quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Jó como Paradigma para o Escaton (Lael O. Caeser) - artigo teológico

Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó; homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desviava do mal.
Jó 1:1

Quando nos aproximamos do estudo do livro de Jó podemos ter certeza de estarmos entrando num campo fascinante na investigação do registro sagrado. O livro de Jó é um do mais belos e complicados de toda a Palavra de Deus por várias características singulares.
Nesse post trago um artigo de Lael O. Caeser, professor de religião associado na universidade Andrews e Doutor em Hebraico e estudos semíticos pela universidade de Wisconsin, Madison. Nesse artigo o Dr. Caeser explora a figura de Jó, especialmente seu caráter, em paralelo com o grupo dos 144 mil de Apocalipse 14. Desejo que esse material seja amplamente estudado e aprofundado por todos aqueles que entendem a importância dos tempos em que vivemos e exercem o privilégio de estudar a Bíblia com profundidade!

Para ter acesso ao artigo apenas clique no link "Mais informações" logo abaixo.

Graça e Paz!!!




Jó como um paradigma para o Escaton.
Lael O.  Caeser
Universidade Andrews.

O décimo quarto capítulo do livro do Apocalipse descreve uma companhia em pé no monte Sião trazendo em suas consciências o selo permanente da divindade (Ap 14:1-5; cf. Ez 9:4; Ef 4:30). Os membros desse grupo são notáveis pela castidade de sua conduta (v. 4) e inculpabilidade de seu discurso (v. 5). Sua pureza provê o testemunho último da justiça de Deus e da eficácia da Graça de Cristo. Esse memorável retrato apocalíptico daqueles que foram comprados pelo céu dentre a raça humana (v. 4) soa como um distinto eco do retrato já presente no Antigo Testamento sobre a santidade primeiramente encontrada no caráter de Jó, perfeito, justo, temente a Deus e que se desviava do mal (Jó 1:1). O presente ensaio reflexiona sobre uma possível relação entre vários temas do livro de Jó: a integridade de Jó, a revelação de Elifaz, a aparição de YHWH, o caráter do Leviatã, a retratação de Jó e a companhia virginal de Apocalipse 14. Os temas do livro de Jó que mencionei não são discutidos convencionalmente no contexto das últimas coisas. Sua análise não incluirá uma tentativa de se resolver todas as questões sobre o modo e o tempo da parousia, o caráter e agenda do Anticristo, a batalha do Armagedom ou do juízo final. Contudo, esse estudo é uma tentativa de estimular a discussão caso uma leitura paradigmática do caráter de Jó pode ser vista apropriadamente como um tipo dos cento e quarenta e quatro mil do Apocalipse. Eu levanto essa questão porque aquilo que é dito da companhia é primariamente dito sobre Jó, pois no fim de sua prova eles têm lábios inculpáveis, de forma que, de uma maneira única, eles são exemplos representativos de Deus (Jó 1:22; 2:10; 42:7-9; Ap 14:5).
Um retrato do caráter em Jó
O livro de Jó oferece comentários sobre uma série de contrastes: entre integridade e covardia (comprometimento [no aspecto negativo, nota do tradutor] e incompetência), entre justiça e poder, entre independência e submissão, entre sabedoria e tradição, entre lealdade e preservação própria, entre honestidade e racionalização. Os próprios interlocutores se preocupam com essas dicotomias, definem a si mesmos, e são definidos, por suas atitudes diante desses valores e de suas antíteses.[1] Como padrão dentre os valores considerados no livro está a virtude da integridade. Essa é a base, antes de tudo, para a introdução do principal interlocutor humano do livro (1:1). Adiante, em conexão com outras virtudes, ela justifica a repetida celebração divina de seu caráter (1:8; 2:3). Ela inspira o abuso do adversário e o insulto da esposa e, no fim, atrai retumbante vindicação. Extrações das afirmações definitivas do livro sobre esse assunto são, simultaneamente, extrações da caracterização feita pelo autor sobre Jó, aquele que leva o nome do livro. A integridade descreve tanto a sua conduta quanto o alicerce da sua estrutura de pensamento. Por razões ainda a serem citadas, todos os personagens do livro podem ser vistos como definidos por sua relação com ele, como a paradoxal personificação desta virtude.
Jó e Integridade
Jó, o protótipo ideal do livro, íntegro e reto (1:1, 8; 2:3) de acordo com Deus e com o narrador, deve ser conhecido, acima de tudo, como um homem de integridade (tummâ-2:3, 9; 27:5; 31:6). O autor o apresenta como o único homem de integridade do livro, um homem que demonstra (displays) “de uma forma vívida e inesquecível o que significa ser um homem de integridade.”[2] Robert W. E. Forrest considera que a palavra também faz referência à “inteireza física de Jó, ou integridade corporal, que Satanás constantemente ataca.”[3] Dada esta visão, o objetivo do adversário aparentemente seria de diminuir a integridade moral de Jó através da violação da sua integridade física. Albert Cook vê essa integridade, e especialmente a inteireza moral de Jó, como “algo de preocupação comum tanto para a parte da prosa quanto da poesia em sua [do livro] unidade justaposta, e central ao homem [Jó] no centro de ambas....”[4]
Em contraste com Cook, Paul Weiss insiste que na troca (Exchange) com o acusador (Satanás) e na prova que se segue “Deus não quer mostrar que Jó ficará firme na bondade, virtude ou decência. Tudo que Ele quer mostrar é se Jó, privado de uam existência privilegiada, não blasfema na face de Deus.”[5] Mas aceitar a explicação de Weiss requer ou uma negação ou uma diminuição da importância do termo hebraico tam. Derivado da raiz verbal tmm, usada em mais de duzentas formas e funções no Antigo Testamento, o adjetivo fala “daquilo que é completo, inculpável, justo, honesto, perfeito, pacífico, etc.; sendo, por isso, um atributo ou uma atitude que reflete genuinidade ou confiabilidade.”[6] A insinceridade manipulativa implícita na explicação de Weiss é incompatível com esse entendimento.[7]
O termo tam, descritivo da perfeição de Jó, a partir do contexto (outset), é de uso limitado na Bíblia, mas de uma ampla gama de significados. Sete de suas quinze ocorrências bíblicas aparecem em Jó.[8] Ele é entendido como significando inculpável, inocente, sincero, quieto, pacífico, piedoso, puro ou saudável,[9] suas aplicações contrastantes incluem a amante de Salomão, sua “imaculada” em (Ct 5:2; 6:9), e Jacó, “o homem pacífico que habitava em tendas” (Gn 25:27).[10]
Jacó, o último desses três exemplos, pode captar mais a nossa atenção, pois nos lembramos dele como o enganador por excelência/essência. Como ele poderia ser tam, se tam é um explicativo da perfeição de Jó? Ou é o caminho inverso e devemos nos lembrar de Jó também como um enganador? A resposta a essa desafio duplo parece estar em uma comparação entre pelo menos três ambientes onde esse termo é usado, a saber, 1) a aplicação geral, 2) a aplicação a Jacó, e 3) a aplicação a Jó.
Tam: três significados
