Quando, porém, vier o que é perfeito,
então, o que é em parte será aniquilado.
1 Coríntios 13:10
Definir o significado
do termo “perfeccionismo” em relação à humanidade é uma tarefa que envolve explorar
a razão, a filosofia, e a espiritualidade humana em uma busca pela compreensão da
natureza da perfeição, de sua possibilidade ou impossibilidade de manifestação na
humanidade em inúmeros contextos relativos.
Dessa forma, no âmbito
humano, pode-se falar do “perfeccionismo” de quem quer “tudo limpo e organizado”
dentro de casa; de quem busca realizar seus trabalhos acadêmicos com determinado
padrão de “excelência”; de quem define a beleza do corpo humano segundo “padrões
de beleza estética” definidos com rigidez e em certa direção; de quem
estabelece um “alto” padrão para o aprendizado e para a manifestação do
conhecimento apreendido por parte de jovens estudantes; e alista de exemplos poderia
continuar para muito além destes.
A psicologia destaca
vários transtornos (doenças) que geram esses tipos de perfeccionismo, ou que
são gerados pela aceitação deles como padrões de julgamento sobre a aparência,
a inteligência, e o estilo de vida dos seres humanos, etc. Estudar esses temas
é tarefa bastante instigadora, e recomendada a todos, mas o foco desse texto é
diferente, pois uma casa “limpa e organizada”, o padrão de “excelência” de uma
tese doutoral, a definição de “beleza” e de “inteligência” são todos conceitos
relativos e em constante reavaliação e mudança numa sociedade de pessoas
diferentes em sua forma de viver e de enxergar a vida humana em suas diferentes
dimensões e manifestações, e o foco na humanidade conduzirá essa discussão numa
relativização eterna de conceitos e definições de perfeição que no fim de tudo
se demonstrarão imperfeitas à luz de conclusões baseadas em pontos de vistas
diferentes a respeito das coisas e das pessoas.
O foco desse texto é
definir o perfeccionismo do ponto de vista de sua manifestação religiosa/espiritual,
com foco na mensagem da bíblia em torno do tema da perfeição e de temas
relacionados, especialmente como esses se integram e se manifestam na
comunidade adventista no sétimo dia.
Desde já se admite que
há uma tensão na compreensão desse tema dentro dessa comunidade, e da minha
parte trabalho com a noção de que o perfeccionismo é uma leitura
enganosa/mentirosa (portanto demoníaca [João 8:44] do tema da perfeição, e é
nesse prisma que me refiro a ele.
Antes de continuar devo
esclarecer que esse texto é uma expressão pessoal, individual, livre, e não está
preocupada em esgotar os temas aos quais irá fazer referência. O objetivo é
contribuir com impressões que ajudem os estudantes desse tema a se situarem nas
discussões a respeito de perfeição, e do perfeccionismo, com conhecimento de
algumas distinções que precisam ser feitas a respeito desses dois conceitos
aparentemente tão próximos.
A perfeição humana é referida
indiretamente em sua origem primeira, imortal e incontaminada de pecado até a primeira
transgressão (Genesis 1:26-3:6). Ainda assim, mesmo depois da queda e das
radicais consequências dela advindas (ver Romanos 5:19a) a perfeição é uma ordem de Deus
a Abraão (Genesis 17:1), de Cristo aos cristãos (Mateus 5:48), e o objetivo do
ministério da pregação da Palavra de Deus para com “todo homem” (Colossenses
1:28). Obviamente que a perfeição exigida no contexto após a queda não poderia
se equiparar de forma idêntica à perfeição original onde não havia morte,
experiência prévia de pecado, ou tendências inerentes ao mal. O ser humano depois da queda
não poderia ser fisicamente perfeito e imortal para ser como Adão o era, e esse
único exemplo já demonstra que a perfeição atingível ao ser humano hoje (ou em qualquer momento histórico depois da queda) não é
absoluta quando comparada com a possibilidade original de perfeição do ser
humano sem experiência alguma de pecado.
Portanto, a perfeição
bíblica, ordenada ao homem é uma condição possível de ser alcançada, e mais do
que isso, imperativa de que seja alcançada! Devemos ser perfeitos, sim, mas
aqui surgem as difíceis perguntas:
(1) Em que consiste essa perfeição possível
aos imperfeitos?
Essa é uma pergunta difícil,
mas começaremos a respondê-la da seguinte forma: A perfeição bíblica humana
é possível por causa de Cristo, em Cristo e para Cristo.
Cristo é o verbo/Deus
(João 1:1). Por Ele, através dEle, nEle, e para Ele são todas as coisas (João
1:3; Colossenses 1:15-16). Sua encarnação (João 1:14) e morte expiatória e
redentora reconciliam pecadores com Deus (2 Cor 5:19), e lhes possibilita uma
nova vida, nEle (Filipenses 4:7). Separados de Cristo, ou sem Cristo, nada podemos
(João 15:15), mas nEle estamos perfeitos (Colossenses 2:10). A perfeição
absoluta e sem pecado de Jesus Cristo (Hebreus 7:26) nos é imputada pela fé
(Romanos 4:9-11), e somos salvos por graça (Efésios 2:8).
