sexta-feira, 9 de março de 2012

O pecado de Adão, a Cruz de Cristo, e a Justificação

Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecadores, assim também, por meio da obediência de um só, muitos se tornarão justos...
Romanos 5:19

A relação da queda do homem Adão e de seus efeitos sobre sua posteridade é um assunto espinhoso no que se refere à justiça e a verdade por detrás da realidade humana como um raça pecadora, mortal e separada de Deus. A relação da cruz de Cristo com a Justificação dos pecadores é um assunto também espinhoso do ponto de vista de sua aplicação para toda a humanidade ou apenas para alguns seres humanos.
Nesse post trago a tradução de um artigo de Ángel Manuel Rodríguez cujo título é A justificação e a Cruz, publicado originalmente no site do instituto de pesquisas bíblicas da conferência geral (Para ter acesso ao artigo original em inglês clique aqui!!!). Tenho esperança de que esse texto será esclarecedor em torno de algumas questões sensíveis relacionados a esses tópicos dentro da comunidade cristã!

Para ter acesso à tradução apenas clique no link em azul "mais informações" logo abaixo




A justificação e a cruz
Ángel Manuel Rodríguez

A.    Introdução
A justificação é uma imagem tirada do ambiente dos tribunais de justiça, usada para interpretar a morte de Cristo. Duas passagens (2 Cor. 5:18-21; Rom. 5:8-9) expõem juntamente reconciliação e justificação pela fé. Os dois termos são quase sinônimos; mas eles expressam ideias diferentes. Elas são trazidas juntas, pois ambas são ações de Deus tornadas possíveis pela morte sacrifical de Cristo. Vamos nos concentrar na conexão entre a justificação pela fé e a cruz de Cristo, ou mais precisamente do efeito da morte de Cristo na raça humana. Tal estudo deve começar com Romanos 5:12-19, onde Paulo explora o significado universal da morte do Senhor. Essa é uma das passagens mais controversas no Novo Testamento e merece uma cuidadosa atenção.
  1. Uma análise de Romanos 5:12-21
Romanos 5:12-21 parece servir a uma função dupla. Ela parece trazer a um fim a seção anterior e introduz tópicos que serão discutidos nos capítulos seguintes (6-8). É geralmente reconhecido que 5:12 introduz uma afirmação que é interrompida e à qual Paulo retorna possivelmente no verso 18. Dessa forma parece haver um pensamento incompleto no verso 12. Entretanto, essa tem sido considerada como uma passagem muito importante na interpretação da seção como um todo.
1. Pecado e morte vêem ao mundo
Rom 5:12a
Portanto, assim como por um só homem entrou (eiselthen) o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte,
Várias coisas merecem atenção ao analisarmos essa passagem.
a) Originalmente pecado e morte não eram parte do mundo
Nada é afirmado aqui sobre a origem do pecado e da morte por que a presença deles é praticamente assumida de antemão. No entanto, uma coisa é clara, o pecado e a morte não se originaram nesse mundo; eles vieram de forma, como intrusos. Paulo está simplesmente descrevendo como eles vieram ao mundo e tomaram o controle dele.
            b) A singularidade do pecado de Adão
O pecado de Adão foi único na história da raça humana em termos de suas conseqüências ou resultados. Seu pecado abriu a porta para o pecado entrar ou vir ao mundo. O pecado é quase personificado aqui, aguardando à porta do mundo até que alguém abrisse para ele. O que Adão fez conduziu a um impacto universal no fato de ele ter permitido que o pecado tomasse conta do mundo. A preposição grega (“dia”)[através] é importante, pois ela identifica aquele que mediou a entrada do pecado no mundo. Essa personificação do pecado é desenvolvida em Romanos 6, onde o pecado é descrito como um rei que escravizou a raça humana.
            c) “Mundo” designa criação e humanidade
O termo “mundo” incluirá aqui não apenas o mundo da humanidade, mas tudo que Deus criou durante a semana da criação. O mundo agora é o lugar onde o pecado está plenamente ativo e no controle. Uma vez que Adão deixou o pecado entrar, mesmo o mundo natural foi afetado por ele (Rom 8:22-23). O texto sugere alguma espécie de solidariedade entre Adão e o mundo. Contudo, nesse contexto o termo “mundo” enfatiza de uma forma mais específica o mundo da humanidade e estabelece uma solidariedade entre Adão e seus descendentes.
            d) A morte veio com o pecado
Note que o pecado entrou no mundo acompanhado por outro poder: a morte. Nós encontramos a preposição (“dia”) [através] usada duas vezes nessa passagem. Uma vez com “um homem” – através de quem o pecado entrou no mundo –, e outra com “pecado” – através do qual a morte teve acesso ao mundo. O pecado de Adão trouxe separação de Deus – morte espiritual – e a morte física como conseqüência do pecado.
2. A morte passou a todos
Rom 5:12b
...assim também a morte passou a todos os homens,
porque todos pecaram.
a) “Assim também” (dessa forma)
A morte é descrita aqui e em 12a como um fenômeno universal que atingiu todos os seres humanos como resultado do pecado de um homem. A ação de um teve impacto universal e determinou a condição e destino do mundo. Paulo não especula sobre a conexão entre a ação de um e o que aconteceu “a todos.” Ao invés disso, ele descreve a conexão em termos de conseqüências. Isso é o que a frase “assim também” (kai houtos) indica. Essa frase é usada em 12b para introduzir as conseqüências da ação de um só homem. Quando usada no sentido absoluto, sem uma partícula coordenativa, ela significa “dessa forma/assim também” ou “de acordo com isso/portanto” (cf. Horst Balz, "Houtos," Dicionário exegético do Novo Testamento, vol. 2, editado por Horst Balz e Gerhard Schneider [Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1991], p. 549; C. E. B. Cranfield, Romanos, vol. 1 [Edinburgh: T. & T. Clark, 1975], p. 274). O que foi experimentado por “todos” foi o resultado ou conseqüência de algo que um só fez. Não existe referência aqui à imputação do pecado de Adão a “todos”. Existe claramente um elemento de solidariedade com ele, mas é uma solidariedade em resultado não no ato e isso foi possível apenas por que Adão representava toda a humanidade. O que ele fez teve impacto sobre seus descendentes. O fato de não haver referências à imputação de pecado pode explicar por que Paulo evita a frase “em Adão” nessa passagem. Em nenhum lugar nós encontramos Paulo dizendo: “Em Adão todos pecaram;” conquanto ele diga “em Adão todos morrem.” (1 Cor 15:22).