            Tam: Aplicação geral: Dois aspectos da aplicação geral lançam uma luz significativa sobre o correto entendimento de yasar. Um desses usos, já notado, está relacionado ao retrato idealizado feito por Salomão a respeito de uma mulher que ele contempla através dos olhos rosados do amor. Ela é, obviamente, perfeita, como expresso no cântico (the economious of Cant) 4:1-5, 12-15; e 7:1-9 deixam claro, um uso relacionada à aplicação de Forrest sobre tam como significando inteireza física.[11] A frequente combinação do adjetivo tam com um segundo, yasar, também deve ser instrutiva como um regra geral de interpretação para o primeiro adjetivo. Um terço de todas as ocorrências de tam é acompanhada de yasar (Jó 1:1, 8; 2:3; Sl 37:37; Pv 29:10). A interpretação de yasar não está exposta à mesma ambiguidade potencial aplicada ao termo tam.Yasar significa “reto, nível, justo, correto.”[12] Deus criou o homem “yasar” (Ec 7:29); Ele mesmo é “yasar,” uma vez que na explicação do paralelismo antitético “não há injustiça nele” (Sl 92:15). Especialmente porque tam não é usado para Deus, essa elaboração, que comenta as ocorrências em paralelo com yasar assume maior significado interpretativo.[13]
            Tam: Aplicação a Jacó: Com respeito a Jacó, o termo tam contrasta com a descrição de Esaú, o irmão de Jacó. Em Gen 25:27 a frase “perito caçador”, aplicada a Esaú, evoca a imagem (compelling) de um dos primeiros e maiores rebeldes contra Deus, Nimrod, “poderoso caçador diante do Senhor” (Gn 10:9). Como oposto temperamental e espiritual de seu irmão gêmeo primogênito, Jacó, o que habitava em tendas, desenvolve e exibe (kinship) com o feminino, enquanto Esaú, o “macho man” do campo desenvolve (kinship) com o masculino (Gn 25:28). Esaú é reconhecido como o descendente moral de Nimrod. Jacó é tam. Retornarei para maior elaboração sobre este segundo uso do termo depois de fazer alguns comentários sobre a terceira aplicação.
Tam: Aplicação a Jó:A terceira área de análise, que diz respeito ao uso do termo em relação a Jó, deixa pouco espaço para disputas. Três das combinações entre tam e yasar descrevem-no (Jó 1:1, 8; 2:3). Duas dessas ocorrências acontecem como expressões de orgulho de Deus por seu próprio servo (1:8; 2:3), sugerindo que tam pode significar virtude tal como um tesouro da divindade, uma virtude (deemed) tão (commendable) que Deus se atreve a confiadamente exibir seu possuidor diante de seu adversário. À parte da voz do narrador (1:1) é o próprio Deus que primeiramente expressa e depois repete que Jó é tam (1:8; 2:3). Novamente, apesar da esposa de Jó não manter nenhuma posição destaca no drama, não deve ser ignorado que é ela, sua mais íntima testemunha humana, quem segue a Deus em confirmar seu testemunho sobre o caráter de Jó (2:9). Admitidamente, a bondade de Jó é significativamente irritante para ela. Como ela mesma afirma, ela pode ser ouvida simultaneamente ventilando raiva sobre ele, em sua própria confusão sobre o sofrimento dele, e por ele continuar a ser tal, alguém que se apega à sua integridade (2:9).[14] Mas Jó não será abalado. Ele assevera em resposta que jamais desistirá de sua integridade (27:5) e conclui que Deus sabe ser ele um homem de integridade (31:6).
O termo tam não é usado de outra maneira no livro de Jó. Por Deus, pela esposa frustrada, por ele mesmo (inclusive sob juramento – Capítulo 31), Jó é estabelecido como tam. Nenhum dos personagens acima citados jamais questiona esse fato. Quando bem mais tarde Beldade afirma isso (8:20), efetivamente ele aumenta a sua credibilidade.
Integridade como possibilidade de aperfeiçoamento
            As elaborações mencionadas acima a respeito de tam convidam um embargo maior sobre a questão da integridade de Jó. A preocupação da prosa narrativa, da afirmação divina, da afirmação da esposa e da convicção pessoal poder parecer apoiar a conclusão de que tam em Jó é um sinônimo de virtude absoluta ou infinita. Mas, todavia, esse não é o caso. As aclamações das quais ele é recipiente não se amontoam em uma descrição do caráter de Jó como sendo aquele de uma deidade idealizada. A afirmação final de Jó sobre seu arrependimento não permite isso (42:6). Essa afirmação tem sido o foco de considerável controvérsia. As interpretações vão desde uma expressão de arrependimento “no pó e na cinza” até o grito de indignação que John Briggs Curtis escuta como ‘Óh eu sinto muito como um homem efêmero’[15]. Similar à posição de Curtis é a afirmação de Marvin Pope, “Portanto eu desprezo minhas palavras, e me retrato a respeito da humanidade.”[16] Pope traduz desta forma “eu me retrato” por que para ele o verbo m’s não é usado para auto depreciação e, portanto, não poderia significar “eu me abomino”[17] como na ARA [Almeida revista e atualizada, nota do tradutor]. O entendimento semelhante de William L. Holladay traduz “rejeição das palavras anteriores.” Holladay inclui o sentido “rejeitar” em sua definição de m’s, assim também o faz Francis Brown.[18] Ludwig Koehler e Walter Baumgartner aceitam “desprezo/abomino” como um sentido do verbo, apesar de explicarem 42:6 como “rejeito” ou “retrato.”[19]
            Essa pesquisa sobre a variedade de opiniões sobre a tradução apropriada de Jó 42:6 provê demonstração efetiva do crescimento de Jó desde o prólogo até o epílogo. Ambas as interpretações contrastantes quanto à raiva sobre a insensibilidade divina ou à humilde submissão diante da sábia onipotência mostram Jó se agarrando a uma posição que ele vigorosamente manteve a maior parte do diálogo. James Crenshaw se refere à concessão em 42:6 como “uma rajada de questões duvidosas em um crescendo de louvor,” uma “resposta masoquista (...) tão comum no mundo judaico cristão” que confirma para ele, a disjunção entre a poesia e a prosa do livro de Jó.[20] O fato de que o consenso da erudição sobre Jó agora aceitar o livro como um todo unificado[21] não diminui a validade da perspectiva de Crenshaw de que as palavras de 42:6 expressa uma prostração diante da Divindade que radicalmente difere daquilo que vem antes disso. Jó não é uma divindade, ele é claramente aperfeiçoável. Caso a linguagem do arrependimento esteja presente ou não, os comentaristas admitem que o drama foi para Jó uma grande experiência de aprendizado. Como Matitiahu Tsevat aponta, “o herói, precisamente por causa da sua ignorância [do diálogo celestial], experimentará problemas e ganhará perspectivas diante das quais nosso conhecimento superior empalidece.”[22] R. A. F. MacKenzie, em “a transformação de Jó”[23] fala de maneira semelhante: “não é correto afirmar que o herói é colocado em teste severo que ele tem sucesso em transpor plenamente e, após o qual, ele encontra a si mesmo da mesma forma como antes ... Ele não é o mesmo homem no fim do livro como foi no começo do livro.”[24]
            A última citação indica que se Jó é tam, isso não quer dizer que não havia mais espaço para o seu crescimento. Por outro lado, nenhuma conexão putativa precisa ser feita entre o tam da adolescência de Jacó e os enganos de seus anos posteriores. Mais provavelmente, Genêss 25:27-28 provê ao leitor com uma explicação do porquê ou como a briga pelo direito de primogenitura se torna tal causa célebre. Uma elaboração sobre a passagem à luz de tam como aplicado a Jó nos permite reconhecer na desafetada inocência de Jacó,[25] a timidez de um banana diante da força das agressões de Esaú; O tam de Jacó é a inconsciência de uma ingenuidade diante da astúcia de Esaú, o caçador; é a humildade de um pastor ao invés da excitação do perseguidor; a vulnerabilidade do menino da mamãe diante do capricho de um valentão. O desprezo de Esaú por Jacó bem pode incluir para sua gentileza, a própria virtude que, em si mesma e em suas conseqüências, torna-o querido à sua mãe. Ela pode ver, em seus traços, que o oráculo estava certo em preferi-lo (como ela o entendeu, Gn 25:23). Seus instintos foram despertados, ela se tornou uma guerreira sagrada, determinada, contra todas as probabilidades, a assegurar o futuro de seu filho manso e quieto.

