótipo ideal do livro, íntegro e reto (1:1, 8; 2:3) de acordo com Deus e
com o narrador, deve ser conhecido, acima de tudo, como um homem de integridade
(tummâ-2:3, 9; 27:5; 31:6). O autor o
apresenta como o único homem de integridade do livro, um homem que demonstra
(displays) “de uma forma vívida e inesquecível o que significa ser um homem de
integridade.”[2]
Robert W. E. Forrest considera que a palavra também faz referência à “inteireza
física de Jó, ou integridade corporal, que Satanás constantemente ataca.”[3]
Dada esta visão, o objetivo do adversário aparentemente seria de diminuir a
integridade moral de Jó através da violação da sua integridade física. Albert
Cook vê essa integridade, e especialmente a inteireza moral de Jó, como “algo
de preocupação comum tanto para a parte da prosa quanto da poesia em sua [do
livro] unidade justaposta, e central ao homem [Jó] no centro de ambas....”[4]
Em
contraste com Cook, Paul Weiss insiste que na troca (Exchange) com o acusador
(Satanás) e na prova que se segue “Deus não quer mostrar que Jó ficará firme na
bondade, virtude ou decência. Tudo que Ele quer mostrar é se Jó, privado de uam
existência privilegiada, não blasfema na face de Deus.”[5]
Mas aceitar a explicação de Weiss requer ou uma negação ou uma diminuição da
importância do termo hebraico tam. Derivado da raiz verbal tmm, usada em mais de duzentas formas e
funções no Antigo Testamento, o adjetivo fala “daquilo que é completo,
inculpável, justo, honesto, perfeito, pacífico, etc.; sendo, por isso, um
atributo ou uma atitude que reflete genuinidade ou confiabilidade.”[6] A
insinceridade manipulativa implícita na explicação de Weiss é incompatível com
esse entendimento.[7]
O
termo tam, descritivo da perfeição de Jó, a partir do contexto
(outset), é de uso limitado na Bíblia, mas de uma ampla gama de significados. Sete
de suas quinze ocorrências bíblicas aparecem em Jó.[8]
Ele é entendido como significando inculpável, inocente, sincero, quieto,
pacífico, piedoso, puro ou saudável,[9]
suas aplicações contrastantes incluem a amante de Salomão, sua “imaculada” em
(Ct 5:2; 6:9), e Jacó, “o homem pacífico que habitava em tendas” (Gn 25:27).[10]
Jacó,
o último desses três exemplos, pode captar mais a nossa atenção, pois nos
lembramos dele como o enganador por excelência/essência. Como ele poderia ser tam,
se tam
é um explicativo da perfeição de Jó? Ou é o caminho inverso e devemos nos lembrar
de Jó também como um enganador? A resposta a essa desafio duplo parece estar em
uma comparação entre pelo menos três ambientes onde esse termo é usado, a
saber, 1) a aplicação geral, 2) a aplicação a Jacó, e 3) a aplicação a Jó.
Tam:
três significados
Tam: Aplicação geral: Dois aspectos da aplicação geral
lançam uma luz significativa sobre o correto entendimento de yasar.
Um desses usos, já notado, está relacionado ao retrato idealizado feito por
Salomão a respeito de uma mulher que ele contempla através dos olhos rosados do
amor. Ela é, obviamente, perfeita, como expresso no cântico (the economious of
Cant) 4:1-5, 12-15; e 7:1-9 deixam claro, um uso relacionada à aplicação de
Forrest sobre tam como significando inteireza física.[11] A
frequente combinação do adjetivo tam com um segundo, yasar,
também deve ser instrutiva como um regra geral de interpretação para o primeiro
adjetivo. Um terço de todas as ocorrências de tam é acompanhada de yasar
(Jó 1:1, 8; 2:3; Sl 37:37; Pv 29:10). A interpretação de yasar não está exposta à
mesma ambiguidade potencial aplicada ao termo tam.Yasar significa “reto,
nível, justo, correto.”[12]
Deus criou o homem “yasar” (Ec 7:29); Ele mesmo é “yasar,” uma vez que na
explicação do paralelismo antitético “não há injustiça nele” (Sl 92:15).
Especialmente porque tam não é usado para Deus, essa elaboração,
que comenta as ocorrências em paralelo com yasar assume maior significado
interpretativo.[13]
Tam: Aplicação a Jacó: Com respeito a Jacó, o termo tam
contrasta com a descrição de Esaú, o irmão de Jacó. Em Gen 25:27 a frase
“perito caçador”, aplicada a Esaú, evoca a imagem (compelling) de um dos
primeiros e maiores rebeldes contra Deus, Nimrod, “poderoso caçador diante do
Senhor” (Gn 10:9). Como oposto temperamental e espiritual de seu irmão gêmeo
primogênito, Jacó, o que habitava em tendas, desenvolve e exibe (kinship) com o
feminino, enquanto Esaú, o “macho man” do campo desenvolve (kinship) com o
masculino (Gn 25:28). Esaú é reconhecido como o descendente moral de Nimrod.
Jacó é tam. Retornarei para maior elaboração sobre este segundo uso do
termo depois de fazer alguns comentários sobre a terceira aplicação.
Tam:
Aplicação a Jó:A terceira área de análise, que diz respeito ao uso do termo em
relação a Jó, deixa pouco espaço para disputas. Três das combinações entre tam
e yasar
descrevem-no (Jó 1:1, 8; 2:3). Duas dessas ocorrências acontecem como
expressões de orgulho de Deus por seu próprio servo (1:8; 2:3), sugerindo que tam
pode significar virtude tal como um tesouro da divindade, uma virtude (deemed)
tão (commendable) que Deus se atreve a confiadamente exibir seu possuidor
diante de seu adversário. À parte da voz do narrador (1:1) é o próprio Deus que
primeiramente expressa e depois repete que Jó é tam (1:8; 2:3).