            b) Morte a todos
O verbo dierchomai significa “ir através, alcançar” (U. Busse, "Dierchomai," Exegetical Dictionary of the NT, vol. 1, p. 322) e junto da preposição eis (“para, a”) ele significa “alcançar/chegar em” (ibid.). O prefixo dia (“através”), ligado ao verbo, aumenta a força do verbo sugerindo a ideia de que “a morte passou através de toda a extensão da humanidade” (James D. G. Dunn. Romans 1-8 [Dallas, TX: Word, 1988], p. 273). Parece haver um significado distributivo: a morte alcançou cada pessoa, ela fez cativo “a todo homem por sua vez, à medida que as gerações se sucediam umas às outras” (Cranfield, Romans, vol. 1, p. 274). Note que o que alcançou cada ser humano não foi o pecado específico de Adão, mas a morte. A questão não é se o pecado de Adão é o pecado da humanidade, mas é que por causa do pecado dele a morte fez cativa toda a humanidade.
            c) Pois todos pecaram
Possivelmente a frase mais difícil neste verso é a última “pois todos pecaram” (NVI). O problema básico é que nas afirmações anteriores Paulo descreveu a presença do pecado e da morte no mundo como o resultado do pecado de um só homem, mas aqui ele parece atribuir a morte de todos ao seu próprio pecado individual. A tradução “em quem [Adão] todos pecaram” é hoje rejeitada com fundamento lingüístico. A preposição usada aqui não é en (“em”), mas epi (“pois, para”) e o possível antecedente do pronome, “um homem,” está muito distante (eph’ho = epi ho). Hoje se reconhece que eph’ ho está funcionando como uma conjunção e que ela poderia significar “por essa razão que, por que” em um sentido causal (cf. 2 Cor 5:4; Fil 3:12; 4:10). Nesse caso Paulo estaria dizendo que os seres humanos morrem não apenas por causa do pecado de Adão, mas também por que eles mesmos pecaram. “Paulo simplesmente intenta se referi ao fato de que a morte tomou o domínio sobre todos, pois todos pecaram (da sua própria maneira). Para ele, o pecado é ao mesmo tempo o destino do ser humano e a atitude do ser humano, pela qual o ser humano é responsável. ...com e desde Adão, morte e pecado são inescapáveis. Nenhum pessoa os pode evitar” (Peter Stuhlmacher, Paul's Letter to the Romans [Louisville, KY: Westminster, 1994], p. 86). Mas eph’ ho (“porque”) poderia também estar funcionando como o equivalente de uma conjunção consecutiva (como hoste), significando, “assim que, como esse resultado que” (Joseph A. Fitzmyer, Romans [New York: Doubleday, 1993], p. 416). Nesse caso o texto estaria dizendo que através de Adão a morte alcançou toda a humanidade com o resultado de que eles todos cometem atos pecaminosos (Thomas R. Schreiner,Romans [Grand Rapids, MI: Baker, 1998], pp. 274-277). Como veremos essa segunda visão se encaixa muito bem no contexto.
            d) Todos pecaram
O próximo problema é o verbo “pecar” (hamarton). O pecado de quem é esse? Uma explicação muito comum é que “todos pecaram” quando Adão pecou. Isso é para se dizer, a razão pela qual todos morrem é que quando Adão pecou “todos” já estavam em Adão. Seu pecado foi o pecado da humanidade e isso explica por que a morte é universal (cf. John Murray, The Epistle to the Romans [Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1959], pp. 182-86). Isso é diferente da ideia de que o pecado de Adão é imputado a cada um de seus descendentes, a todos. O argumento sugere que cada pessoa estava de alguma forma realística em Adão quando ele pecou. Essa interpretação encara vários problemas.
            Primeiro, ela introduz na passagem uma ideia que não está presente nela, a saber, a ideia de que a humanidade estava presente em algum sentido real “em Adão” quando ele pecou, pecando nele. Isso cria problemas teológicos sérios, pois pressupõe que cada indivíduo já existia/estava presente na pessoa de Adão antes dele ou dela nascer. Tal visão introduz na bíblia uma visão dualista da natureza humana.
            Segundo, o verbo hamartano é usado por Paulo exclusivamente para se referir a pecados efetivos cometidos por uma pessoa ou pessoas, não em relação à sua participação no pecado de Adão. “Não existe nada no contexto que sugira que hamarton está sendo usado em um sentido incomum e que em cada uma das outras ocorrências desse verbo nas epístolas paulinas a referência é bastante clara para se referir a pecados efetivos. (Cranfield, Romans, vol. p. 279). Esse significado concreto é presente em Rom 2:12 onde Paulo afirma que algumas pessoas pecam separadas da lei, e outras pecam debaixo da lei, novamente sugerindo que todas são pecadoras.
