Dirigiu-se Jesus ao fariseu e lhe disse: Simão, uma coisa tenho a dizer-te. Ele respondeu: Dize-a, Mestre...
Lucas 7:40
O grupo dos fariseus é um grupo estigmatizado como
exemplo e sinônimo de infidelidade a Deus na ótica cristã, em grande medida por
causa das (1) referências feitas por Cristo de sua destacada hipocrisia[1],
(2) por causa de todo o claro antagonismo entre eles e Jesus durante o
ministério terrestre do Salvador (Mateus 9:34; Marcos 2:24; 12:13; Lucas 5:21;
João 7:32, dentre vários outros textos), (3) por causa da conexão dos fariseus
com os eventos imediatamente anteriores e posteriores da morte/crucifixão do
Senhor (João 18:3; Mateus 27:62), e (4) por causa da aplicação das más
características farisaicas específicas e condenadas por Jesus a todos os
fariseus da história bíblica indistinta e indiscriminadamente.
O termo fariseu “significa ‘os separados’, e quer
dizer, os santos, a verdadeira comunidade de Israel.”[2]
A seita dos fariseus surgiu por volta de 120 a. C. e sua filosofia era a de “rígida
aderência à lei, e ao testemunho das interpretações tradicionais que estavam
sendo abandonadas naqueles tempos (por influência da helenização da cultura
judaica).”[3]
Havia várias comunidades farisaicas e elas “observavam regras precisas para admissão de membros”
o que incluía “um tempo preparatório para ser admito; um compromisso em
observar o regulamento da comunidade que era feito diante de um escriba-fariseu[4]
líder; e prometer observar as prescrições sobre pureza e sobre os dízimos.”[5]
Havia também certa hierarquia interna no(s) grupo(s) dos fariseus, como a designação
“um dos principais fariseus”[6]
denota.
Os fariseus cumpriam rígidos regulamentos[7],
e desejavam impor sobre todo o povo as regras de pureza e alimentação levíticas,
e “queriam deste modo, formar a verdadeira ‘comunidade santa’ de Israel”[8].
Disso discordavam os saduceus por serem essas prescrições exclusivas aos
sacerdotes segundo a Torá.
Os objetivos dos fariseus e sua disposição de
fidelidade prática a Deus em um momento de infidelidade e distanciamento de
Deus não são características negativas, especialmente pelo fundamento bíblico
de muitas de suas reivindicações (dízimos, pureza, fidelidade, etc.). Claro que
eles erraram em igualar a tradição humana na interpretação dos vários
mandamentos de Deus (marcos 7: 6-14) e a própria revelação, pelo que foram
repreendidos.
Apesar de acharmos indicativos de boas qualidades
nos fariseus, na Bíblia eles são chamados de “raça de víboras” por João batista,
pessoas que aparentemente mereciam a “ira vindoura” (Mateus 3:7). A razão dessa atitude só vai
ficar mais clara na medida em que eles vão manifestando sua oposição à verdade do Evangelho que
Cristo revela em suas palavras e obras.
Os fariseus “murmuram” e afirmam que Jesus expulsava demônios pelo poder de Satanás (Mateus 9:34); “conspiram para tirar a vida” de Jesus (12:14); “tentam” ao
Senhor (16:1); “interpelam” a Cristo com objetivo de acusar (marcos 7:5); fazem
estratégias para “pegar Jesus em alguma palavra” (12:13); “rejeitam” quanto a
si mesmos, o desígnio de Deus (Lucas 7:30); “têm o interior cheio de rapina e
perversidade” (11:39); “eram avarentos” (16:14); “expulsavam da sinagoga quem
cria em Jesus” (João 12:42); etc.
Essas coisas revelam um quadro triste e sombrio do
grupo dos fariseus, mas harmonizar seus ideais de fidelidade a Deus e sua
manifestação em relação a Cristo não é uma tarefa fácil de ser realizada.
O verdadeiro erro do fariseu é de natureza
fundamental, profunda, e, entretanto, difícil de detectar em sua essência, e
não pode ser comparada com simples infidelidade. Eles julgavam se opor a Cristo
movidos pelo zelo para com a verdade, e isso tornava sua posição especialmente perigosa.
Em nome de sua “fidelidade” à lei eles se permitiram ser tomados de violência,
injustiça, e transgressão da própria lei de Deus.
Considerando a si mesmos “separados”, “a verdadeira
comunidade de Israel” não seria difícil vislumbrar a ação corrosiva da ilusão
pecaminosa/demoníaca de mérito/merecimento para a salvação diante de Deus[9].
Mas o Cristo “que conhecia o que era a natureza humana”[10]
e que podia, diferentemente de nós, expor com verdade absoluta a hipocrisia da
alma do outro, enfrentou a satânica e enganosa “justiça própria” dos fariseus
com ousadia, coragem, e duras verdades de condenação, e com a declaração da
necessidade de arrependimento/penitência, e “tal audácia o levou à cruz.”[11]
Não podemos, entretanto, acusar o grupo dos fariseus como o único “responsável”
pela morte de Cristo. O Senhor declarou que Ele mesmo entregava sua vida por
suas ovelhas “espontaneamente” (João 10:18), e invocou perdão inclusiva sobre mandantes e executores de sua sentença de morte (Lucas 23:34), que era realizada para propiciação dos pecado de toda a humanidade (1 João 2:2). Os fariseus foram objetos
constantes do interesse de Cristo e de suas repreensões, lembrando-se que Ele só age dessa
maneira para com quem ele tem amor (Apocalipse 3:19) e interesse em salvar.
Certamente é terrível ver o registro da obra dos “fariseus,”
que se desviaram da verdade (e isso em nome da verdade!) e articularam a morte
de Cristo do ponto de vista humano com extrema injustiça e maldade, mas devemos
lembrar duas coisas nesse contexto: (1) Nem todos os fariseus em Israel estavam
incluídos nesse grupo que lutava ativamente contra Cristo; e (2) muitos dentre
o grupo dos fariseus creram em Jesus durante seu ministério, ou após sua paixão
e ressurreição, e estão guardados para a vida eterna a se manifestar no último
dia quando o Salvador e Senhor retornar! Amém!
[1] “os hipócritas” (no primeiro
evangelho esse termo designa, salvo nalguns casos, os fariseus). Jeremias,
Joachim. Jerusalém nos tempos de Jesus:
pesquisa de história econômico-social no período neotestamentário. São
Paulo-SP: Paulus, 2010, p. 343.
[3] Nichol, Francis D.: The
Seventh-day Adventist Bible Commentary, Volume 5. Review and Herald
Publishing Association, 1978; 2002, S. 51
[4] Nem todos os escribas eram
fariseus, e nem todos os fariseus eram escribas.
[5] Jeremias, Joachim. Jerusalém nos tempos de Jesus: pesquisa
de história econômico-social no período neotestamentário. São Paulo-SP: Paulus,
2010, p. 339-40.
[7] White, Ellen G. O desejado de todas as nações, 86
[8] Jeremias, Joachim. Jerusalém nos tempos de Jesus: pesquisa
de história econômico-social no período neotestamentário. São Paulo-SP: Paulus,
2010, p. 357-58.
[9] A parábola do fariseu e do
publicano ilustram isso de forma explícita.
[11] Jeremias, Joachim. Jerusalém nos tempos de Jesus: pesquisa
de história econômico-social no período neotestamentário. São Paulo-SP: Paulus,
2010, 360.
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