Integridade como compromisso radical com Deus
            Ser tam, portanto, não é ser sem falhas. Pois Jacó, com ou sem Rebeca, exibe falhas grosseiras. Mas elas não negam a verdade de Gênesis 25:27. Elas enfatizam o completo tecido de realidade que é o caráter humano. Integridade em Jacó, lida como traços de caráter desejáveis, nos capacitam a apreciar o quadro finito, mas ainda mas admirável, da integridade em Jó. Ser tam, como Jó foi, é decidir fazer somente o bem, aconteça o que acontecer. A palavra tam não é usada para mais ninguém e por nenhuma outra razão no livro a não ser para Jó. E há uma boa razão pela qual ela não deveria ser. Pois nenhum outro exibe o compromisso espiritual inalterado para o qual esse termo aponta.
            Ainda assim, não obstante a integridade, uma pergunta permanece para ser respondida. Como o Jó que se retrata está relacionado à companhia redimida de Apocalipse 14? E o que essa retratação significa à luz da integridade? A resposta a essas interrogações estão todas relacionadas diretamente com a teofania, o contexto imediato da dramática rendição de Jó.

O Papel da Teofania em Jó

            A confrontação em Jó à luz da Teofania. De acordo com John Day, o arrependimento de Jó resulta do vir a reconhecer que somente Deus é dono (and wields mastery) sobre os poderosos Behemote e Leviatã:[26] “O conflito ente Deus e o dragão provê um aparente (apt) paralelo ao tema do conflito de Jó com Deus no livro.”[27] O remark de Day, apresentando Deus como vingador de Jó, contrasta com a visão alternativa de Edwin e Margaret Thiele e de John C. L. Gibson. Esses intérpretes relacionam o clímax do segundo discurso de YHWH aos salvos do início da história quando a provação de Jó é iniciada com um confronto entre YHWH e o adversário do prólogo. Eles vêem uma estrutura específica e um propósito retórico na descrição do Leviatã (40:25-41:26) como o clímax do discurso divino final. “Na terra não tem ele igual” afirma YHWH (41:33), um terror para todos, que não teme a ninguém, “rei sobre todos os filhos do orgulho” (v. 34). Thiele, Thiele e Gibson aceitam essa descrição como uma referência posterior à Satanás, o grande adversário do prólogo, cuja derrota (conquest) o profeta e o salmista celebram em passagens como Isaías 27:1 e Salmo 74:13-14.[28] Gibson encontra alusões a essa ligação entre o Leviatã e o adversário do prólogo no grande hino da reforma “castelo forte.” Note as seguintes linhas:

That ancient prince of hell                 Aquele antigo príncipe do Inferno
Hath risen with purpose fell;             Se levantou com um propósito caído
Strong mail of craft and power         Forte armadura de astúcia e poder
He weareth in this hour;                    Ele vestiu em sua hora;
On earth is not his fellow.                 Não está na terra o seu igual.

