quinta-feira, 15 de março de 2012

Breves Considerações sobre a relação entre Jesus Cristo e os Fariseus

Dirigiu-se Jesus ao fariseu e lhe disse: Simão, uma coisa tenho a dizer-te. Ele respondeu: Dize-a, Mestre...
Lucas 7:40

O grupo dos fariseus é um grupo estigmatizado como exemplo e sinônimo de infidelidade a Deus na ótica cristã, em grande medida por causa das (1) referências feitas por Cristo de sua destacada hipocrisia[1], (2) por causa de todo o claro antagonismo entre eles e Jesus durante o ministério terrestre do Salvador (Mateus 9:34; Marcos 2:24; 12:13; Lucas 5:21; João 7:32, dentre vários outros textos), (3) por causa da conexão dos fariseus com os eventos imediatamente anteriores e posteriores da morte/crucifixão do Senhor (João 18:3; Mateus 27:62), e (4) por causa da aplicação das más características farisaicas específicas e condenadas por Jesus a todos os fariseus da história bíblica indistinta e indiscriminadamente.
O termo fariseu “significa ‘os separados’, e quer dizer, os santos, a verdadeira comunidade de Israel.”[2] A seita dos fariseus surgiu por volta de 120 a. C. e sua filosofia era a de “rígida aderência à lei, e ao testemunho das interpretações tradicionais que estavam sendo abandonadas naqueles tempos (por influência da helenização da cultura judaica).”[3]
Havia várias comunidades farisaicas e elas “observavam regras precisas para admissão de membros” o que incluía “um tempo preparatório para ser admito; um compromisso em observar o regulamento da comunidade que era feito diante de um escriba-fariseu[4] líder; e prometer observar as prescrições sobre pureza e sobre os dízimos.”[5] Havia também certa hierarquia interna no(s) grupo(s) dos fariseus, como a designação “um dos principais fariseus”[6] denota.
Os fariseus cumpriam rígidos regulamentos[7], e desejavam impor sobre todo o povo as regras de pureza e alimentação levíticas, e “queriam deste modo, formar a verdadeira ‘comunidade santa’ de Israel”[8]. Disso discordavam os saduceus por serem essas prescrições exclusivas aos sacerdotes segundo a Torá.
Os objetivos dos fariseus e sua disposição de fidelidade prática a Deus em um momento de infidelidade e distanciamento de Deus não são características negativas, especialmente pelo fundamento bíblico de muitas de suas reivindicações (dízimos, pureza, fidelidade, etc.). Claro que eles erraram em igualar a tradição humana na interpretação dos vários mandamentos de Deus (marcos 7: 6-14) e a própria revelação, pelo que foram repreendidos.
Apesar de acharmos indicativos de boas qualidades nos fariseus, na Bíblia eles são chamados de “raça de víboras” por João batista, pessoas que aparentemente mereciam a “ira vindoura” (Mateus 3:7). A razão dessa atitude só vai ficar mais clara na medida em que eles vão manifestando sua oposição à verdade do Evangelho que Cristo revela em suas palavras e obras.
 Os fariseus “murmuram” e afirmam que Jesus expulsava demônios pelo poder de Satanás (Mateus 9:34); “conspiram para tirar a vida” de Jesus (12:14); “tentam” ao Senhor (16:1); “interpelam” a Cristo com objetivo de acusar (marcos 7:5); fazem estratégias para “pegar Jesus em alguma palavra” (12:13); “rejeitam” quanto a si mesmos, o desígnio de Deus (Lucas 7:30); “têm o interior cheio de rapina e perversidade” (11:39); “eram avarentos” (16:14); “expulsavam da sinagoga quem cria em Jesus” (João 12:42); etc.
Essas coisas revelam um quadro triste e sombrio do grupo dos fariseus, mas harmonizar seus ideais de fidelidade a Deus e sua manifestação em relação a Cristo não é uma tarefa fácil de ser realizada.
O verdadeiro erro do fariseu é de natureza fundamental, profunda, e, entretanto, difícil de detectar em sua essência, e não pode ser comparada com simples infidelidade. Eles julgavam se opor a Cristo movidos pelo zelo para com a verdade, e isso tornava sua posição especialmente perigosa. Em nome de sua “fidelidade” à lei eles se permitiram ser tomados de violência, injustiça, e transgressão da própria lei de Deus.
Considerando a si mesmos “separados”, “a verdadeira comunidade de Israel” não seria difícil vislumbrar a ação corrosiva da ilusão pecaminosa/demoníaca de mérito/merecimento para a salvação diante de Deus[9]. Mas o Cristo “que conhecia o que era a natureza humana”[10] e que podia, diferentemente de nós, expor com verdade absoluta a hipocrisia da alma do outro, enfrentou a satânica e enganosa “justiça própria” dos fariseus com ousadia, coragem, e duras verdades de condenação, e com a declaração da necessidade de arrependimento/penitência, e “tal audácia o levou à cruz.”[11]
Não podemos, entretanto, acusar o grupo dos fariseus como o único “responsável” pela morte de Cristo. O Senhor declarou que Ele mesmo entregava sua vida por suas ovelhas “espontaneamente” (João 10:18), e invocou perdão inclusiva sobre mandantes e executores de sua sentença de morte (Lucas 23:34), que era realizada para propiciação dos pecado de toda a humanidade (1 João 2:2). Os fariseus foram objetos constantes do interesse de Cristo e de suas repreensões, lembrando-se que Ele só age dessa maneira para com quem ele tem amor (Apocalipse 3:19) e interesse em salvar.
Certamente é terrível ver o registro da obra dos “fariseus,” que se desviaram da verdade (e isso em nome da verdade!) e articularam a morte de Cristo do ponto de vista humano com extrema injustiça e maldade, mas devemos lembrar duas coisas nesse contexto: (1) Nem todos os fariseus em Israel estavam incluídos nesse grupo que lutava ativamente contra Cristo; e (2) muitos dentre o grupo dos fariseus creram em Jesus durante seu ministério, ou após sua paixão e ressurreição, e estão guardados para a vida eterna a se manifestar no último dia quando o Salvador e Senhor retornar! Amém!


[1] “os hipócritas” (no primeiro evangelho esse termo designa, salvo nalguns casos, os fariseus). Jeremias, Joachim. Jerusalém nos tempos de Jesus: pesquisa de história econômico-social no período neotestamentário. São Paulo-SP: Paulus, 2010, p. 343.
[2] Ibid., p. 333.
[3] Nichol, Francis D.: The Seventh-day Adventist Bible Commentary, Volume 5. Review and Herald Publishing Association, 1978; 2002, S. 51
[4] Nem todos os escribas eram fariseus, e nem todos os fariseus eram escribas.
[5] Jeremias, Joachim. Jerusalém nos tempos de Jesus: pesquisa de história econômico-social no período neotestamentário. São Paulo-SP: Paulus, 2010, p. 339-40.
[6] Lucas 14:1
[7] White, Ellen G. O desejado de todas as nações, 86
[8] Jeremias, Joachim. Jerusalém nos tempos de Jesus: pesquisa de história econômico-social no período neotestamentário. São Paulo-SP: Paulus, 2010, p. 357-58.
[9] A parábola do fariseu e do publicano ilustram isso de forma explícita.
[10] João 2:25
[11] Jeremias, Joachim. Jerusalém nos tempos de Jesus: pesquisa de história econômico-social no período neotestamentário. São Paulo-SP: Paulus, 2010, 360.

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...