Quão perfeito é "perfeito"? É a perfeição cristã algo possível? Edward Heppenstall

"Sede vós perfeitos..."

Mateus 5:48

O tema da perfeição cristã é um tema imensamente interessante e esse tópico já foi objeto de inúmeras considerações por parte de cristãos estudiosos das Escrituras Sagradas. Nesse Post trago a tradução de um artigo de Edward Heppenstall sobre "Quão perfeito é "perfeito"?

Esse artigo foi publicado originalmente no site do instituto de pesquisas bíblicas da conferência geral (acesse o artigo original em inglês clicando aqui!!!)

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Graça e Paz!

Quão perfeito é “perfeito”? É a perfeição cristã algo possível?

Edward Heppenstall

Estar em harmonia com Deus é a coisa mais vital da vida. Separados de tudo que fazemos, de tudo que temos, o que somos nós como criaturas que estão diante de Deus? Como ficamos diante de Deus? Paulo declara que a única maneira de estar em harmonia com Deus é ser revestido da perfeita justiça de Cristo.

Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo e ser achado nele, não tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé; (Filipenses 2:8-9)

A única segurança do pecador

A perfeita justiça de Cristo é a única resposta ao problema do pecado na vida de qualquer homem, a única possibilidade de viver como Cristo aqui e agora. “Nossa justiça” – o melhor que somos e podemos fazer por nós mesmos – “é trapo de imundície” (Isaías 64:6). Trapo por que ela não nos cobre, e imunda por que ela nos deixa em nossas contaminações e pecados.

Muitos cristãos sinceros expressam insatisfação sobre o fato de que eles continuamente falham em atingir a perfeição. Muitos admitem falhas contínuas na vida espiritual, de repetirem pecados de novo e de novo, de dar abertura para padrões de hábitos contrários à vida de Cristo. Quando eles lêem o mandamento de Cristo: “Sede vós perfeitos, como perfeito é o vosso Pai” (Mateus 5:48), o efeito é tanto condenação como desencorajamento.

Em quase todos os grandes reavivamentos os crentes têm procurado de uma forma ou de outra uma forma de atingir a perfeição. Eles têm esperado por isso, orado por isso, e trabalhado por isso. Mas o testemunho de todos os grades cristãos é que eles nunca atingiram isso; Que o mais que eles se esforçaram e o mais próximo que eles chegaram de Jesus, mais profundo era seu sentimento de inadequação e de pecaminosidade inerente. Enquanto suas vidas carregavam o testemunho de vitórias contra o pecado, ao mesmo tempo eles tinham uma sensação profunda de sua própria necessidade e indignidade. Pergunte a Pedro, Tiago e João. Pergunte a Martinho Lutero e a John Wesley. Pergunte às almas mais nobres que a igreja cristã jamais viu, os espíritos mais zelosos que a humanidade jamais produziu. Com um grande e poderoso coro e em concordância eles exclamam junto com Paulo:

Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus. Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo alcançado; mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus. (Filipenses 2:12-14).

Se existe uma verdade central trazida à tona nas Escrituras na experiência de todos os verdadeiros crentes que chegaram a conhecer o poder de Deus, é a seguinte: Que a única perfeição, que o único ser sem pecado que eles jamais viram foi Jesus Cristo; Essa é a razão pela qual esse Jesus é o todo da sua salvação, o todo de sua justiça, e o todo de sua perfeição. Ser um cristão genuíno significa fé em Cristo, comunhão com Cristo, fidelidade a Cristo, e produzir frutos para Cristo. A fé significa que o homem não tem perfeição ou justiça em si mesmo; Que o homem confie plenamente e somente em Cristo.

Perfeição bíblica

Um dos obstáculos para se viver uma vida cristã de forma bem sucedida é fracassar em entender o que a Bíblia ensina a respeito da natureza do pecado e da perfeição. Uma grave má compreensão está na raiz de muitos dos falsos ensinamentos a respeito desse assunto. A Bíblia, ao aplicar o termo “perfeição” aos crentes, nunca significa com isso “impecaminosidade.” Existem pelo menos nove (9) palavras hebraicas e seis (6) palavras gregas traduzidas como “perfeição.” Noé é dito ser “perfeito em sua geração” (Genesis 6:9). De Asa, rei de Judá, nós lemos: “Mas os lugares altos não foram removidos: contudo o coração de Asa era perfeito para com o Senhor todos os seus dias” (1 Reis 15:14). “Se alguém não tropeça no falar, é varão perfeito, capaz de refrear também todo o corpo.” (Tiago 3:2). “Falamos de sabedoria entre os aperfeiçoados” (1 Coríntios 2:6).