            Gibson lamenta que nenhum erudito luterano tenha sido capaz de confirmar que a sua compreensão é idêntica à intenção de Lutero.[29]
            Day acredita que as imagens dominantes no segundo discurso divino é o que acarreta a capitulação de Jó. Mas isso é porque ele considera o livro como uma batalha entre Deus e Jó, uma posição que o prólogo demonstra ser duplamente imprópria: Primeiro, Jó é claramente amigo e herói de Deus. Jó habitualmente vive sua fé e teme a Deus que, em troca, se gaba de Jó. Segundo, o adversário é que é a fonte do repúdio aberto ao veredicto de Deus a respeito de Jó. Como tal, a igualação do Leviatã com o adversário mostra não somente a grandeza do seu poder, mas também por que ele, e não Jó, deve ser visto como o verdadeiro antagonista de Deus. Nessa visão, os discursos divinos devem ser vistos como objetivando iluminar a Jó ao invés de destruí-lo; expor a ele mesmo o seu erro ao invés de humilhá-lo; marcar sua finitude ao invés de condená-lo.

            O sobrenatural em Jó à luz da Teofania. A noção de que Deus não intenta destruir Jó por sua teofania pode parecer difícil de ser aceita pelo fato de Jó ser repreendido por Deus e parecer experimentar e aceitar uma humilhação abjeta. A teofania também parece ser de certa forma atípica na literatura de sabedoria, bem como na experiência humana, uma vez que nenhum desses domínios desfruta comumente de visitações divinas que convenientemente dissolvem os dilemas da frustração humana. Estamos, todavia, conscientes que a irregularidade da intrusão sobrenatural não ocorre primeiramente no clímax do livro. As primeiras cenas a respeito do concílio divino permanecem ocultos dos olhos humanos, mas o sobrenatural invade o plano humano desde o início do diálogo, através de uma visão ou sonho relacionado no discurso de abertura de Elifaz.[30]
            Conduzido de volta àquele discurso, o leitor agora reconhece-o como prefigurando a auto-apresentação climática de Deus no fim dos discursos do livro. A comparação de James E. Miller dessas duas visitações sobrenaturais revela algumas características contrastantes: a primeira é caracterizada por ser escondida, à noite, sua calma temerosa, exclusividade e privacidade. A segunda, a teofania, é uma fúria pública, uma tempestade na qual Deus se dirige não somente a Jó mas, mais tarde, e em uma dura condenação, ao próprio Elifaz (42:7-9).[31] Na experiência privada de Elifaz não se direciona a ele, mas ele se esforça para escutar o que está sendo dito, É assim que como Miller ironicamente observa, ‘mesmo Elifaz recebe mais atenção pessoal na teofania de Jó do que na sua própria visão.”[32]
            A despeito de sua indeterminação geral, a visão de Elifaz tem um papel pivotal na história de Jó. Seu conteúdo de torna determinante para todos os seus três discursos. Ao final do diálogo com Jó ele se tornou a posição definitiva de todos os três amigos. A perspectiva da visão é tão peculiar quanto inequívoca: Resumindo brevemente, ela representa a humanidade como um objeto não confiável e de nenhuma honra diante de Deus. “Seria, porventura, o mortal justo diante de Deus (m’lwh)? Seria, acaso, o homem puro diante do seu Criador (m’lwh)? Eis que Deus não confia nos seus servos e aos seus anjos atribui imperfeições (4:17-18).
            Apesar da Septuaginta ler apo ton ergon autou (“a respeito de suas obras”) ao invés de m’lwh (“diante do Seu Criador), a afirmação de Elifaz, em geral, não está em disputa.[33] A preposição min aqui significa “na presença de.”[34] Elifaz duvida que “o homem mortal possa ser justo diante de Deus,”[35] como Jó se esforçava para ser e mesmo para que seus filhos fossem (1:1, 5). Sua visão cínica influencia o primeiro discurso de zofar (9:7-10), e ele mesmo insiste tanto nisso em discursos subseqüentes (15:14-16; 22:2) que o ortodoxo Bildade finalmente se rende ao mesmo pessimismo desesperado (25:4).
            Essa opinião que Deus despreza a humanidade ilustra e explica a diferença, no espírito, entre as duas revelações sobrenaturais em Jó: a visão descortês de Elifaz a respeito de toda a criação humana de Deus parece contradizer tudo que Deus mesmo demonstra do começo ao fim do livro: Nunca há nenhuma dúvida de que Ele é orgulhoso de pelo menos um membro de sua criação. Ele se agrada de Jó (1:8; 2:3; 42:7-9). Essa contradição patente entre as visões de Deus e Elifaz aguça o significado da última visitação para a interpretação do desfecho do livro. Agora aparece que o relato misterioso de Elifaz funciona como uma justificação fundamental para a teofania: sua revelação sobrenatural informa o pensamento e os contornos das convicções daqueles que se posicionam a favor de Deus e conta Jó durante todo o diálogo. K. Fullerton descreve Elifaz como “uma espécie de teólogo dogmático cujas pressuposições são tidas como revelação divina (...) e cujos olhos são, portanto, cegos a tudo que não se encaixa em seu padrão preconcebido.”[36] Dada a fonte da posição dele, sua posição com o servo de Deus, Jó, é apenas uma expressão em um plano natural do confronto sobrenatural do prólogo entre Deus e seu adversário.