Essa relação de fé
genuína conduz à nova vida, em Cristo, como uma vida de obediência em amor
(Romanos 1:5, 16:26; Gálatas 5:6), e nessa relação há “justiça, santificação e
redenção” (1 Cor 1:30) para pessoas que são ainda, de fato, pecadoras (Romanos 7:14-24;
1 João 1:8, 10).
Diante disso, a perfeição
bíblica que nos é possível, não é sinônima de impecabilidade, ou de ausência de
pecado em todo e qualquer sentido/significado do termo bíblico, e é aqui que o “perfeccionismo”
começa a mostrar sua face sombria.
O perfeccionismo
interpreta a “nova vida” em Cristo como uma vida onde há vitória contra o
pecado de forma que aquele que é salvo não mais peca, mas isso não é verdade. A
Bíblia fala da vitória contra o pecado (Romanos 6), mas não num contexto de
perfeição humana absoluta (Romanos 7), mas no contexto de uma relação de fé com
Cristo (Romanos 8) onde NADA pode nos separar do amor de Deus em Cristo (Romanos
8:35-39) .
Além disso, para manter
sua interpretação triunfalista contra o pecado os perfeccionistas precisam
categorizar o pecado de forma simplória, sem levar em conta todos os textos bíblicos
e suas implicações a respeito do tema.
A Bíblia afirma que “TUDO
que não provém da fé é pecado” (Romanos 14:23), o que implica dizer que a
mínima falta de fé constitui pecado.
Quando, portanto, um
perfeccionista manifesta sua falta de fé peculiar na Palavra de Deus quando ela
diz que em Cristo nós pecadores estamos perfeitos (Colossenses 2:10, cf.
Romanos 5:8; Filipenses 3:15, cf. 3:12), ele está pecando!
Se alguém duvidar de
qualquer dimensão da Palavra de Deus em qualquer sentido, ou por qualquer
espaço de tempo (nem que seja por um segundo apenas!), esse alguém não é
perfeito em si mesmo, só poderá ser perfeito em Cristo àquele a quem ele deverá
confessar sua incredulidade (pecado) com arrependimento para receber perdão e
purificação (1 João 1:9).
Mas se o perfeccionista
quer pregar a vitória contra o pecado ele precisa ir mais além.
O cumprimento da lei é
o amor (Romanos 13:10), e o amor é perfeito (ver 1 Coríntios 13), sendo o
pecado a “transgressão da lei” (1 João 3:4).
Se em qualquer dimensão
ou momento o perfeccionista não amar alguém (qualquer ser humano) com amor incondicional
e perfeito e manifestar ainda que seja o mínimo grau de impaciência, de ciúmes,
de arrogância, de soberba, de mal comportamento, de egoísmo, de agressividade,
de ressentimento/mágoa, de alegria fútil, ele não terá alcançado sua tão
almejada e pregada perfeição!
Mas quando analisamos tudo
isso, perguntamos, há alguma pessoa que pretenda ser vitoriosa nessa batalha
levando em conta o nível da exigência que ela contém sem enganar a si mesma? Vale lembrar que você pode aprender que você deve "amar a Deus e amar as pessoas (todas)" em 15 segundos (desde que você iguale aprendizado com informação), mas quanto tempo demorará para você ser absolutamente perfeito em amar a Deus e a todas as pessoas em todos os momentos e circunstâncias e dimensões? Lembrando que "aquele que sabe o bem que deve fazer, e não o faz, nisso PECA!" (Tiago 4:14, ênfase suprida).
Cumprir/guardar a lei
de Deus é possível da mesma forma como a perfeição é possível, no relacionamento
de fé genuína com Cristo, onde há perdão pela imperfeição confessada e
transformação num processo contínuo e interminável deste lado da glorificação
que se chama santificação. Essa é a perfeição dos cristãos imperfeitos. De
outra forma a perfeição permanece sempre um alvo impossível de ser atingido.
Pregar uma vitória
contra o pecado em outros termos, com foco na lei, nas obras, ou nas
realizações humanas é mal usar os textos da bíblia que falam desses temas, e
essa é uma forte razão para se rejeitar o perfeccionismo!
Então podemos ir
adiante e perguntar:
(2) Por que a perfeição
possível de ser alcançada não abona o perfeccionismo de forma a torná-lo parte integrante e
legítima da mensagem adventista ao mundo?
A perfeição bíblica é
de natureza diferente da perfeição pregada pelo perfeccionismo.
Não pode haver
manipulação filosófica do conceito de pecado para se defender uma perfeição
possível, isso é desonestidade com a Palavra. Pecado não consiste apenas de
atos/comportamentos voluntários, mas inclusive de pensamentos e propósitos
(voluntários ou “involuntários”) do coração como Jesus firmemente enfatizou (Mateus
5:28; Marcos 7:21, etc.). Paulo enfatizou o aspecto “involuntário” do pecado em
sua experiência pessoal como cristão/salvo ao afirmar que ele fazia o mal que não queria fazer! (Romanos 7), perfeccionistas dirão que “fazer o mal” não é pecado?