Os escritores bíblicos não estão dizendo que esses homens eram sem pecado. O significado é o de maturidade espiritual, pelo crescimento espiritual, maduro em entendimento espiritual, completo em sua forma de responder a Deus, não mantendo nada para trás. Um cristão “perfeito” é alguém cujo coração e mente estão permanentemente comprometidos com Cristo, não podendo ser movidos. Noé, Abraão, e Jó foram declarados serem homens “perfeitos”. Ainda assim a história de vida deles mostra que eles estavam longe de serem sem pecado.

Se a visão de uma pessoa a respeito do pecado for estreita o suficiente, a perfeição sem pecado não seria uma consecução impossível. É uma visão deficitária de pecado que conduz a um entendimento equivocado de perfeição. Se pecado significa simplesmente uma ação deliberada, de vontade própria, daquilo que se sabe ser errado, então nenhum cristão deveria cometer esse tipo de pecado. Mas se o pecado inclui o estado da mente e do coração de um homem, a inclinação do homem ao mal, o pecado como uma tendência inerente, então a perfeição apresenta um quadro totalmente diferente.

O que Deus espera de seu povo

Existem alguns cristãos que acreditam que é possível alcançar nesta vida um ponto de desenvolvimento espiritual, onde a natureza pecaminosa seja completamente erradicada, e adiante não seja mais operante. A Bíblia não ensina que a vida genuinamente cristã é a vida de uma vitória uniforme e persistente sobre todo pecado conhecido. A experiência cristã normal deveria ser a experiência da vitória e não de derrota constante.

Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus. Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, de maneira que obedeçais às suas paixões; nem ofereçais cada um os membros do seu corpo ao pecado, como instrumentos de iniqüidade; mas oferecei-vos a Deus, como ressurretos dentre os mortos, e os vossos membros, a Deus, como instrumentos de justiça. Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça. E daí? Havemos de pecar porque não estamos debaixo da lei, e sim da graça? De modo nenhum! (Romanos 6:11-15).

Existe uma verdade que cada crente precisa aprender para que desfrute de completa salvação em Cristo. É a necessidade de habitar em Cristo, de olhar constantemente para Cristo, de depender completamente de Cristo e de Sua justiça. O método de salvação de Deus não é a erradicação da natureza pecaminosa, mas o contra-ataque do poder divino através do Espírito Santo. Somente pelo constante presença do Espírito Santo é possível ser vitorioso contra o pecado e contra a natureza pecaminosa que está dentro de nós.

É fatal acreditar que somente se nos tornarmos totalmente rendidos a Cristo então a natureza pecaminosa é erradicada. A lei do pecado e da morte continua a operar em nós. Isso é algo que permanece em nós enquanto vivermos. Vitória sobre todo pecado conhecido não significa impecaminosidade. Ela significa a gloriosa oportunidade de se esforçar em Cristo de forma bem sucedida contra todo pecado e vencê-lo. Mas essa é uma experiência que deve ser mantida dia após dia através da comunhão com Cristo e entrega a Ele. A vida cristã é uma batalha que dura a vida inteira. Enquanto o cristão habitar em Cristo, uma santidade real e vitória são possíveis. O que temos na vida diária é o poder opositor de Deus que luta contra as tendências pecaminosas de nossa natureza.

Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte? Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor. De maneira que eu, de mim mesmo, com a mente, sou escravo da lei de Deus, mas, segundo a carne, da lei do pecado. Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus. Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte. (Romanos 7:24-8:2).

A salvação em Cristo somente significa que a inclinação ao pecado na natureza humana é muito forte e predominante para que lidemos com ela separados da confiança momento a momento em Cristo e em Seu poder de salvar. A lei do pecado e da morte está operando o tempo todo. A libertação vem através de uma lei mal alta, de um poder mais alto – a lei do Espírito, o mais forte poder de Deus que contra-ataca a lei do pecado e da morte em nossos membros. Pedro afundou nas ondas no momento em que ele tirou seus olhos de Cristo. Ele afundou por que ele tinha a tendência de afundar na água. A única coisa que o mantinha andando em cima da água era o poder de Cristo exercitado momentaneamente para contrabalancear o poder gravitacional que o puxava para baixo. Assim é a vida cristã.

Sempre existe um conflito nesta vida terrena entre a carne e o Espírito:

Digo, porém: andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne. Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer. Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais sob a lei. (Gálatas 5:16-18).

O cristão deve andar continuamente no Espírito.  Nunca nesta vida o cristão chegará a um lugar onde ele possa dispensar o poder contrabalanceador de Cristo contra a tendência pecaminosa em sua vida. Apenas através da operação contínua, dia após dia, operação do Espírito Santo é a nossa natureza pecaminosa contra-atacada. A natureza pecaminosa não é erradicada até o dia da ressurreição, quando isso “que é mortal for revestido de imortalidade.” O cristão aprende a viver na esfera do Espírito, não na esfera da carne. O crente nunca está além do alcance da tentação ou da possibilidade de pecar. Mas em Cristo ele é trazido a uma posição de vitória sobre todo pecado conhecido. O pecado não mais tem domínio sobre ele.