Jó como um paradigma para o Escaton
            Por causa da mentira “inspirada” de Elifaz, Deus precisa vir, mas quando Ele vem isso consiste numa surpresa. Justificações bíblicas para a parousia são em grande medida parte da teofania em Jó: é tentador, mas desnecessário converter a destruição personalizada do prólogo em um tipo do caos no tempo do fim como guerras e rumores de guerras. Mas a aparente ascendência do mal, as falsas representações do caráter divino, a perseguição do santo Jó, seu desejo de vindicação, o suporte sobrenatural da falsidade de Elifaz, tudo isso encontra significativos paralelos em Mateus 24 e 25, Lucas 21, as advertências de Paulo sobre o homem da iniqüidade em 2 Tessalonicenses 2:1-12, e a descrição das almas debaixo do altar no quinto selo que clamam “até quando” (Ap 6:9-11). Então Deus precisa vir para vindicar seu servo e limpar seu próprio nome.
            A parousia de Deus em Jó traz juízo executivo sobre os participantes no debate. A visão de Elifaz e os argumentos que ela inspira recebem condenação última, enquanto o servo de Deus e o próprio caráter de Deus são vindicados em última instância. A posição e esclarecimento de Deus, no fim, dão suporte à afirmação inicial desse ensaio de que cada personagem do drama é definido de acordo com sua relação com Jó, a personificação da virtude da integridade.
            A teofania é o contexto imediato da retratação de Jó. Mas é também o meio de sua vindicação e restauração. Nossa revisão do contexto para a teofania nos preparou para expandir a respeito de uma questão feita anteriormente. Perguntamos como o Jó
que se retrata se relaciona com os redimidos de apocalipse 14. Mas a pergunta pode, com boas razões, ser colocada em termos diferentes. Quais as aparentemente estranhas coincidências de humilhação e vindicação, prostração e triunfo que Jó experimenta na teofania? E o que esse paradoxo sugere para os santos no tempo do fim?
            Essas expansões de nossa anterior abrem espaço para uma resposta que é básica para ambos os testamentos, consistente por toda a Escritura. Além disso, essa resposta, notavelmente curta, aponta para a reação de Jó, o homem da integridade, à revelação da glória divina, não constitui em nada excepcional no registro bíblico. Cito John R. Stott:
Todos os homens de Deus na Bíblia que tiveram um vislumbre da glória de Deus se contraíram da visão em uma esmagadora consciência de seus próprios pecados. Moisés, a quem Deus apareceu na sarça que queimava, mas não se consumia, ‘escondeu a sua face pois temeu olhar para Deus’. , a quem Deus falou do redemoinho em palavras que exaltaram Sua majestade transcendente, gritou ‘eu te conhecia só de ouvir falar, mas agora meus olhos te vêem; portanto eu me desprezo e me arrependo no pó e na cinza.’ Isaías, um jovem que no início da sua carreira teve uma visão de Deus como Rei de Israel, sentado ‘num alto e sublime trono’ rodeado de anjos adoradores que cantavam de Sua santidade e glória, disse: ‘ai de mim! Estou perdido; pois sou um homem de impuros lábios e habito no meio de um povo de lábios impuros; e os meus olhos viram o Rei dos exércitos’. Quando Ezequiel recebeu sua estranha visão de criaturas viventes com asas e acima delas um trono, e no trono alguém como um homem, revestido do brilho do fogo e do arco-íris, ele reconheceu isso como ‘a aparência da glória do Senhor’ e acrescentou ‘quando eu o vi caí com o rosto por terra’. Saulo de Tarso, viajando para Damasco, irado com ódio contra os cristãos foi atingido e atirado no chão por uma luz brilhante que brilhou do céu mais forte do que o sol ao meio dia, e mais tarde escreveu a visão do Cristo ressurreto, ‘apareceu também para mim’. O idoso João, exilado em Patmos, descreve em detalhes sua visão do Cristo glorificado, cujos olhos são como chamas de fogo e o rosto como o sol na sua força plena, e ele nos diz, ‘quando o vi me senti como morto.’ (ênfases no original)[37]
            E Stott resume: “se a cortina que vela a inefável majestade de Deus pudesse ser afastada, nem que fosse por um momento, nós também não seríamos capazes de suportar a visão.”[38]
            À luz da citação anterior, a integridade de Jó pode ter sido menos do que a plena garantia para seu status peculiar. A repreensão de YHWH e a prostração de Jó já não podem ser caracterizadas como inexplicáveis diante de uma pessoa de integridade. Antes, elas são a medida de sua própria integridade e temor de Deus. Como Moisés precisa obedecer quando é ordenado a tirar as sandálias dos pés (Ex 3:5), assim também, ao que parece, Jó, aquele que teme a Deus, se prostra quando lembrado, ‘tu não és nada além de homem, Eu Sou YHWH’. E assim como seres glorificados velam a face para render deferência diante da presença do Deus Todo Poderoso, também Jó e a humanidade devem se ajoelhar prostrados na presença da glória divina. Lido através do tota scriptura, o caráter de Jó agora parece excepcional apenas na medida em que ele revela o mesmo milagre que a graça deseja realizar nos redimidos de todas as eras.
            Conquanto o livro de Jó possa ser sui generis [único do gênero, nota do tradutor], o caráter de Jó, perfeito e justo, temente a Deus e que se desvia do mal, não é. Ele é um tipo do caráter dos salvos, daqueles que conhecem a Deus. Ele é um tipo não só de integridade, mas de temor de Deus, um tema paralelo da alta relevância tanto em Jó quanto no apocalipse. Além das referências ao temor de Deus/Shaddai (6:14; 15:4; 28:28; 37:24), a admiração divina é quatro vezes emparelhada com integridade em Jó (1:1, 8-10; 2:3; 4:6). E sua relevância definida para os santos do apocalipse (11:18; 14:7) é indisputável (ver também 15:4; 19:5). Elaborações posteriores podem nos levar além do escopo desse artigo. Mas a coexistência e mutualidade desses termos sugerem que o retrato feito pelo revelador em apocalipse 14:1-5 se relaciona com sua consciência do retrato veterotestamentário a respeito do caráter de Jó. Evidentemente é seu desejo indicar que a mesma perfeição de caráter equilibrada demonstrada a tanto tempo atrás pelo patriarca Jó, será reproduzida no fim em um exército que aguarda a Deus, esperando por livramento e que escondem suas faces quando Ele aparece para lhes vindicar.