Se eles disserem isso eles deixarão de ser perfeccionistas por estarão
admitindo que alguém “perfeito” e salvo como Paulo pode fazer (em realidade fez)
o mal (o que é obviamente imperfeição) em algum sentido pelo menos.
O perfeccionismo não é
parte da mensagem adventista ao mundo por sua falha em harmonizar os textos
bíblicos e explicá-los em um todo coerente, claro e compreensível, e representa,
portanto, uma tentativa mal sucedida de compreender esse tema.
É bem verdade que o
tema é complexo e não pretendo ter elucidado todas as dimensões do conceito de
perfeição ou de perfeccionismo de forma nenhuma, mas é importante deixar claro
que em resumo o perfeccionismo é uma interpretação humana que utiliza conceitos
e textos da Escritura com o objetivo de pregar uma ética impecável na
espiritualidade cristã que os perfeccionistas mesmos não vivem (1 João 1:10).
Não creio que todos eles
sejam maldosos ao pregarem suas conclusões perfeccionistas, apenas penso que
existem dimensões do tema já revelados na Palavra e para o qual eles ainda não
deram a devida atenção em nome da dificuldade de harmonizá-los com suas
concepções pessoais e acalentadas, o que é um erro grave!
Dessa forma é que eles
têm extrema dificuldade de explicar 1 João 1:8, 10. Dois versos que destroem
por completo suas pretensões e conclusões falaciosas. Na mesma direção a
explicação de Filipenses 3:12-16, onde Paulo afirma estar entre os “perfeitos”,
e ainda não ter alcançado a “perfeição”, não é esclarecida por eles.
Do outro lado, quem crê
na perfeição bíblica (“em Cristo”), mas não no perfeccionismo, não tem
dificuldades de lidar com os textos que ordenam a perfeição dos seres humanos,
pois eles sabem que tudo podem nAquele que os fortalece (Filipenses 4:13) no
contexto da redenção e da justificação pela fé. São por essas razões (dentre outras obviamente) que o perfeccionismo não é sinônimo da mensagem adventista que deve ser pregada ao mundo todo, o Evangelho Eterno! (Apocalipse 14:6-12)
Meu desejo não é criar mais
preconceito ou animosidade gratuita contra o grupo (nem contra indivíduos) daqueles que creem e pregam uma
compreensão bíblica (em torno dos temas da santidade, da salvação, da
perfeição, etc.) que pode ser designada de perfeccionista no sentido em que expus o conceito. Meu desejo é apenas
deixar claro que enquanto esses perfeccionistas pregarem como "verdade de Deus" uma perfeição que é anti-bíblica, e não
explicarem coerentemente os textos que lhes desmascaram as pretensões eu os considerarei
representantes da mentira, não da verdade (João 17:17). Mas isso não quer, nem de longe, dizer que eu afirme que as pessoas que enfatizam a necessidade de uma radical fidelidade dos cristãos a Deus sejam perfeccionistas! de maneira nenhuma! Creio profundamente na mensagem da fidelidade e da perfeição, e creio que ela deve ser pregada poderosamente, claro que dentro de um arcabouço filosófico e doutrinário coerente com "toda Palavra que sai da boca de Deus." Da mesma forma não afirmo que aqueles que insistem na pregação da mensagem BÍBLICA da perfeição sejam perfeccionistas, de forma nenhuma!
Para finaliza, esse texto todo não tem por objetivo dizer de forma direta ou indireta que eu pessoalmente pretenda ser o famoso "dono da verdade" nessa questão, certamente não sou, e respeito profundamente a todos os adventistas que lutam por compreender esse tema, especialmente à luz do Espírito de Profecia, e que porventura acabem expressando suas conclusões de forma diferente da forma como eu faço. Sobre isso desejo apenas acrescentar que os conceitos encontrados nos escritos de Ellen White (como perfeição por exemplo, ou qualquer outro) devem ser entendidos à luz do conceito bíblico correspondente, e se esse critério for seguido não haverá dificuldades de crer e aceitar tudo que ela escreveu sobre esse assunto e manter as conclusões de que a perfeição bíblica que nos é ordenada viver não significa impecabilidade absoluta! Continua o perfeccionismo sendo um erro de interpretação!
Todos falhamos em muitas coisas (Tiago 3:2) e quem disser que não erra (peca), ou que não comete erros (pecados) é mentiroso e nele não está a verdade (I João 1:8, 10). E todos devem olhar com esperança para o tempo em que virá o que é perfeito, quando tudo que é em parte (imperfeito) será aniquilado! Até lá infelizmente conviveremos com alguma dimensão de imperfeição em nós e dependeremos totalmente e exclusivamente da graça de Deus em Jesus Cristo para Salvação!
Graça e Paz!!!
Ezequiel Rosa Gomes
Junior
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