Novamente, apesar da esposa de Jó não manter nenhuma posição destaca no drama,
não deve ser ignorado que é ela, sua mais íntima testemunha humana, quem segue
a Deus em confirmar seu testemunho sobre o caráter de Jó (2:9). Admitidamente,
a bondade de Jó é significativamente irritante para ela. Como ela mesma afirma,
ela pode ser ouvida simultaneamente ventilando raiva sobre ele, em sua própria
confusão sobre o sofrimento dele, e por ele continuar a ser tal, alguém que se
apega à sua integridade (2:9).[14]
Mas Jó não será abalado. Ele assevera em resposta que jamais desistirá de sua
integridade (27:5) e conclui que Deus sabe ser ele um homem de integridade
(31:6).
O
termo tam não é usado de outra maneira no livro de Jó. Por Deus, pela
esposa frustrada, por ele mesmo (inclusive sob juramento – Capítulo 31), Jó é
estabelecido como tam. Nenhum dos personagens acima citados jamais questiona esse
fato. Quando bem mais tarde Beldade afirma isso (8:20), efetivamente ele
aumenta a sua credibilidade.
Integridade
como possibilidade de aperfeiçoamento
As elaborações mencionadas acima a
respeito de tam convidam um embargo maior sobre a questão da integridade de
Jó. A preocupação da prosa narrativa, da afirmação divina, da afirmação da
esposa e da convicção pessoal poder parecer apoiar a conclusão de que tam
em Jó é um sinônimo de virtude absoluta ou infinita. Mas, todavia, esse não é o
caso. As aclamações das quais ele é recipiente não se amontoam em uma descrição
do caráter de Jó como sendo aquele de uma deidade idealizada. A afirmação final
de Jó sobre seu arrependimento não permite isso (42:6). Essa afirmação tem sido
o foco de considerável controvérsia. As interpretações vão desde uma expressão
de arrependimento “no pó e na cinza” até o grito de indignação que John Briggs
Curtis escuta como ‘Óh eu sinto muito como um homem efêmero’[15].
Similar à posição de Curtis é a afirmação de Marvin Pope, “Portanto eu desprezo
minhas palavras, e me retrato a respeito da humanidade.”[16]
Pope traduz desta forma “eu me retrato” por que para ele o verbo m’s
não é usado para auto depreciação e, portanto, não poderia significar “eu me
abomino”[17]
como na ARA [Almeida revista e atualizada, nota do tradutor]. O entendimento
semelhante de William L. Holladay traduz “rejeição das palavras anteriores.”
Holladay inclui o sentido “rejeitar” em sua definição de m’s, assim também o faz
Francis Brown.[18]
Ludwig Koehler e Walter Baumgartner aceitam “desprezo/abomino” como um sentido
do verbo, apesar de explicarem 42:6 como “rejeito” ou “retrato.”[19]
Essa pesquisa sobre a variedade de
opiniões sobre a tradução apropriada de Jó 42:6 provê demonstração efetiva do
crescimento de Jó desde o prólogo até o epílogo. Ambas as interpretações
contrastantes quanto à raiva sobre a insensibilidade divina ou à humilde
submissão diante da sábia onipotência mostram Jó se agarrando a uma posição que
ele vigorosamente manteve a maior parte do diálogo. James Crenshaw se refere à
concessão em 42:6 como “uma rajada de questões duvidosas em um crescendo de
louvor,” uma “resposta masoquista (...) tão comum no mundo judaico cristão” que
confirma para ele, a disjunção entre a poesia e a prosa do livro de Jó.[20] O
fato de que o consenso da erudição sobre Jó agora aceitar o livro como um todo
unificado[21]
não diminui a validade da perspectiva de Crenshaw de que as palavras de 42:6
expressa uma prostração diante da Divindade que radicalmente difere daquilo que
vem antes disso. Jó não é uma divindade, ele é claramente aperfeiçoável. Caso a
linguagem do arrependimento esteja presente ou não, os comentaristas admitem
que o drama foi para Jó uma grande experiência de aprendizado. Como Matitiahu
Tsevat aponta, “o herói, precisamente por causa da sua ignorância [do diálogo
celestial], experimentará problemas e ganhará perspectivas diante das quais
nosso conhecimento superior empalidece.”[22]
R. A. F. MacKenzie, em “a transformação de Jó”[23]
fala de maneira semelhante: “não é correto afirmar que o herói é colocado em
teste severo que ele tem sucesso em transpor plenamente e, após o qual, ele
encontra a si mesmo da mesma forma como antes ... Ele não é o mesmo homem no
fim do livro como foi no começo do livro.”[24]
A última citação indica que se Jó é tam,
isso não quer dizer que não havia mais espaço para o seu crescimento. Por outro
lado, nenhuma conexão putativa precisa ser feita entre o tam da adolescência de
Jacó e os enganos de seus anos posteriores. Mais provavelmente, Genêss 25:27-28
provê ao leitor com uma explicação do porquê ou como a briga pelo direito de
primogenitura se torna tal causa célebre.
Uma elaboração sobre a passagem à luz de tam como aplicado a Jó nos permite
reconhecer na desafetada inocência de Jacó,[25] a
timidez de um banana diante da força das agressões de Esaú; O tam
de Jacó é a inconsciência de uma ingenuidade diante da astúcia de Esaú, o
caçador; é a humildade de um pastor ao invés da excitação do perseguidor; a
vulnerabilidade do menino da mamãe diante do capricho de um valentão. O desprezo
de Esaú por Jacó bem pode incluir para sua gentileza, a própria virtude que, em
si mesma e em suas conseqüências, torna-o querido à sua mãe. Ela pode ver, em
seus traços, que o oráculo estava certo em preferi-lo (como ela o entendeu, Gn
25:23). Seus instintos foram despertados, ela se tornou uma guerreira sagrada,
determinada, contra todas as probabilidades, a assegurar o futuro de seu filho
manso e quieto.
Integridade
como compromisso radical com Deus
Ser
tam,
portanto, não é ser sem falhas. Pois Jacó, com ou sem Rebeca, exibe falhas grosseiras.