Sumário e Discussão
O poder intelectual, o apelo artístico e a fascinação filológica do livro de Jó têm sido objetos de milênios de celebração. Nesse ensaio nós conectamos a narrativa do Antigo Testamento ao retrato do fim dos tempos a respeito dos cento e quarenta e quatro mil que estão em pé no monte Sião, aperfeiçoados. A julgar pelo tipo do Antigo Testamento, deles é uma perfeição que, apesar de sua ausência de malícia, é ainda aperfeiçoável.  Sua ausência da malícia é sua ausência de falha. Como Jó ilustra, ausência de falhas não quer dizer onisciência. Para ele a teofania é uma experiência de aprendizado, como ele livremente reconhece. Por esse mesmo reconhecimento ele demonstra a integridade completa que é sua marca característica por todo o drama.
No estudo das últimas coisas, os temas do juízo divino e da integridade humana estão inseparavelmente ligados. Como uma obra que a graça realizaria, a decisão de Deus a respeito daqueles que compõem a companhia dos redimidos é consistentemente associada com o reconhecimento da fidelidade deles (Mt 25:14-30, especialmente os versos 21 e 23; Ap 2:8-11; 3:9-11; 6:9-17; 7:1-3, 13, 14, etc.). O juízo divino e a integridade humana estão também muito presentes no livro de Jó. De fato, o livro é pelo menos tão preocupado com a integridade humana como com qualquer tema geral de maior importância associados a ele, tais como o sofrimento do inocente, e teodicéia ou o caráter de Deus em geral. Andrew E. Steinmann talvez exagere em seu ensaio sobre “a estrutura e mensagem do livro de Jó.”[39] A interpretação de Steinmann se afasta da norma de várias formas. Primeiro ele minimiza a questão do sofrimento em uma obra lembrada pela maioria por sua dor holocáustica. Segundo, ele repudia a questão da teodicéia em um livro pela maioria como a discussão suprema da teodicéia no Antigo Testamento. Essa interpretação constitui em um afastamento ainda mais radical da convenção. Finalmente, tendo descartado essas opções proeminentes, Steinmann escolhe representar o livro de Jó como uma obra sobre integridade.
Ao invés de descartar o elemento da justiça de Deus como Steinmann aparentemente faz, eu vejo a teodicéia como algo diretamente relacionado ao tema que ele corretamente enfatiza, a saber, integridade. Pois é o tema da integridade, seja humana ou divina, que serve de germe vital para os diálogos do livro, bem como para a casus belli [o estopim/a razão da guerra, nota do tradutor] do debate sobrenatural do livro, o próprio tema enfatizado na caracterização dos redimidos de Apocalipse 14.[40] É o orgulho de Deus da integridade de Jó que provoca os horrores do prólogo, bem como as comiserações, lamentações, arengas, juramentos, humilhações e vindicações do livro. Deus e Jó, integridade divina e humana, ficam em pé ou caem juntos no fim da história.
Não violaremos a precaução ao afirmar que a fidelidade de Jó provará que Deus estava certo. Nem impugnaremos a onisciência por garantir que se Deus está errado nós saberemos disso pela falha de Jó. Portanto, a teodicéia, a justa resolução de Deus na confrontação com o adversário se relaciona diretamente com o confronto entre Jó e seus amigos. Pela mesma razão, um aspecto da disposição final de Deus de recompensas, de retribuir a cada um de acordo com aquilo que ele tiver feito (Ap 22:12), envolve uma distinção entre campos teológicos, para alguns, assim como para Jó, a vindicação os aguarda. Mas não para todos e muitas passagens no Novo Testamento confirmam esse argumento, incluindo-se Mateus 7:21-23; Efésios 6:12 e 2 Tessalonicenses 2:1-12.
John A. T. Robinson disse que “cada verdade a respeito da escatologia é ipso facto [conseqüentemente, nota do tradutor] uma verdade a respeito de Deus.”[41] Robinson também aponta corretamente que “todas as afirmações sobre o fim (...) são fundamentalmente afirmações sobre Deus e vice-versa.”[42] Em Jó, a visitação sobrenatural recebida por Elifaz constitui em um assalto significativo sobre a integridade pela afirmação feita sobre o papel de Deus no mundo, sua atitude diante do pecado e dos pecadores, a maneira dos seus juízos e a natureza de sua justiça. O debate se torna em grande medida um conflito a respeito do caráter de Deus tanto quanto sobre a integridade de Jó. Os ataques sobre Jó da parte de seus amigos giram em torno do entendimento deles a respeito de Deus, baseados não meramente em tradições, como afirmado universalmente, mas baseados em uma revelação especial comunicada por seu líder, o primeiro contribuinte do diálogo, Elifaz. E a oposição de Jó aos seus amigos gira em torno do seu entendimento do caráter divino. Sua retratação certamente não é designada a provar que ele deveria ter admitido ter mantido visões distorcidas a respeito de Deus, a própria ira de Deus quanto à falsa representação dEle torna isso muito claro (42:7-9). Nem é a retração de Jó no epílogo a primeira vez que ele desiste. Quando em agonia Jó proclama rendição à destruição caprichosa (9:22, ‘tanto destrói ele o íntegro como o perverso.’), ele não se rende por estar errado. Sua prova de que Deus é caprichoso é a sua justiça–ele está indignado por estar atormentado em rendição a Deus apesar de ser justo (9:21).[43] Três vezes, em três versos, ele usa o termo tam. Duas vezes ele o usa como hipótese (‘se eu fosse justo’ ‘se eu fosse perfeito’), ansioso, ainda hesitante, pego entre a verdade e o medo. Mas então ele corajosamente declara a mesmo como um homem perfeito. E, por ele saber ser justo ainda que incompleto, ele mantém que ele pode provar isso, e assim insiste que Deus destrói tanto o bom quanto o mal.
Esses termos de perfeição (tam, tummâ) em Jó, quando aplicados especificamente referem-se apenas ao caráter de Jó, as antíteses deste condição de justiça é a impiedade (rasa‘). Daí o clamor em 9:22. A despeito da escolha das palavras por parte de Jó, a antítese bíblica de rasa‘ não é tam (perfeito), mas saddîq (justo). E uma vez que Jó é o único que é tam, seu grito contra a destruição indiscriminada é excepcionalmente pessoal. Por ele ser o único tam do livro, 9:22 não deveria ser tomado como axiomático. Jó aqui argumenta que ele, tam ou saddîq, e o perverso, ambos sofrem destruição da parte de Deus. É um vislumbre mais particular do que é, às vezes, permitido a Jó, definindo o senso do leitor sobre a ausência de culpa da parte de Jó em qualquer particular. Isso ensina a idealização do texto a respeito da descompromissada justiça de Jó e sua inabalável insistência sobre ela. Jó afirma sua justiça tão inflexivelmente que, por implicação, ele prefere ir a juízo sobre a divindade ao invés de admitir falha pessoal; ele impugnará a divindade (27:4, 5; 22:13-14) ao invés de alterar a sua conduta. Pelo texto não nos deixar alternativa, nenhuma voz contrária, nenhum caráter comparável, e pelo concerto de tantas vozes que atestam isso, somos obrigados a aceitar essa definição de tam mesmo quando ela é afirmada pelos próprios lábios de Jó. Para ele o homem que é tam coerentemente mantém que o Deus de um universo justo saberia que ele não merecia punição. O Deus que ele adora não infringiria sobre ele sua miséria presente. Pois apesar de ninguém no livro poder dizer isso mais, Jó ainda sabe que o Deus que ele conhece é um Deus de amor.
A teofania demonstra que a percepção de Jó do caráter divino está correta. Que a correspondência temporal direta dos seus amigos entre o sofrimento e a culpa é insustentável. Deus mesmo é tão ultrajado quanto Jó com a grossa distorção de Seu caráter. E por causa das ações de Deus no clímax do livro, o leitor pode entender melhor por que Jó é tanto inflexível e submisso, ousado e temente a Deus, reconhecedor de sua finitude e ainda assim tam. Jó pode ser inflexível, pois seu princípio é correto. A vinda de Deus confirma isso. E ainda, Jó pode se submeter à lição da teofania, pois ele respeita a Deus. A teofania é uma experiência de aprendizado. Assim também será a parousia para o povo temente a Deus, apesar de sua muita integridade, no fim da história. Julgando a partir de Jó, o clímax do fim pode caracterizar um complexo de emoções muito mais intrigante do que pode parecer à primeira vista: a vinda de Deus com fogo devorador (Sl 50:3; Hb 12:29; Ap 19:11ss). O êxtase dos santos que tiverem vencido o mundo, a carne e o diabo, que têm esperado por muito tempo por livramento e vindicação, êxtase esse misturado com expressões de medo, “é vindo o grande dia do Senhor, quem poderá ficar em pé?” (Ap 6:17). O glorioso, impressionante ressoar de uma voz que é como troveja como um poderoso oceano que reverbera na eternidade, “minha graça é tudo do que você precisa” (2 Co 12:9).