            Terceiro, a frase “todos pecaram” foi usada por Paulo em 3:23 para se referir aos pecados efetivos da humanidade com o objetivo de demonstrar que todos estão debaixo do poder do pecado (3:9). O tempo passado deve ser interpretado como um aoristo gnômico, indicando que o pecado tem caracterizado a experiência humana por toda a história. Stanley E. Porter escreve a respeito desse tipo de aoristo: “Uma das formas que os usuários da linguagem se referem a eventos é vê-los não confinados a uma esfera temporal (passado, presente ou futuro), mas como ocorrendo através do tempo e talvez como um representante de uma espécie de coisa que ocorre regularmente.” (Idioms of the Greek NT (Sheffield: Sheffield Academic Press, 1994], p. 38). Ele dá como exemplo Romanos 3:23. Não existe a menor evidência naquela passagem para dar suporte à ideia de que todos pecaram em Adão. Nos capítulos anteriores Paulo demonstrou que gentios e judeus eram pecadores e que o único caminho para vencer esse predicado era através da fé em Jesus (1:18-3:26).
            Quarto, no verso seguinte (5:13) Paulo lida com a questão do período entre Adão e a entrega da lei e de como poderia haver pecado antes da lei ser dada. Se todos pecaram em Adão “a questão de como eles podiam ter pecado sem mandamentos ulteriores simplesmente não surge. É por que Paulo acusa a todos de ativamente terem pecado contra Deus que ele precisa lidar com a possível objeção de que a vontade de Deus ainda não estava revelada aos homens entre Adão e Moisés” (A. J. M. Wedderburn, "The Theological Structure of Romans 5:12," New Testament Studies 19 [1972-73]:352).
            e) A morte e a inevitabilidade do pecado
Nós devemos, portanto, tomar a afirmação de Paulo em seu valor próprio e concluir que de acordo com ele “a morte passou a todos os homens, pois todos pecaram.” A morte, espiritual e física, é um fenômeno universal e também o pecado. No contexto isso significa que através de Adão, o pecado como um poder escravizador veio ao mundo, e desde então ninguém foi capaz de escapar de seu domínio. A razão para isso é que como resultado do pecado de Adão, a morte – a morte espiritual como separação de Deus e a morte física – entrou no mundo e conseqüentemente pecar se tornou inevitável ou impossível de ser evitado para a raça humana (“todos pecaram”). Não há “um justo, nenhum sequer;” “judeus e gentios estão igualmente sob o pecado” (3:9-10). O pecado de Adão separou a raça humana de Deus.
Resumindo, Paulo está afirmando que como resultado do pecado de Adão, todos nascem espiritualmente mortos, incapazes de resistir ao poder do pecado por eles mesmos, tornando o pecado inevitável para todos. “De acordo com Paulo, a morte entrou no mundo como um poder personificado, penetrou toda a humanidade como uma epidemia (Rom 5:12), e como resultado da queda a morte estabeleceu seu reino soberano (15:21; Rom 5:14, 17), no qual, a seu tempo, o pecado chegou ao poder (5:21) na humanidade, que mereceu o julgamento de morte através de sua conduta (1:32) e tinha que morrer (1 Cor 15:22)” (W. Bieder, "Thanatos death," in Exegetical Dictionary of the NT, vol. 2, p. 130).
É importante notar que Paulo não explica a conexão entre o pecado de um e o pecado de todos. Ele simplesmente afirma os fatos: O ato de um trouxe o pecado como um poder ao mundo. O pecado trouxe a morte consigo e por que os seres humanos nascem em estado de morte, separados de Deus e em necessidade de salvação, eles são totalmente incapazes por si mesmos de vencer o pecado. (cf. Rom 8:6-8). Como adventistas nós cremos que o pecado de Adão enfraqueceu a natureza humana tornando nosso pecado inevitável. Também temos ensinado que por causa do pecado de Adão nós existimos em estado de separação de Deus, em condenação e em necessidade de redenção. Por ele ser o representante de toda a raça humana, o que ele fez impactou sobre todos os seus descendentes. Nós existimos em solidariedade com ele como nosso comum ancestral e como tal essa solidariedade determinou o destino da raça humana. O pecado e morte invadiram o mundo natural e especialmente a natureza humana.
3. Pecado, morte e a Lei
Rom 5:13-14
Porque até ao regime da lei havia pecado no mundo, mas o pecado não é levado em conta quando não há lei. Entretanto, reinou a morte desde Adão até Moisés, mesmo sobre aqueles que não pecaram à semelhança da transgressão de Adão, o qual prefigurava aquele que havia de vir.
            a) Universalidade da morte e da Lei: uma objeção
Paulo está agora defendendo sua conclusão de que todos pecaram. Essa é a função do gar (“pois, porque”) explicativo. O assunto fundamental é aquele da universalidade da morte. A objeção que poderia ser levantada contra essa interpretação é que o pecado não pode ser reconhecido se a lei não estivesse em seu lugar apropriado. Portanto, a morte como pena não poderia ter sido um fenômeno universal antes da vinda da lei. Se os dois não estiverem presentes a morte não poderia estar presente, pois o pecado, definido como a transgressão da lei de Deus, não estava presente (cf. Dunn, Romans 1-8, p. 275). Na objeção o pecado está sendo definido como uma transgressão da lei e não como um poder que invade o mundo, e a morte é considerada ser o único resultado do pecado de cada indivíduo.
Paulo rebate ao apontar o fato óbvio que a morte reinou de Adão até Moisés mesmo sobre aqueles cujos pecados não foram, como foi o pecado de Adão, violações de um mandamento específico. Para Paulo a morte não é a única penalidade para pecados específicos, mas a conseqüência ou o resultado do pecado de Adão, e nesse sentido a morte estava presente no mundo mesmo antes da Torá ter sido dada a Israel. Esse é um fato irrefutável. Os seres humanos estavam sobre o poder da morte e conseqüentemente eles pecaram, mas não exatamente da mesma forma como Adão pecou. Ele violou um mandamento específico ou proibição dada a ele por Deus. Aqui está o óbvio, que o pecado de Adão não é considerado ser o pecado de todos, apesar do pecado de Adão ter afetado a todos.