Mas elas não negam a verdade de Gênesis 25:27. Elas enfatizam o completo tecido
de realidade que é o caráter humano. Integridade em Jacó, lida como traços de
caráter desejáveis, nos capacitam a apreciar o quadro finito, mas ainda mas
admirável, da integridade em Jó. Ser tam, como Jó foi, é decidir fazer
somente o bem, aconteça o que acontecer. A palavra tam não é usada para mais
ninguém e por nenhuma outra razão no livro a não ser para Jó. E há uma boa
razão pela qual ela não deveria ser. Pois nenhum outro exibe o compromisso espiritual
inalterado para o qual esse termo aponta.
Ainda assim, não obstante a
integridade, uma pergunta permanece para ser respondida. Como o Jó que se
retrata está relacionado à companhia redimida de Apocalipse 14? E o que essa
retratação significa à luz da integridade? A resposta a essas interrogações estão
todas relacionadas diretamente com a teofania, o contexto imediato da dramática
rendição de Jó.
O Papel da Teofania em Jó
A confrontação em Jó à luz da
Teofania. De acordo com John Day, o arrependimento de Jó
resulta do vir a reconhecer que somente Deus é dono (and wields mastery) sobre
os poderosos Behemote e Leviatã:[26]
“O conflito ente Deus e o dragão provê um aparente (apt) paralelo ao tema do
conflito de Jó com Deus no livro.”[27] O
remark de Day, apresentando Deus
como vingador de Jó, contrasta com a visão alternativa de Edwin e Margaret
Thiele e de John C. L. Gibson. Esses intérpretes relacionam o clímax do segundo
discurso de YHWH aos salvos do
início da história quando a provação de Jó é iniciada com um confronto entre
YHWH e o adversário do prólogo. Eles vêem uma estrutura específica e um
propósito retórico na descrição do Leviatã (40:25-41:26) como o clímax do
discurso divino final. “Na terra não tem ele igual” afirma YHWH (41:33), um
terror para todos, que não teme a ninguém, “rei sobre todos os filhos do
orgulho” (v. 34). Thiele, Thiele e Gibson aceitam essa descrição como uma
referência posterior à Satanás, o grande adversário do prólogo, cuja derrota
(conquest) o profeta e o salmista celebram em passagens como Isaías 27:1 e
Salmo 74:13-14.[28]
Gibson encontra alusões a essa ligação entre o Leviatã e o adversário do
prólogo no grande hino da reforma “castelo forte.” Note as seguintes linhas:
That ancient
prince of hell Aquele
antigo príncipe do Inferno
Hath risen with
purpose fell; Se levantou com
um propósito caído
Strong mail of craft and power Forte armadura de astúcia e poder
He weareth in this hour; Ele vestiu em sua hora;
On earth is not his fellow. Não está na terra o seu igual.
Gibson lamenta que nenhum erudito
luterano tenha sido capaz de confirmar que a sua compreensão é idêntica à
intenção de Lutero.[29]
Day acredita que as imagens
dominantes no segundo discurso divino é o que acarreta a capitulação de Jó. Mas
isso é porque ele considera o livro como uma batalha entre Deus e Jó, uma
posição que o prólogo demonstra ser duplamente imprópria: Primeiro, Jó é
claramente amigo e herói de Deus. Jó habitualmente vive sua fé e teme a Deus
que, em troca, se gaba de Jó. Segundo, o adversário é que é a fonte do repúdio
aberto ao veredicto de Deus a respeito de Jó. Como tal, a igualação do Leviatã
com o adversário mostra não somente a grandeza do seu poder, mas também por que
ele, e não Jó, deve ser visto como o verdadeiro antagonista de Deus. Nessa
visão, os discursos divinos devem ser vistos como objetivando iluminar a Jó ao
invés de destruí-lo; expor a ele mesmo o seu erro ao invés de humilhá-lo;
marcar sua finitude ao invés de condená-lo.
O
sobrenatural em Jó à luz da Teofania. A noção de que Deus não intenta
destruir Jó por sua teofania pode parecer difícil de ser aceita pelo fato de Jó
ser repreendido por Deus e parecer experimentar e aceitar uma humilhação
abjeta. A teofania também parece ser de certa forma atípica na literatura de
sabedoria, bem como na experiência humana, uma vez que nenhum desses domínios
desfruta comumente de visitações divinas que convenientemente dissolvem os
dilemas da frustração humana. Estamos, todavia, conscientes que a
irregularidade da intrusão sobrenatural não ocorre primeiramente no clímax do
livro. As primeiras cenas a respeito do concílio divino permanecem ocultos dos
olhos humanos, mas o sobrenatural invade o plano humano desde o início do
diálogo, através de uma visão ou sonho relacionado no discurso de abertura de
Elifaz.[30]
Conduzido de volta àquele discurso,
o leitor agora reconhece-o como prefigurando a auto-apresentação climática de
Deus no fim dos discursos do livro. A comparação de James E. Miller dessas duas
visitações sobrenaturais revela algumas características contrastantes: a
primeira é caracterizada por ser escondida, à noite, sua calma temerosa,
exclusividade e privacidade. A segunda, a teofania, é uma fúria pública, uma
tempestade na qual Deus se dirige não somente a Jó mas, mais tarde, e em uma
dura condenação, ao próprio Elifaz (42:7-9).[31]
Na experiência privada de Elifaz não se direciona a ele, mas ele se esforça
para escutar o que está sendo dito, É assim que como Miller ironicamente
observa, ‘mesmo Elifaz recebe mais atenção pessoal na teofania de Jó do que na
sua própria visão.”[32]
A despeito de sua indeterminação
geral, a visão de Elifaz tem um papel pivotal na história de Jó. Seu conteúdo
de torna determinante para todos os seus três discursos. Ao final do diálogo
com Jó ele se tornou a posição definitiva de todos os três amigos. A
perspectiva da visão é tão peculiar quanto inequívoca: Resumindo brevemente,
ela representa a humanidade como um objeto não confiável e de nenhuma honra
diante de Deus. “Seria, porventura, o mortal justo diante de Deus (m’lwh)? Seria, acaso, o homem puro
diante do seu Criador (m’lwh)? Eis
que Deus não confia nos seus servos e aos seus anjos atribui imperfeições (4:17-18).