[1] Notável por sua ausência é qualquer debate explícito sobre o amor, conquanto Jó lamente a traição de seus amigos e experimente a perda do suporte conjugal.
[2]Albert Hofstadter, ‘That Man May Not Be Lost,’ (manuscrito não publicado), citado em Albert
Cook, The Root of the Thing, (Bloomington & London: Indiana UP, 1968), 14.
[3] Robert W. E. Forrest, ‘The Two Faces of Job: Imagery and Integrity in the Prologue,’ em Ascribe to the Lord: Biblical and Other Studies in Memory of Peter C. Craigie, JSOTSup 67, Lyle Eslinger & Glen Taylor, eds. (Sheffield: JSOT Press, 1988), 385-98, 389.
[4] Cook, ibid.
[5] Paul Weiss, ‘God, Job, and Evil;’ em Nahum Glatzer, ed., The Dimensions of Job: A Study & Selected Readings, (New York: Schocken, 1969), 181-93; 182-83.
[6] J. J. Olivier, ‘tam, NIDOTTE 4:306-308; 306.
[7]O tratamento feminista de David Penchansky, ‘Job’s Wife--The Satan’s Handmaid’ (National SBL, Fall 1989), oferece uma variedade de vigorosas representações de Jó como tam. Para Penchansky a integridade de Jó é finalmente estabelecida através do poder do caráter de sua esposa. O desafio dela (‘amaldiçoa a Deus e morre!’) força-o a ‘encarar a precariedade do ser humano (...) roubado de tudo (...) experimentando a ausência no coração das coisas e a fragilidade absoluta de todo conhecimento humano.’ Ela o libera a blasfemar e não a morrer. Neste triunfo sobre a tradição, docilidade e temor em sua integridade. Essa visão de integridade, mais resiliente do que aquela de Paul Weiss, não obstante, discorda do quadro divino a respeito de Jó como falando retumbantemente sobre ele (42:7, 8). Nem servidão nem blasfêmia estão incluídas no entendimento de Deus sobre Jó como tam.
[8] As 15 ocorrência são: Gn 25:27; Ex 26:24, 29; Jó 1:1, 8; 2:3; 8:20; 9:20, 21, 22; Ct 5:2; 6:9. Sl 37:37; 64:4; Pv 29:10.
[9] Olivier, ibid.
[10]O termo relacionado tamim descreve Noé (Gn 6:9; v. 10 na LXX). A septuaginta traduz como teleios , “sem mancha”.
[11] Veja nota 3.
[12] Hannes Olivier, ‘yatsarNIDOTTE 2:563-568, 563.
[13] Na LXX amemptos (‘yatsar’) é evidentemente sinônimo de amomos, o termo que descreve os 144.000 como inculpáveis em apocalipse 14:5. Os filipenses são encorajados a provar que Deus transformou as suas vidas ao serem amemptoi, ‘para que vos torneis irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis no meio dos gentios’ (2:15). Em 2 Pedro 3:14, os santos são advertidos a serem encontrados amometoi (uma variante) na parousia. Por ter a mesma raiz (amomos) descreve Cristo como o cordeiro sem mancha cujo sangue adiquire  nossa redenção (1 Pe 1:19), nós podemos reconhecer conexões entre a perfeição de Jó (tam yatsar), do cordeiro pascal (tam, Ex 12:5), de corpo sacrificado de Cristo simbolizado pelo cordeiro perfeito (amomos, 1 Pe 1:19) e da companhia escatológica de apocalipse 14:5 (amomoi).
[14]A briga dela com a fidelidade de Jó confirma essa fidelidade. Assim, ela serve para um propósito significativo identificado por Uriel Simon para personagens menores que muitas vezes funcionam ‘como meio de avaliação moral dos personagens principais’ Uriel Simon, ‘Minor Characters in Biblical Narrative,’ JSOT 46 (1990): 11-19, 16. Além de promover a trama, esses personagens ‘tem um papel expressivo – a caracterização indireta de um protagonista e uma avaliação implícita de seus atos.’
[15] John Briggs Curtis, ‘On Job’s Response to Yahweh,’ JBL 98 (1979): 497-511, 505.
[16] Marvin Pope, Job, Anchor Bible, (Garden City, NY: Doubleday, 1973), 348.
[17]Ibid.
[18] William L. Holladay, A Concise Hebrew & Aramaic Lexicon of the Old Testament (Grand
Rapids, MI: Eerdmans, 1971), s.v. m’s, I; também Francis Brown, ed., The New Brown, Driver, &
Briggs Hebrew & English Lexicon [BDB], (Oxford: Clarendon, 1951), s.v. ???, I.
[19] Ludwig Koehler, and Walter Baumgartner, eds., Lexicon in Veteris Testamenti Libros [KBL], (Leiden: Brill; Grand Rapids: Eerdmans, 1958), s.v. m’s. Assim tamém [‘me rejeito’] H. van Dyke Parunak, ‘A Semantic Survey of rhm,’ Bib 56 (1975): 512-32, 519; e [‘rejeitar’] Lester J. Kuyper, ‘The Repentance of Job,’ VT 9 (1959): 91-94, 94. Samuel Terrien, ‘Exegesis of the Book of Job,Ó IB, 3:875-1198, 1193,  traduz ‘aborreço’, mas explica que m’s é aqui equivalente ao verbo paralelo mss, ‘fluir,’ ‘derreter;’ (veja BDB, KBL, Holladay, s.v. m’s, II; Kember Fullerton, ‘The Original Conclusion to the Book of Job,’ ZAW 42 (1924): 116-36, 125, crê que Jó estava em um ‘estado de derretimento’. Gustav Holscher, Das Buch Hiob, HZAT 17, ed. Otto Eissfeldt, (Tubingen: J. C. B. Mohr [Paul Siebeck], 1952), 98, similarmente traduz ‘dissolvido em lágrimas’ (zerfliesse ich in Tranen), equivalente ao entendimento que ele concede a m’s at 7:5 [veja ibid., 24]; Abraham Even-Shoshan, A New Concordance of the Old Testament Using the Hebrew and Aramaic Text, (Jerusalem: Kiryath Sepher, 1985), encontrou apenas um m’s, explicado como bz, l’râhbw no tronco qal, and ntþb, hyhlzr’ no tronco nifal.