Para Paulo a morte não é o simples resultado do pecado definido como transgressão da lei; a morte, como um resultado do pecado de Adão, é um fenômeno universal, um estado de alienação de Deus, um poder de cuja força ninguém consegue escapar. A lei, Paulo argumentará em 5:20, nos dá conhecimento do que já está lá, o pecado (cf. 3:20; 7:7; Ivan Blazen, "In Christ," [Unpublished paper], p. 86). “nos versos 13-14, Paulo está reafirmando a universalidade da morte à face de uma objeção ao efeito de que sua própria ênfase na lei como trazendo ira (4:15) implicaria na ausência da morte na ausência da Torá (Douglas J. Moo, The Epistle to the Romans [Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1996], p. 332).
            b) Adão: um tipo de Cristo
Adão é descrito como um tipo de Cristo no sentido de que ele era a cabeça da humanidade, seu representante, e o que ele fez teve impacto e determinou o destino da humanidade. No caso de Adão, “o impacto universal de sua ação prefigurou o impacto universal da ação de Cristo” (Moo,Romans, p. 334). Alguém poderia dizer que “Adão, em sua efetividade universal em direção à ruína, no desígnio de Deus prefigura Cristo e sua efetividade universal para salvação. Deve ser notado que é precisamente sua parabasis “desobediência” (que acabara de ser mencionada) e seus resultados que o constitui o tupos tou mellontos [o tipo daquele que havia de vir]” (Cranfield, Romans, vol. 1, p. 283).
Romanos 5:13-14 essencialmente serve para estabelecer o fato de que a morte é um fenômeno universal diretamente relacionado com a atitude pecaminosa de Adão em termos de suas conseqüências diretas. Os versos que se seguem contrastam os resultados da ação de Adão com a ação de Cristo e seus respectivos resultados.
4. O dom gratuito e a transgressão
Rom 5:15
Todavia, não é assim o dom gratuito como a ofensa (paraptoma); porque, se, pela ofensa de um só, morreram muitos (hoi polloi), muito mais a graça (charisma) de Deus e o dom pela graça (dorea en chariti) de um só homem, Jesus Cristo, foram abundantes (eperisseusen) sobre muitos (eis tou polous).
a) O dom gratuito não é como a transgressão (ofensa)
Esse verso é introduzido pela partícula contrastante “todavia”, pois Paulo tinha acabo de afirmar que Adão era um tipo de Cristo e ele agora deseja esclarecer que existem algumas diferenças significativas entre eles dois. Ele imediatamente afirma que, “o dom gratuito não é como a ofensa,” ou seja, é maior do que a ofensa. Paulo não dizendo que a obra de Cristo é paralela de alguma forma ao que Adão fez. De fato ele está contrastando os dois a fim de mostrar que o que Cristo realizou é maior e mais significativo ainda do que o que Adão trouxe como resultado de seu pecado. O paralelismo não é exatamente antitético. Nós encontramos um contraste nas primeiras duas linhas, mas o oposto de “morreram muitos” deveria ser “esses muitos serão trazidos à vida.” Ao invés disso, nós lemos, “foram abundantes sobre muitos.” Observe também que “os muitos,” sob Adão, funciona gramaticalmente como o sujeito do verbo (“muitos morreram”), enquanto que sob Cristo eles são o objeto indireto introduzido pela preposição eis (“sobre, para”), que os identifica como o alvo intencionado da ação do verbo. O verbo é perisseuo, “ser mais do que suficiente, abundar.”
            b) A abundância do dom gratuito
O verbo “abundar” parece introduzir na passagem o conceito de provisão (cf. 2 Cor 1:5a; 4:15; 8:2; 9:8ab; Ef 1:8). Ele não está enfatizando o ato da justificação, mas a extensão da provisão. Isso significa que, “a ação da graça ‘sendo abundante’ aos muitos através de Cristo tem, dessa forma, a conotação de uma provisão de justiça escatológica abundante para os muitos e uma concessão de suas riquezas a eles. (David A. Sapp, An Introduction to Adam Christology in Paul [Ann Arbor, MI: University Microfilms International, 1990], pp. 324-25). O pecado de Adão resultou no fato de que muitos morreram; mas a obra de graça de Cristo proveu mais graça do que era necessária para lidar com o problema criado pela transgressão de Adão. A provisão foi maior e mais larga do que a necessidade, e revela a generosidade de Deus. O dom foi maior do que a ofensa; Portanto, “o dom gratuito não é como a ofensa.”
O contraste entre Adão e Cristo nessa passagem e nas outras que se seguem apelam para um ponto essencial, a saber, que “as ações singulares de duas pessoas respectivas tem efeitos compreensíveis e todo-abarcantes” (Don Garlington, Faith, Obedience, and Perseverance: Aspects of Paul's Letter to the Romans [Tübingen: J. C. B. Mohr, 1994], p. 99). A obra pecaminosa, a queda (paraptoma = “pecado, um passo em falso”) de um teve impacto universal; A obra da graça do outro trouxe uma provisão de graça de tal magnitude que chegou a ser maior do que era necessária. A abundância da provisão e o fato de ela ser oferecida a todos implicam que daqui em diante o destino de todos é determinado por sua resposta ao dom que está sendo oferecido a eles. O destino humano não é mais determinado pela atitude pecaminosa de Adão.
5. O dom e a condenação
Rom 5:16
O dom (dorema), entretanto, não é como (dia) no caso [resultado]  em que somente um pecou; porque o julgamento (krima) derivou de (eks) uma  só ofensa [pecado], para (eis) a condenação (katakrima); mas a graça (charisma) transcorre de (ek) muitas ofensas (paraptoma), para (eis) a justificação.