Apesar da Septuaginta ler apo
ton ergon autou (“a respeito de suas obras”) ao invés de m’lwh (“diante do Seu Criador), a
afirmação de Elifaz, em geral, não está em disputa.[33] A
preposição min aqui significa “na
presença de.”[34]
Elifaz duvida que “o homem mortal possa ser justo diante de Deus,”[35] como
Jó se esforçava para ser e mesmo para que seus filhos fossem (1:1, 5). Sua
visão cínica influencia o primeiro discurso de zofar (9:7-10), e ele mesmo
insiste tanto nisso em discursos subseqüentes (15:14-16; 22:2) que o ortodoxo
Bildade finalmente se rende ao mesmo pessimismo desesperado (25:4).
Essa opinião que Deus
despreza a humanidade ilustra e explica a diferença, no espírito, entre as duas
revelações sobrenaturais em Jó: a visão descortês de Elifaz a respeito de toda
a criação humana de Deus parece contradizer tudo que Deus mesmo demonstra do
começo ao fim do livro: Nunca há nenhuma dúvida de que Ele é orgulhoso de pelo
menos um membro de sua criação. Ele se agrada de Jó (1:8; 2:3; 42:7-9). Essa
contradição patente entre as visões de Deus e Elifaz aguça o significado da
última visitação para a interpretação do desfecho do livro. Agora aparece que o
relato misterioso de Elifaz funciona como uma justificação fundamental para a
teofania: sua revelação sobrenatural informa o pensamento e os contornos das
convicções daqueles que se posicionam a favor de Deus e conta Jó durante todo o
diálogo. K. Fullerton descreve Elifaz como “uma espécie de teólogo dogmático
cujas pressuposições são tidas como revelação divina (...) e cujos olhos são,
portanto, cegos a tudo que não se encaixa em seu padrão preconcebido.”[36] Dada
a fonte da posição dele, sua posição com o servo de Deus, Jó, é apenas uma
expressão em um plano natural do confronto sobrenatural do prólogo entre Deus e
seu adversário.
Jó como um
paradigma para o Escaton
Por causa da mentira
“inspirada” de Elifaz, Deus precisa vir, mas quando Ele vem isso consiste numa
surpresa. Justificações bíblicas para a parousia são em grande medida parte
da teofania em Jó: é tentador, mas desnecessário converter a destruição
personalizada do prólogo em um tipo do caos no tempo do fim como guerras e
rumores de guerras. Mas a aparente ascendência do mal, as falsas representações
do caráter divino, a perseguição do santo Jó, seu desejo de vindicação, o
suporte sobrenatural da falsidade de Elifaz, tudo isso encontra significativos
paralelos em Mateus 24 e 25, Lucas 21, as advertências de Paulo sobre o homem
da iniqüidade em 2 Tessalonicenses 2:1-12, e a descrição das almas debaixo do
altar no quinto selo que clamam “até quando” (Ap 6:9-11). Então Deus precisa
vir para vindicar seu servo e limpar seu próprio nome.
A parousia de Deus em Jó traz juízo executivo sobre os participantes
no debate. A visão de Elifaz e os argumentos que ela inspira recebem condenação
última, enquanto o servo de Deus e o próprio caráter de Deus são vindicados em
última instância. A posição e esclarecimento de Deus, no fim, dão suporte à
afirmação inicial desse ensaio de que cada personagem do drama é definido de
acordo com sua relação com Jó, a personificação da virtude da integridade.
A teofania é o contexto
imediato da retratação de Jó. Mas é também o meio de sua vindicação e
restauração. Nossa revisão do contexto para a teofania nos preparou para
expandir a respeito de uma questão feita anteriormente. Perguntamos como o Jó
que se retrata se relaciona com os redimidos de
apocalipse 14. Mas a pergunta pode, com boas razões, ser colocada em termos
diferentes. Quais as aparentemente estranhas coincidências de humilhação e vindicação,
prostração e triunfo que Jó experimenta na teofania? E o que esse paradoxo
sugere para os santos no tempo do fim?