A natureza pecaminosa: controlada, mas não erradicada

Os maiores homens da Bíblia nunca clamaram perfeição sem pecado. Todos eles eram dolorosamente conscientes do fato de que eles eram pecadores e permaneceram pecadores por toda sua vida. Enquanto um homem está em um estado de pecado, com uma natureza pecaminosa ainda presente nele, ele confessará a si mesmo como pecador. O cristão sempre reconhece a si mesmo como um pecador necessitado da graça de Deus.

Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça. Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós. (1 João 1:8-10).

Nós encontramos aqui o aviso mais solene contra a doutrina da perfeição sem pecado nesta vida. O significa incontrovertido dessa passagem é a de que o homem que ousa clamar para si aquilo que o apóstolo João não tem coragem de clamar, é uma pessoa auto-enganada. A verdade não está nele. A doutrina da perfeição sem pecado conduz à conclusão que tanto Cristo quanto o Espírito Santo se tornam desnecessários no momento em que esse estágio é alcançado. Onde quer que um professo cristão afirme que sua natureza pecaminosa foi erradicada nesta vida, existe uma perda correspondente da verdadeira dependência de Cristo.

Existe uma quebra no único relacionamento salvífico do qual o homem precisa a vitória. Isso permite que as pessoas pequem e chamem o mal de bem. Isso desencoraja aqueles que se esforçam para serem como Cristo, mas que não aceitam essa ideia de perfeição.

É a vontade de Deus que, tendo se rendido a Cristo na conversão como ele melhor sabe, o crente mantenha essa atitude para que tão rápido quanto qualquer coisa adicional seja revelada a ele como contrária à vontade de Deus, ele prontamente desista dela. Deus verá que por toda a vida cristã aqui na terra haverá vislumbres mais profundos da pecaminosidade e egoísmo de nossa natureza. Haverá dependência, arrependimento, e oração por perdão, cada vez maiores. O crente nunca chegará ao lugar onde não precisará fazer a oração do Senhor: “perdoa as nossas dívidas...” Por esse vislumbre aprofundado devemos continuamente “olhar para o autor e consumador da fé.” Ao há limites ao poder de Deus. Ele está sempre desejoso de nos dar vitória. Mas o homem limita a Deus por virtude de sua falta de visão e de entrega.  Em proporção à maturidade e completude de seu conhecimento será a completude de sua entrega e de sua vitória.

Somente pela graça: o verdadeiro significado

A doutrina básica da fé cristã é a salvação somente pela graça. Essa doutrina representa a renúncia final tanto do esforço humano ou da pretensão de perfeição. Somente Cristo é a nossa perfeição, justiça. Em nós mesmos nós nunca somos sem pecado. Mas enquanto nós olharmos para Cristo, o pecado e o eu não podem prevalecer. A pretensão à perfeição sem pecado em qualquer tempo nessa vida terrestre é a raiz do orgulho espiritual e justiça própria. O cristão não nega que a nova vida em Cristo é capaz de uma nova justiça, de vitória contra o pecado. Ele apenas insiste que essa não é a sua justiça, ou a sua vitória, mas de Cristo.

Não haverá nenhum ponto no desenvolvimento espiritual nesta vida onde poderemos descansar com a certeza de que não mais pecaremos, ou de que não estamos mais diante de Deus como pecadores necessitados de graça e poder. O cristão sabe que permanece nele uma fonte de mal, uma natureza depravada.

A salvação pela graça somente significa que a perfeição absoluta e a impecaminosidade não podem ser realizadas aqui e agora. A justificação pela fé significa que olhamos continuamente e exclusivamente para Jesus Cristo; que olhamos para fora de nós mesmos e que qualquer esperança de vida em nós mesmos vem somente dEle. A salvação genuína nos direciona a Cristo, para a única vida perfeita jamais vivida aqui nesta terra, e para a redenção realizada por Ele na cruz. O que é absolutamente central é a pessoa de Jesus Cristo. A vitória do homem sobre o pecado é exclusivamente uma obra de Deus em Cristo, o contínuo controle da vida pelo Espírito Santo; Para que através da comunhão diária com Cristo nós participamos de fato da vida santa de Cristo.

A justiça salvífica de Cristo não é o início de uma nova justiça, mas o fim perpétuo dela. É um viver perpétuo em Cristo como um centro e fonte além de nós e de nossa sabedoria e poder. Vivemos continuamente por causa de um Cristo ressurreto e nunca por causa de nós mesmos. A vitória é através da operação contínua do Espírito Santo, pois a vida cristã consiste nos frutos do Espírito e no poder de Deus.