O contraste agora é “entre o dom e aquilo que veio através de Adão, ao invés de com a transgressão (ofensa) de Adão em si” (Dunn, Rom 1-8, p. 280). No verso anterior o contraste era principalmente entre o dom e a transgressão de Adão. Mais uma vez nos é dito, “o dom gratuito não é como no caso em que somente um homem pecou.” O que Cristo trouxe é radicalmente diferente do resultado do pecado de Adão. Seu pecado trouxe, como um resultado de juízo, a condenação; um resultado negativo. Mas o dom da graça não lida apenas com o único pecado de Adão, mas com as muitas transgressões (paraptoma) e seus resultados (eis) na justificação e absolvição para os pecadores. O dom é superior! “aquela única má obra deveria ser respondida com juízo, isso é perfeitamente compreensível: mas que o acúmulo dos pecados e da culpa de todas as eras devesse ser respondido com o dom gratuito de Deus, esse é o milagre dos milagres, absolutamente além da compreensão humana (Cranfield, Romans, vol. 1, p. 286).
Mas o contraste não é apenas entre a única transgressão versus Cristo lidando com muitas transgressões. O real contraste está localizado na natureza do resultado das ações de Adão e de Cristo. A obra de Adão terminou em condenação (eis katakrima), o dom de Deus em justificação (eis dikaioma). Como um pecador é justificado? Isso é explicado no verso 17.
6. Aceitando o dom
Rom 5:17
Se, pela ofensa de um e por meio de um só, reinou (ebasileusen) a morte, muito mais os que recebem a abundante provisão (perisseia) da graça e o dom da justiça reinarão (basileusousin) em vida por meio de um só, a saber, Jesus Cristo.
Mais uma vez os contrastes não são paralelos exatos, mas o paralelismo presente no texto é basicamente antitético. O verso é introduzido pela partícula “se” (gar), que introduz uma elaboração posterior ou desenvolvimento do verto 16; essa é um “se” (gar) explicativo. É importante observar que o efeito da transgressão de Adão é universal: a morte reinou sobre todos. Isso já havia sido estabelecido por Paulo (v. 15), mas agora ele personifica a morte e a torna um poder escravizador. Alguém poderia esperar que Paulo dissesse que o efeito da graça de Cristo seria que a vida reinasse sobre todos, mas ele não faz essa afirmação.
            a) Graça como Justificação
O dom da graça mencionado no verso 16 é agora identificado como sendo a justificação. No verso 16 Paulo não identificou para quem a graça resultou em justificação. Isso ele explica agora no verso 17. No verso 15 Paulo afirmou que a obra da graça “foi abundante” (perisseuo) para os “muitos.” Alguém poderia argumentar que os “muitos” são “aqueles que recebem a abundância (perisseia) da graça e justificação,” ou seja, os crentes. Mas também é possível dizer que a provisão feita para os “muitos,” significa para todos, mas somente aqueles que recebem a provisão sã de fato justificados. Com o objetivo de fazer uma conexão conceitual entre o que ele está dizendo aqui e no verso 15 ele usa o substantivo abundância (perisseia) derivado do verbo “abundar, ser abundante” (perisseuo) usado no verso 15. Isso confirma a nossa conclusão de que essa abundância de graça deve ser interpretada em termos da provisão que deve ser recebida ou apropriada.
            b) A graça deve ser aceita
De acordo com o verso 16 o ato da graça “surgiu em resposta a muitas transgressões. Mas nem todos os que transgrediram serão justificados. Somente aqueles que de fato recebem o ato de graça e a abundância do dom da justiça que ela traz serão de fato justificados” (Sapp, Adam, p. 326). Essa é provavelmente a razão por que o apóstolo disse que o ato de graça não é como a ofensa. Alguém poderia dizer que “a morte não demonstra parcialidade e estende seu domínio sobre ‘todos’ (cf. 5:14). Mas a graça livremente garante justiça para aqueles que a receberem, e então os recebem como participantes no Reino da Graça. (ibid.). A graça não é um poder escravizador que entra  no mundo e torna todas as pessoas sujeitas ao seu poder. Antes essas são características do pecado e da morte. A graça se oferece a si mesma aos seres humanos como um presente de Deus e chama os pecadores a se tornarem membros de seu reino, e de permitirem a si mesmos de serem governados por esse reino. O verso 21 indica que a graça reina através justiça, sugerindo mais uma vez que “o senhorio escatológico da graça é limitado ao invés de ser universal em escopo. É o reino daqueles que recebem a graça, ou seja, que recebem o dom da justiça” (ibid., p.323).
O fato de a graça da justiça ser um dom/presente dá suporte à ideia que ela é universal em sua provisão, mas não em seus efeitos salvíficos a menos que todos a recebam. Um presente só pode ser oferecido para aqueles a quem ele foi adquirido. Deus tem esse presente maravilhoso da justificação para a raça humana e ele nos revelou isso em, e através de, Jesus Cristo (Rom 3:21). Mas essa é a justificação que vem somente através da fé (3:21-22). Nós temos que recebê-la, temos de dizer “sim” ao Senhor.
Romanos 5:17 é extremamente importante para o entendimento do argumento de Paulo pois é um sumário do que ele vem dizendo nos versos anteriores e forma a base para aquilo que ele está por acrescentar nos versos seguintes.