Essas
expansões de nossa anterior abrem espaço para uma resposta que é básica para
ambos os testamentos, consistente por toda a Escritura. Além disso, essa
resposta, notavelmente curta, aponta para a reação de Jó, o homem da
integridade, à revelação da glória divina, não constitui em nada excepcional no
registro bíblico. Cito John R. Stott:
Todos os
homens de Deus na Bíblia que tiveram um vislumbre da glória de Deus se
contraíram da visão em uma esmagadora consciência de seus próprios pecados. Moisés, a quem Deus apareceu na sarça
que queimava, mas não se consumia, ‘escondeu a sua face pois temeu olhar para
Deus’. Jó, a quem Deus falou do
redemoinho em palavras que exaltaram Sua majestade transcendente, gritou ‘eu te
conhecia só de ouvir falar, mas agora meus olhos te vêem; portanto eu me
desprezo e me arrependo no pó e na cinza.’ Isaías,
um jovem que no início da sua carreira teve uma visão de Deus como Rei de
Israel, sentado ‘num alto e sublime trono’ rodeado de anjos adoradores que
cantavam de Sua santidade e glória, disse: ‘ai de mim! Estou perdido; pois sou
um homem de impuros lábios e habito no meio de um povo de lábios impuros; e os
meus olhos viram o Rei dos exércitos’. Quando Ezequiel recebeu sua estranha
visão de criaturas viventes com asas e acima delas um trono, e no trono alguém
como um homem, revestido do brilho do fogo e do arco-íris, ele reconheceu isso
como ‘a aparência da glória do Senhor’ e acrescentou ‘quando eu o vi caí com o
rosto por terra’. Saulo de Tarso,
viajando para Damasco, irado com ódio contra os cristãos foi atingido e atirado
no chão por uma luz brilhante que brilhou do céu mais forte do que o sol ao
meio dia, e mais tarde escreveu a visão do Cristo ressurreto, ‘apareceu também
para mim’. O idoso João, exilado em
Patmos, descreve em detalhes sua visão do Cristo glorificado, cujos olhos são
como chamas de fogo e o rosto como o sol na sua força plena, e ele nos diz,
‘quando o vi me senti como morto.’ (ênfases no original)[37]
E
Stott resume: “se a cortina que vela a inefável majestade de Deus pudesse ser
afastada, nem que fosse por um momento, nós também não seríamos capazes de suportar
a visão.”[38]
À luz da
citação anterior, a integridade de Jó pode ter sido menos do que a plena
garantia para seu status peculiar. A repreensão de YHWH e a prostração de Jó já
não podem ser caracterizadas como inexplicáveis diante de uma pessoa de
integridade. Antes, elas são a medida de sua própria integridade e temor de
Deus. Como Moisés precisa obedecer quando é ordenado a tirar as sandálias dos
pés (Ex 3:5), assim também, ao que parece, Jó, aquele que teme a Deus, se
prostra quando lembrado, ‘tu não és nada além de homem, Eu Sou YHWH’. E assim como
seres glorificados velam a face para render deferência diante da presença do
Deus Todo Poderoso, também Jó e a humanidade devem se ajoelhar prostrados na
presença da glória divina. Lido através do tota
scriptura, o caráter de Jó agora parece excepcional apenas na
medida em que ele revela o mesmo milagre que a graça deseja realizar nos
redimidos de todas as eras.
Conquanto o livro de Jó possa ser sui generis [único do gênero, nota do
tradutor], o caráter de Jó, perfeito e justo, temente a Deus e que se desvia do
mal, não é. Ele é um tipo do caráter dos salvos, daqueles que conhecem a Deus. Ele
é um tipo não só de integridade, mas de temor de Deus, um tema paralelo da alta
relevância tanto em Jó quanto no apocalipse. Além das referências ao temor de
Deus/Shaddai (6:14; 15:4; 28:28; 37:24), a admiração divina é quatro vezes
emparelhada com integridade em Jó (1:1, 8-10; 2:3; 4:6). E sua relevância
definida para os santos do apocalipse (11:18; 14:7) é indisputável (ver também
15:4; 19:5). Elaborações posteriores podem nos levar além do escopo desse
artigo. Mas a coexistência e mutualidade desses termos sugerem que o retrato
feito pelo revelador em apocalipse 14:1-5 se relaciona com sua consciência do
retrato veterotestamentário a respeito do caráter de Jó. Evidentemente é seu
desejo indicar que a mesma perfeição de caráter equilibrada demonstrada a tanto
tempo atrás pelo patriarca Jó, será reproduzida no fim em um exército que
aguarda a Deus, esperando por livramento e que escondem suas faces quando Ele
aparece para lhes vindicar.
Sumário
e Discussão
O poder intelectual, o apelo artístico e
a fascinação filológica do livro de Jó têm sido objetos de milênios de
celebração. Nesse ensaio nós conectamos a narrativa do Antigo Testamento ao
retrato do fim dos tempos a respeito dos cento e quarenta e quatro mil que
estão em pé no monte Sião, aperfeiçoados. A julgar pelo tipo do Antigo
Testamento, deles é uma perfeição que, apesar de sua ausência de malícia, é
ainda aperfeiçoável. Sua ausência da
malícia é sua ausência de falha. Como Jó ilustra, ausência de falhas não quer
dizer onisciência. Para ele a teofania é uma experiência de aprendizado, como
ele livremente reconhece. Por esse mesmo reconhecimento ele demonstra a
integridade completa que é sua marca característica por todo o drama.
No estudo das últimas coisas, os temas
do juízo divino e da integridade humana estão inseparavelmente ligados. Como
uma obra que a graça realizaria, a decisão de Deus a respeito daqueles que
compõem a companhia dos redimidos é consistentemente associada com o
reconhecimento da fidelidade deles (Mt 25:14-30, especialmente os versos 21 e
23; Ap 2:8-11; 3:9-11; 6:9-17; 7:1-3, 13, 14, etc.). O juízo divino e a
integridade humana estão também muito presentes no livro de Jó. De fato, o
livro é pelo menos tão preocupado com a integridade humana como com qualquer
tema geral de maior importância associados a ele, tais como o sofrimento do inocente,
e teodicéia ou o caráter de Deus em geral. Andrew E. Steinmann talvez exagere
em seu ensaio sobre “a estrutura e mensagem do livro de Jó.”[39] A
interpretação de Steinmann se afasta da norma de várias formas. Primeiro ele
minimiza a questão do sofrimento em uma obra lembrada pela maioria por sua dor
holocáustica. Segundo, ele repudia a questão da teodicéia em um livro pela
maioria como a discussão suprema da teodicéia no Antigo Testamento. Essa
interpretação constitui em um afastamento ainda mais radical da convenção.
Finalmente, tendo descartado essas opções proeminentes, Steinmann escolhe
representar o livro de Jó como uma obra sobre integridade.
Ao invés de descartar o elemento da
justiça de Deus como Steinmann aparentemente faz, eu vejo a teodicéia como algo
diretamente relacionado ao tema que ele corretamente enfatiza, a saber,
integridade. Pois é o tema da integridade, seja humana ou divina, que serve de
germe vital para os diálogos do livro, bem como para a casus belli [o estopim/a razão da guerra, nota do tradutor] do
debate sobrenatural do livro, o próprio tema enfatizado na caracterização dos
redimidos de Apocalipse 14.[40] É
o orgulho de Deus da integridade de Jó que provoca os horrores do prólogo, bem
como as comiserações, lamentações, arengas, juramentos, humilhações e
vindicações do livro. Deus e Jó, integridade divina e humana, ficam em pé ou caem
juntos no fim da história.