[20]James L. Crenshaw, ‘The Problem of Theodicy in Sirach: On Human Bondage,’ em James
L. Crenshaw, ed., Theodicy in the Old Testament, Issues in Religion and Theology, 4 (Philadelphia:
Fortress, 1983), 119-140, 129, 128.
[21] Veja particularmente Willem A. M. Beuken, ed., The Book of Job (Leuven, 1994); também Walter
L. Michel, Job in the Light of Northwest Semitic, vol. 1 (Rome, 1987); Norman Habel, The Book of
Job: A Commentary (Philadelphia, 1985).
[22] Matitiahu Tsevat, The Meaning of the Book of Job, and other Biblical Studies: Essays on the Literature and Religion of the Hebrew Bible, (New York: Ktav, Dallas, TX: Institute for JewishStudies, 1980), 3.
[23] R. A. F. MacKenzie, ‘The Transformation of Job,’ BTB 9 (1979): 51-57.
[24] MacKenzie, ibid., 51, 52. A linguagem de MacKenzie é mais grandiosa às vezes: ‘Ele se tornou um homem, de forma que ele não o era antes disso’ (ibid., 52). Mas Jó não é transformado em uma nova ordem de ser. As lições de sua experiência não o tornam menos ou mais palpável ou acessível à virtude ou a humanidade que ele exibe no epílogo.
[25] O significado literal de aplastos, a  palavra na LXX para tam em Gn 25:27, é ‘desafetado.’
[26] John Day, God’s Conflict with the Dragon and the Sea: Echoes of a Canaanite Myth in the Old Testament, (Cambridge, London, NY, New Rochelle, Melbourne, Sydney: Cambridge UP, 1985), 181.
[27] Ibid., 49.
[28] Edwin & Margaret Thiele, Job and the Devil, (Boise, ID: Pacific Presss, 1988), 124-129;
John C. L. Gibson, ‘On Evil in the Book of Job,’ em Lyle Eslinger & Glen Taylor, eds., Ascribe to the Lord: Biblical & Other Studies in Memory of Peter C. Craigie, JSOTSup 67, (Sheffield: JSOTPress, 1988), 399-419; 415.
[29] Gibson, ibid., n. 12.
[30] Se isso foi uma visão ou um sonho permanece obscuro.
[31] James E. Miller, ‘The Vision of Eliphaz as Foreshadowing in the Book of Job,’ PEGLMBS
9 (1989): 98-112, 102, 103.
[32] Ibid., 107.
[33] A preposição min, lida como um comparativo (AV, NIV, TOB [La Bible, traduction oecum.- nique]), produz um sarcasmo muito amargo por sua importância inconseqüente ‘pode o homem mortal ser mais justo do que Deus?’ Jó não buscava ser melhor do que Deus em bondade.
[34] Nm 32:22; Jr 51:5.
[35] Francis I. Andersen, Job: An Introduction & Commentary (Downers Grove, 1974), 114; David J. A. Clines, Job 1-20, Word Biblical Commentary, ed. David A. Hubbard, Glenn W. Barker (Dallas, 1989), 107; Edouard Dhorme, A Commentary on the Book of Job, trans. H. H. Rowley, com prefácio de Francis I. Andersen (Nashville, 1984), 52; Moses Buttenweiser, The Book of Job (New York, 1922), 95, 162; assim também LXX, NASB, NRSV. Podemos também seguramente rejeitar a leitura de min como mþÂhw como ‘a partir do seu Criador’, ‘onde Elifaz pode estar considerando Deus como a fonte da justificação dos sua criaturas’. A justificação creatural é justamente aquilo que Elifaz nega tão firmemente.
[36] K. Fullerton, ‘Double Entendre in the first Speech of Eliphaz,’ JBL 49 (1930): 320-74, 336-337.
[37] John R. W. Stott, Basic Christianity, 2nd ed., (Grand Rapids: Eerdmans, 1971), 72.
[38] Ibid., 73.
[39] Andrew E. Steinmann, ‘The Structure & Message of the Book of Job’, VT (46): 85-100.
[40] Sobre a integridade como a questão principal em Jó, veja Lael O. Caesar, ‘Job: Another Thesis,’ VT
(49): 435-447.
[41] John A. T. Robinson, In the End God, Religious Perspectives, ed., Ruth Nanda Anshen (New York, Evanston, & London: Harper & Row, 1968), 47.
[42] Ibid., 22.
[43] H. H. Rowley, ‘The Book of Job and Its Meaning,’ BJRL 41 (1958-59): ‘É (...) mais provável que em seu pensamento Jó fora supremamente honrado [sic] por Deus, aquele Deus que se apóia em sua infalível integridade. Nem Jó decepcionou a Deus. Pois, a despeito de todas as suas reclamações, Jó nunca, nem por um momento se arrepende da integridade do seu caráter’ (175).

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