7. Condenação e Justificação para todos
Rom 5:18
Pois assim como (ara oun), através de (dia) uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os homens para (eis) condenação, assim também, através de (dia) um só ato de justiça, veio a graça sobre todos os homens para (eis) a justificação que dá vida.
a) Comparação e contraste: Comportamento e Resultado
Agora o principal contraste é entre a conduta ou comportamento dos dois representantes da raça humana. Não existem verbos nessa passagem; De fato ela é “uma compreensão de mestre sobre diferentes aspectos tomados dos versos precedentes” (Dunn, Romans 1-8, p. 283). Esse fato torna difícil a interpretação do verso e requererá de nós uma olhada cuidadosa no contexto. Mas primeiro, vamos examinar o verso em si.  Ele é formado por frases preposicionais, duas frases preposicionais principais introduzidas por dia, “através.” Também temos uma comparação na qual a primeira proposição (prótase) é introduzida com “pois assim” e a segunda proposição (apódose) como “assim também.” Paulo não está simplesmente comparando os comportamentos de Adão e de Cristo e as respectivas conseqüências, mas as contrastando: “Pois assim como, por uma só ofensa, veio o juízo sobre (eis) todos os homens para (eis) condenação, assim também, por (eis) um só ato de justiça, veio a graça sobre todos os homens para (eis) a justificação que dá vida.”
Nós também encontramos eis sendo usada duas vezes em cada uma das frases preposicionais. O primeiro usa introduz a extensão da ação (“sobre todos os homens”). Uma vez que não há nenhum verbo (em grego) na frase é difícil determinar qual seja a conexão entre “uma só ofensa/a ofensa de um” e a afirmação “a todos os homens.” O mesmo se aplica à segunda frase preposicional. O segundo uso da preposição eis introduz o alvo final ou resultado de ambas as ações – “para condenação;” “para justificação que dá vida” – Paulo está enfatizando “a correspondência entre as duas causas (dia) contrastantes [desobediência/obediência] e o fim (eis) último [condenação/justificação] e para com sua extensão equivalente (eis) [Para todos os homens]” (F. Blass and A. Debrunner, A Greek Grammar of the NT, [Chicago, IL: University of Chicago Press, 1961], p. 255).
            b) O uso da preposição eis (para, por)
O primeiro uso da preposição eis é bem claro; Ele serve para identificar aqueles “para quem a atitude de Adão e de Cristo se estende (‘para todos’), ou seja, a penalidade e os benefícios para todos” (Sapp, Adam, p. 326). O segundo uso é um pouco mais complicado por que ele indica um propósito ou resultado intencionado e ele não se refere a um objeto, mas a um relacionamento ou uma condição – “condenação,” “justificação.” O uso da preposição não indica por si mesma se ela aponta para o que é realizado de fato, ou apenas para o que é desejado. Isso deve ser decidido pelo contexto (M. J. Harris, "Prepositions and Theology in the Greek NT," New International Dictionary of NT Theology, vol. 3, edited by Colin Brown [Grand Rapids, MI: Zondervan, 1978], p. 118; Stanley E. Porter, Idioms, pp. 152-153; cf. Rom 10:1; 12:3; Col 3:10).
            c) Justificação e Universalismo: Justificação para todos
Alguém poderia argumentar que o paralelo entre Adão e Cristo requereria a preposição eis (“para, por”) como tendo o mesmo significado em ambos os casos. Isso significa dizer que, se no caso de Adão seu propósito foi de fato realizado – a ação dele resultou em condenação de todos – ela deve ter o mesmo significado com respeito a Cristo – sua obediência resultou em justificação para todos. Esse é um argumento lógico, mas é válido apenas se estivermos desejosos de abraçar o universalismo. A condição na qual nós nos encontramos como resultado do pecado de Adão foi inevitável e permanente. Portanto, a condição na qual “todos” se encontram como resultado da obediência de Jesus tem que ser inevitável e permanente, não relacionada de nenhuma maneira com qualquer decisão pessoal. Mas essa conclusão não pode ser suportada pelo resto da bíblia ou particularmente por qualquer epístola paulina. O universalismo não é uma doutrina bíblica e não há razão para introduzi-la em nossa interpretação de Romanos 5:18.
            d) Justificação forense (legal) universal
Alguns têm tentado evitar a armadilha do universalismo enquanto ainda enfatizam o paralelo entre Adão e Cristo, argumentando que todos foram legalmente justificados em Cristo independentemente de qualquer compromisso de fé, mas alguém poderia renunciar a esse status legal através de uma decisão pessoal contra Cristo. Essa sugestão, de fato, quebra o paralelo entre Adão e Cristo e destrói a consistência da lógica interna do argumento. Permitam-me explicar: O resultado factual do pecado de Adão, a saber, a condenação, não foi algo que nós pudemos rejeitar, evitar, ou mesmo aceitar. Era simplesmente nossa. Pressionando o paralelo entre Adão e Cristo significaria que a “justificação que dá vida” que Cristo trouxe “a todos os homens” também seria inevitável e permanente. Ao introduzir a ideia de uma justificação legal universal que poderia ser rejeitada se quebra o paralelo entre Adão e Cristo sobre o qual o argumento se fundamenta. Conseqüentemente, Romanos 5:18 não deveria ser usado para apoiar a teoria da salvação legal universal. A melhor solução é reconhecer que no caso de Adão a preposição eis se refere ao resultado de fato se sua ação – ela trouxe morte para todos -, mas no caso de Cristo a justificação é intencionada para todos, mas nem todos serão justificados, pois a justificação precisa ser recebida, aceita. Isso é apoiado por argumentos lingüísticos e contextuais.
            e) Análise contextual
 É geralmente aceito que o verso 18 está relacionado com o verso 12 onde encontramos uma afirmação inconclusiva feita por Paulo. No verso 18 Paulo resume o que ele diz no verso 12 e então adiciona a apódose a ele. Entretanto ninguém pode negar que os versos intermediários não contribuam para o resumo do verso 18. (Garlington,Faith, p. 101: “esses versos se referem a duas fontes, uma é o verso 12, mas os versos intermediários também contribuem”). Por exemplo, nós encontramos alguns paralelos lingüísticos claros com o verso 16: “condenação” (katakrima), “transgressão” (paraptoma), e “justificação” (dikaioma-dikaiosis). Devemos manter em mente também que o verso 16 é explicado no verso 17.