Não violaremos a precaução ao afirmar
que a fidelidade de Jó provará que Deus estava certo. Nem impugnaremos a
onisciência por garantir que se Deus está errado nós saberemos disso pela falha
de Jó. Portanto, a teodicéia, a justa resolução de Deus na confrontação com o
adversário se relaciona diretamente com o confronto entre Jó e seus amigos. Pela
mesma razão, um aspecto da disposição final de Deus de recompensas, de
retribuir a cada um de acordo com aquilo que ele tiver feito (Ap 22:12),
envolve uma distinção entre campos teológicos, para alguns, assim como para Jó,
a vindicação os aguarda. Mas não para todos e muitas passagens no Novo
Testamento confirmam esse argumento, incluindo-se Mateus 7:21-23; Efésios 6:12 e
2 Tessalonicenses 2:1-12.
John A. T. Robinson disse que “cada
verdade a respeito da escatologia é ipso
facto [conseqüentemente, nota do tradutor] uma verdade a respeito de Deus.”[41]
Robinson também aponta corretamente que “todas as afirmações sobre o fim (...)
são fundamentalmente afirmações sobre Deus e vice-versa.”[42]
Em Jó, a visitação sobrenatural recebida por Elifaz constitui em um assalto
significativo sobre a integridade pela afirmação feita sobre o papel de Deus no
mundo, sua atitude diante do pecado e dos pecadores, a maneira dos seus juízos
e a natureza de sua justiça. O debate se torna em grande medida um conflito a
respeito do caráter de Deus tanto quanto sobre a integridade de Jó. Os ataques
sobre Jó da parte de seus amigos giram em torno do entendimento deles a
respeito de Deus, baseados não meramente em tradições, como afirmado
universalmente, mas baseados em uma revelação especial comunicada por seu
líder, o primeiro contribuinte do diálogo, Elifaz. E a oposição de Jó aos seus
amigos gira em torno do seu entendimento do caráter divino. Sua retratação
certamente não é designada a provar que ele deveria ter admitido ter mantido
visões distorcidas a respeito de Deus, a própria ira de Deus quanto à falsa
representação dEle torna isso muito claro (42:7-9). Nem é a retração de Jó no
epílogo a primeira vez que ele desiste. Quando em agonia Jó proclama rendição à
destruição caprichosa (9:22, ‘tanto destrói
ele o íntegro como o perverso.’), ele não se rende por estar
errado. Sua prova de que Deus é caprichoso é a sua justiça–ele está indignado
por estar atormentado em rendição a Deus apesar de ser justo (9:21).[43] Três
vezes, em três versos, ele usa o termo tam. Duas vezes ele o usa como
hipótese (‘se eu fosse justo’ ‘se eu fosse perfeito’), ansioso, ainda hesitante,
pego entre a verdade e o medo. Mas então ele corajosamente declara a mesmo como
um homem perfeito. E, por ele saber ser justo ainda que incompleto, ele mantém
que ele pode provar isso, e assim insiste que Deus destrói tanto o bom quanto o
mal.
Esses termos de perfeição (tam,
tummâ)
em Jó, quando aplicados especificamente referem-se apenas ao caráter de Jó, as
antíteses deste condição de justiça é a impiedade (rasa‘). Daí o clamor em 9:22. A despeito da escolha das palavras
por parte de Jó, a antítese bíblica de rasa‘ não é tam (perfeito), mas saddîq
(justo). E uma vez que Jó é o único que é tam, seu grito contra a destruição
indiscriminada é excepcionalmente pessoal. Por ele ser o único tam
do livro, 9:22 não deveria ser tomado como axiomático. Jó aqui argumenta que
ele, tam
ou saddîq,
e o perverso, ambos sofrem destruição da parte de Deus. É um vislumbre mais
particular do que é, às vezes, permitido a Jó, definindo o senso do leitor sobre
a ausência de culpa da parte de Jó em qualquer particular. Isso ensina a
idealização do texto a respeito da descompromissada justiça de Jó e sua
inabalável insistência sobre ela. Jó afirma sua justiça tão inflexivelmente
que, por implicação, ele prefere ir a juízo sobre a divindade ao invés de
admitir falha pessoal; ele impugnará a divindade (27:4, 5; 22:13-14) ao invés
de alterar a sua conduta. Pelo texto não nos deixar alternativa, nenhuma voz
contrária, nenhum caráter comparável, e pelo concerto de tantas vozes que
atestam isso, somos obrigados a aceitar essa definição de tam mesmo quando ela é
afirmada pelos próprios lábios de Jó. Para ele o homem que é tam
coerentemente mantém que o Deus de um universo justo saberia que ele não
merecia punição. O Deus que ele adora não infringiria sobre ele sua miséria
presente. Pois apesar de ninguém no livro poder dizer isso mais, Jó ainda sabe
que o Deus que ele conhece é um Deus de amor.
A teofania demonstra que a percepção de
Jó do caráter divino está correta. Que a correspondência temporal direta dos
seus amigos entre o sofrimento e a culpa é insustentável. Deus mesmo é tão
ultrajado quanto Jó com a grossa distorção de Seu caráter. E por causa das
ações de Deus no clímax do livro, o leitor pode entender melhor por que Jó é
tanto inflexível e submisso, ousado e temente a Deus, reconhecedor de sua
finitude e ainda assim tam. Jó pode ser inflexível, pois
seu princípio é correto. A vinda de Deus confirma isso. E ainda, Jó pode se
submeter à lição da teofania, pois ele respeita a Deus. A teofania é uma
experiência de aprendizado. Assim também será a parousia para o povo
temente a Deus, apesar de sua muita integridade, no fim da história. Julgando a
partir de Jó, o clímax do fim pode caracterizar um complexo de emoções muito
mais intrigante do que pode parecer à primeira vista: a vinda de Deus com fogo
devorador (Sl 50:3; Hb 12:29; Ap 19:11ss). O êxtase dos santos que tiverem
vencido o mundo, a carne e o diabo, que têm esperado por muito tempo por
livramento e vindicação, êxtase esse misturado com expressões de medo, “é vindo
o grande dia do Senhor, quem poderá ficar em pé?” (Ap 6:17). O glorioso,
impressionante ressoar de uma voz que é como troveja como um poderoso oceano
que reverbera na eternidade, “minha graça é tudo do que você precisa” (2 Co
12:9).