Portanto, se fôssemos olhar para os verbos no intuito de interpretar o verso 18 nós teremos de retroceder aos versos anteriores. Estaremos procurando pela seguinte estrutura gramatical nesse verso: verbo +preposição (eis) + objeto pessoal indireto. Essa mesma estrutura é usada a respeito de Adão e do resultado de pecado e morte e para Cristo e o resultado de sua obra salvífica. Desses elementos o único faltando no verso 18 é o verbo. Se encontrarmos a mesma estrutura gramatical em algum outro lugar do contexto poderíamos sugerir que Paulo tem o mesmo verbo em mente no verso 18. Com respeito a Adão o único lugar onde encontramos uma estrutura gramatical semelhante é em 5:12:
Preposição
Objeto indireto  
Sujeito
verbo
eis
pantas anthropous
ho thanatos
dielthen
Para
todos os homens
a morte
espalhou

A conexão com o verso 12 que acabamos de mencionar nos permite tomar o verbo que ele usa para expressar o mesmo pensamento que encontramos no verso 18.
5:12 eis pantas anthropous ho thanatos dielthen
            A todos os homens a morte se espalhou
5:18 di’ henos paraptomatos eis pantas anthropous [ho thanatos dielthen]
            Através de uma ofensa a todos os homens [a morte se espalhou]
Em uma tentativa de ser leal ao que Paulo está dizendo é necessário usar a frase “a morte se espalhou” do verso 12 no verso 18. A passagem então leria, “portanto, assim como através de uma só ofensa [a morte se espalhou (dierchomai)] a todos os homens para condenação...” (tradução sugerida por Sapp, Adam, p. 328). A “uma só ofensa” de Adão é a mesma indicada no verso 12 “através do pecado de um só homem.” A segunda preposição eis expressa o resultado factual de condenação. Isso se encaixa no contexto muito bem, não viola o pensamento expresso pelo apóstolo, e estabelece uma conexão clara com o verso 12.
Nós devemos lidar agora com o verso 18b e com o verbo que necessita ser suprido ali. Foi o contexto, como vimos, que nos informou sobre como a desobediência de Adão afetou a todos os homens. Nós devemos fazer o mesmo com respeito à obra de Deus em Cristo. Aqui teremos que procurar pela mesma estrutura gramatical: Verbo + eis +objeto pessoal indireto. A resposta é encontrada no verso 15 que é desenvolvida e esclarecida nos versos 16 e 17.
5:15 he charis... eis tous pollous eperisseusen
        Graça... aos muitos abundou
5:18 eis panta anthropous [he charis aperisseusen]
           A todos os homens       [a graça abundou]
Parece-nos que é isso que o contexto sugere. O benefício dessa abordagem é que existe certo controle na seleção dos verbos a serem usados no verso 18 tornando desnecessário que o intérprete introduza sua própria “preferência.”
 Também é interessante notar que o uso da preposição eis nas duas passagens + objeto pessoal indireto no verso 18 encontra paralelo no contexto imediato, aplicado uma vez a Jesus e outra a Adão.
5:16
eis katakrima
(Adão)
Para condenação
eis dikaioma
(Cristo)
Para justificação
5:18
eis katakrima
(Adão)
Para condenação
eis dikaiosin tsoes
(Cristo)
Para justificação que dá vida

Isso mostra que Paulo está expressando no verso 18 ideias que podem ser encontradas nos versos anteriores; Ele está provavelmente resumindo o que ele afirmou anteriormente. A preposição eis pode ser usada, como já fizemos, para elucidar o significado do verso.
É útil relembrar que o verso 17 é um desenvolvimento do verso 16. O substantivo “abundância,” usado no verso 17, é associado com a justificação pela fé e aqueles que a recebem. De acordo com o verso 17 a abundância da graça de Deus deve ser recebida ou apropriada pelo crente. Portanto, a segunda preposição eis no verso 18 aponta para aquilo para que a atitude de Cristo está apontando. A graça de Deus revelada em Cristo tem relevância universal. Deus que cada indivíduo seja salvo, mas o fato de que a justificação e a vida são ambas mencionadas no verso 18 e ambas são “presentes/dons” (dorea, 5:15d, 17b) serem recebidos (5:17b) pela fé, demonstra que a morte de Cristo não resulta na justificação de todos os homens” (Sapp, Adam, p. 327). A justificação como a vida pertencem somente aqueles que crerem. Mais uma vez podemos ver que a provisão é universal em sua extensão, mas limitada em seus efeitos por causa da liberdade humana.
8. Feitos pecadores através de Adão; Feitos justos através de Cristo
Rom 5:19
Porque, como, pela (dia) desobediência de um só homem, muitos se tornaram (kathistemi) pecadores, assim também, por meio (dia) da obediência de um só, muitos se tornarão (kathistemi) justos.