[1] Notável por sua
ausência é qualquer debate explícito sobre o amor, conquanto Jó lamente a
traição de seus amigos e experimente a perda do suporte conjugal.
[2]Albert Hofstadter, ‘That Man May Not Be Lost,’
(manuscrito não publicado), citado em Albert
Cook,
The Root of the Thing, (Bloomington & London: Indiana UP, 1968), 14.
[3] Robert W. E. Forrest, ‘The Two Faces of Job: Imagery
and Integrity in the Prologue,’ em Ascribe to the Lord: Biblical and Other
Studies in Memory of Peter C. Craigie, JSOTSup 67, Lyle Eslinger & Glen
Taylor, eds. (Sheffield: JSOT Press, 1988), 385-98, 389.
[4]
Cook, ibid.
[5] Paul Weiss, ‘God, Job, and Evil;’ em Nahum Glatzer,
ed., The Dimensions of Job: A Study & Selected Readings, (New York:
Schocken, 1969), 181-93; 182-83.
[6] J. J. Olivier, ‘tam,’ NIDOTTE 4:306-308; 306.
[7]O tratamento
feminista de David Penchansky, ‘Job’s Wife--The Satan’s Handmaid’ (National
SBL, Fall 1989), oferece uma variedade de vigorosas representações de Jó como tam.
Para Penchansky a integridade de Jó é finalmente estabelecida através do poder
do caráter de sua esposa. O desafio dela (‘amaldiçoa a Deus e morre!’) força-o
a ‘encarar a precariedade do ser humano (...) roubado de tudo (...)
experimentando a ausência no coração das coisas e a fragilidade absoluta de
todo conhecimento humano.’ Ela o libera a blasfemar e não a morrer. Neste
triunfo sobre a tradição, docilidade e temor em sua integridade. Essa visão de
integridade, mais resiliente do que aquela de Paul Weiss, não obstante,
discorda do quadro divino a respeito de Jó como falando retumbantemente sobre
ele (42:7, 8). Nem servidão nem blasfêmia estão incluídas no entendimento de
Deus sobre Jó como tam.
[8] As 15
ocorrência são: Gn 25:27; Ex 26:24, 29; Jó 1:1, 8; 2:3; 8:20; 9:20, 21, 22; Ct
5:2; 6:9. Sl 37:37; 64:4; Pv 29:10.
[10]O termo
relacionado tamim descreve Noé (Gn
6:9; v. 10 na LXX). A septuaginta traduz como teleios , “sem mancha”.
[11] Veja nota 3.
[12] Hannes Olivier, ‘yatsar’ NIDOTTE 2:563-568, 563.
[13] Na LXX amemptos
(‘yatsar’) é evidentemente sinônimo de amomos, o termo que descreve os 144.000 como inculpáveis em apocalipse
14:5. Os filipenses são encorajados a provar que Deus transformou as suas vidas
ao serem amemptoi, ‘para que vos torneis irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis
no meio dos gentios’ (2:15). Em 2 Pedro 3:14, os santos são advertidos a serem
encontrados amometoi (uma variante) na parousia.
Por ter a mesma raiz (amomos)
descreve Cristo como o cordeiro sem mancha cujo sangue adiquire nossa redenção (1 Pe 1:19), nós podemos
reconhecer conexões entre a perfeição de Jó (tam yatsar), do cordeiro pascal (tam, Ex 12:5), de corpo sacrificado de Cristo simbolizado pelo
cordeiro perfeito (amomos, 1 Pe 1:19)
e da companhia escatológica de apocalipse 14:5 (amomoi).
[14]A briga dela com
a fidelidade de Jó confirma essa fidelidade. Assim, ela serve para um propósito
significativo identificado por Uriel Simon para personagens menores que muitas
vezes funcionam ‘como meio de avaliação moral dos personagens principais’ Uriel
Simon, ‘Minor Characters in Biblical Narrative,’ JSOT 46 (1990): 11-19,
16. Além de promover a trama, esses personagens ‘tem um papel expressivo – a caracterização
indireta de um protagonista e uma avaliação implícita de seus atos.’
[15]
John Briggs Curtis, ‘On Job’s Response to Yahweh,’ JBL 98 (1979):
497-511, 505.
[16]
Marvin Pope, Job, Anchor Bible, (Garden City, NY: Doubleday, 1973), 348.
[18] William L. Holladay, A Concise Hebrew &
Aramaic Lexicon of the Old Testament (Grand
Rapids, MI: Eerdmans, 1971), s.v. m’s, I; também
Francis Brown, ed., The New Brown, Driver, &
Briggs
Hebrew & English Lexicon [BDB], (Oxford: Clarendon,
1951), s.v. ???, I.
[19] Ludwig Koehler, and Walter Baumgartner, eds., Lexicon
in Veteris Testamenti Libros [KBL], (Leiden: Brill; Grand Rapids: Eerdmans,
1958), s.v. m’s. Assim tamém [‘me rejeito’] H. van Dyke Parunak, ‘A
Semantic Survey of rhm,’ Bib 56 (1975):
512-32, 519; e [‘rejeitar’] Lester J. Kuyper, ‘The Repentance of Job,’ VT
9 (1959): 91-94, 94. Samuel Terrien, ‘Exegesis of the Book
of Job,Ó IB, 3:875-1198, 1193, traduz ‘aborreço’, mas explica que m’s é
aqui equivalente ao verbo paralelo mss, ‘fluir,’ ‘derreter;’ (veja BDB,
KBL, Holladay, s.v. m’s, II; Kember Fullerton, ‘The Original
Conclusion to the Book of Job,’ ZAW 42 (1924): 116-36, 125, crê que Jó
estava em um ‘estado de derretimento’. Gustav Holscher, Das Buch Hiob, HZAT 17, ed. Otto Eissfeldt,
(Tubingen: J. C. B. Mohr [Paul Siebeck], 1952), 98, similarmente traduz ‘dissolvido
em lágrimas’ (zerfliesse ich in Tranen), equivalente ao entendimento que
ele concede a m’s at 7:5 [veja ibid., 24]; Abraham Even-Shoshan, A
New Concordance of the Old Testament Using the Hebrew and Aramaic Text, (Jerusalem:
Kiryath Sepher, 1985), encontrou apenas um m’s, explicado como bz, l’râhbw
no tronco qal, and ntþb, hyhlzr’ no tronco nifal.
[20]James L. Crenshaw, ‘The Problem of Theodicy in Sirach:
On Human Bondage,’ em James
L. Crenshaw, ed., Theodicy in the Old Testament, Issues
in Religion and Theology, 4 (Philadelphia:
Fortress,
1983), 119-140, 129, 128.
[21] Veja particularmente Willem A. M. Beuken, ed., The
Book of Job (Leuven, 1994); também Walter
L. Michel, Job in the Light of Northwest Semitic,
vol. 1 (Rome, 1987); Norman Habel, The Book of
Job: A
Commentary (Philadelphia, 1985).
[22] Matitiahu Tsevat, The Meaning of the Book of Job,
and other Biblical Studies: Essays on the Literature and Religion of the Hebrew
Bible, (New York: Ktav, Dallas, TX: Institute for JewishStudies, 1980), 3.
[23]
R. A. F. MacKenzie, ‘The Transformation of Job,’ BTB 9 (1979): 51-57.
[24] MacKenzie, ibid., 51, 52. A linguagem de
MacKenzie é mais grandiosa às vezes: ‘Ele se tornou um homem, de forma que ele
não o era antes disso’ (ibid., 52). Mas Jó não é transformado em uma nova ordem
de ser. As lições de sua experiência não o tornam menos ou mais palpável ou
acessível à virtude ou a humanidade que ele exibe no epílogo.
[25] O significado literal de aplastos,
a palavra na LXX para tam em Gn
25:27, é ‘desafetado.’
[26] John Day, God’s Conflict with the Dragon and the
Sea: Echoes of a Canaanite Myth in the Old Testament, (Cambridge, London,
NY, New Rochelle, Melbourne, Sydney: Cambridge UP, 1985), 181.
[27]
Ibid., 49.
[28] Edwin & Margaret Thiele, Job and the Devil,
(Boise, ID: Pacific Presss, 1988), 124-129;
John C. L. Gibson, ‘On Evil in the Book of Job,’ em
Lyle Eslinger & Glen Taylor, eds., Ascribe to the Lord: Biblical &
Other Studies in Memory of Peter C. Craigie, JSOTSup 67, (Sheffield:
JSOTPress, 1988), 399-419; 415.
[29]
Gibson, ibid., n. 12.
[30] Se isso foi uma visão ou um
sonho permanece obscuro.
[31] James E. Miller, ‘The Vision of Eliphaz as Foreshadowing
in the Book of Job,’ PEGLMBS
9 (1989):
98-112, 102, 103.
[32]
Ibid., 107.
[33] A preposição min,
lida como um comparativo (AV, NIV, TOB [La Bible, traduction oecum.- nique]), produz
um sarcasmo muito amargo por sua importância inconseqüente ‘pode o homem mortal
ser mais justo do que Deus?’ Jó não buscava ser melhor do que Deus em bondade.
[34]
Nm 32:22; Jr 51:5.
[35] Francis I. Andersen, Job: An Introduction &
Commentary (Downers Grove, 1974), 114; David J. A. Clines, Job 1-20,
Word Biblical Commentary, ed. David A. Hubbard, Glenn W. Barker (Dallas, 1989),
107; Edouard Dhorme, A Commentary on the Book of Job, trans. H. H.
Rowley, com prefácio de Francis I. Andersen (Nashville, 1984), 52; Moses
Buttenweiser, The Book of Job (New York, 1922), 95, 162; assim também
LXX, NASB, NRSV. Podemos
também seguramente rejeitar a leitura de min como mþÂhw como ‘a
partir do seu Criador’, ‘onde Elifaz pode estar considerando Deus como a fonte
da justificação dos sua criaturas’. A justificação creatural é justamente
aquilo que Elifaz nega tão firmemente.
[36] K. Fullerton, ‘Double Entendre in the first Speech of
Eliphaz,’ JBL 49 (1930): 320-74, 336-337.
[37]
John R. W. Stott, Basic Christianity, 2nd ed., (Grand Rapids: Eerdmans,
1971), 72.
[38] Ibid., 73.
[39]
Andrew E. Steinmann, ‘The Structure & Message of the Book of Job’, VT (46):
85-100.
[40] Sobre a
integridade como a questão principal em Jó, veja Lael O. Caesar, ‘Job: Another
Thesis,’ VT
(49):
435-447.
[41] John A. T. Robinson, In the End God, Religious
Perspectives, ed., Ruth Nanda Anshen (New York, Evanston, & London: Harper
& Row, 1968), 47.
[42] Ibid., 22.
[43] H. H. Rowley, ‘The
Book of Job and Its Meaning,’ BJRL 41 (1958-59): ‘É (...) mais provável
que em seu pensamento Jó fora supremamente honrado [sic] por Deus, aquele Deus
que se apóia em sua infalível integridade. Nem Jó decepcionou a Deus. Pois, a
despeito de todas as suas reclamações, Jó nunca, nem por um momento se
arrepende da integridade do seu caráter’ (175).
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