            a) O significado do verbo Kathistemi (“Tornar”)
Essa passagem não é tão complicada quanto à passagem anterior. O verso enfatiza o tipo de pessoas que os indivíduos se tornaram “como resultado da obra de Adão e de Cristo respectivamente; Por sua desobediência, Adão tornou sua posteridade em pecadora, enquanto Cristo por sua obediência tornou as pessoas em justas” (Garlington, Faith, p. 103). Note que o mesmo verbo é usado em comparação ou contraste entre Adão e Cristo. Mas talvez mais importante seja que, quando associado com Adão o verbo está conjugado no passado, enquanto que quando associado com Cristo o verbo está conjugado no futuro. O verbo kathistemi em sua forma passiva significa “se declarado como algo, se designado como algo” e é o equivalente de “se tornar” (ginomai; see Albrecht Oepke, "Kathistemi," Theological Dictionary of the NT, vol. 3, edited by Gerhard Kittel [Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1965], p. 445). Como os muitos se tornaram pecadores? A resposta é dada nos versos 12 e 13: por causa do pecado de Adão, a morte entrou no mundo nos alienando de Deus e tornando impossível para cada pessoa escapar do poder escravizador do pecado. Somos pecadores não apenas por que cometemos atos pecaminosos, mas por que somos separados de Deus por natureza. O contexto não sugere que o pecado de Adão foi imputado aos muitos. Os “muitos” se tornam justos quando eles aceitam pela fé o dom da justificação (v. 17), dessa forma trazendo a um fim sua alienação de Deus.
            b) O uso de “muitos” e “todos”
Logicamente o verso 18 provê a base para o que é dito no verso 19 e essa é a razão dele ser introduzido pelo “porque” (gar) introdutório. A mudança de “todos os homens” no verso 18 para “os muitos” é também algo significativo. Nas línguas semitas a totalidade de um grupo é referida pelo termo: “muitos.” Aquelas línguas não tinham o adjetivo “todos” no sentido de “cada um;” Geralmente elas usavam um substantivo (kol=a totalidade; pas=cada um, o todo; pl. todas as coisas) (ver, G. Nebe, "Polus,"Exegetical Dictionary of the NT, vol. 3, p.132). Ao invés disso, o Antigo Testamento usava o plural de rab=“muitos,” “vários,” “grande,” rabbim. Em grego hoi polloi podia ter um significado exclusivo (que exclui), ou seja, essa expressão significava “muitos, mas não todos.” Todavia, no Novo Testamento prevalece o uso inclusivo (que inclui) “todos.” Em Romanos 5 o termo designa a totalidade de dois grupos, aqueles que pertencem a Adão, e aqueles que pertencem a Cristo, que receberam o dom da graça. Nós também encontramos a expressão “todos os homens” no verso 18, que significa a totalidade da humanidade. A provisão foi feita para a raça humana, mas somente aqueles que se apropriam dela é que fazem parte dos “muitos,” da totalidade daqueles que pertencem a Jesus.
Podemos concluir que Romanos 5:12-19 descreve o evento da cruz como um ato de graça feito por Deus em Cristo. Esse ato tem como seu alvo a totalidade da raça humana. Existe graça suficiente para salvar toda a humanidade do começo ao fim. A cruz de Cristo revelou abundância de graça, mas a raça humana precisa recebê-la, tomar o presente trazido à existência por Deus. O dom é em essência o presente da justificação pela fé. Aqueles que o aceitam se tornam parte dos “muitos” que estão em Cristo. É, portanto, importante observar que a comparação entre Adão e Cristo é antes um contraste e não requer equivalência de ação nem de resultado. De fato, o que cristo fez foi maior, mais amplo em sua extensão e em seu poder do que aquilo que Adão fez.
9. Pecado e Lei
Rom 5:20-21
Sobreveio a lei para que avultasse a ofensa; mas onde abundou o pecado, superabundou a graça, a fim de que, como o pecado reinou pela morte, assim também reinasse a graça pela justiça para a vida eterna, mediante Jesus Cristo, nosso Senhor.

Paulo retorna agora ao tópico da lei.  Ele menciona um fato histórico – a lei foi dada após o pecado já estar no mundo –, e uma conclusão teológica – a lei se uniu à conexão entre pecado e morte com a intenção de desmascarar o pecado enquanto pecado (Rom 7:3). A lei revela o pecado pelo que ele é – um estado de rebelião que resulta em condenação eterna. Ela aumenta o pecado no sentido em que ela identifica o pecado. A lei é totalmente incapaz de mudar a condição criada por Adão, mas a torna insuportável. Isso resulta em algo positivo: a graça é revelada em toda sua majestade e poder como a disposição amorosa de Deus em perdoar pecadores.
O último verso é a conclusão ou sumário da discussão. Foi a intenção de Deus remover a raça humana do domínio do pecado e da morte. O pecado reinou acompanhado ou no domínio da (em “em”) morte, mas agora a graça reina pela virtude do significado do (dia) dom da justificação que resulta em (eis) vida eterna.
  1. Observações gerais e conclusão
Paulo está obviamente contrastando os resultados do pecado de Adão com os resultados da obra salvífica de Cristo na cruz. Ele não está argumentando que a forma como o pecado entrou no mundo é paralela à forma como o dom de Deus veio ao mundo. O paralelo é basicamente limitado ao que de que o que Adão fez teve impacto universal e o que Cristo fez também teve impacto universal. A razão implícita é que Adão estava na posição de cabeça da raça humana, e o que ele fez determinou o destino de seus descendentes. Agora Cristo é aquele que está na posição de cabeça da humanidade e determina seu destino em termos das respostas que eles dão à sua oferta de salvação (Rom 5:17). Uma vez que Adão não podia transmitir aos seus descendentes algo que ele não possuísse, o resultado de seu pecado foi morte e pecado para todos os membros da raça humana.  A graça, porém, não é um poder escravizador, mas seus benefícios são intencionados para alcançar todos os seres humanos (ela tem uma dimensão universal) que pela fé a recebem. A graça, assim como o pecado e a morte, reina, mas reina através da justiça não através do destino.
A ideia de que cada ser humano estava em Adão quando este pecou é totalmente estranha à passagem bíblica que estamos considerando. Argumentar que quando Adão pecou nós todos pecamos por que nós estávamos nele é introduzir na bíblia um mal entendimento da natureza humana. Implícita na afirmação que estávamos em Adão está a ideia de que nós somos pré-existentes em relação ao nosso nascimento natural, e que, portanto, nós somos responsáveis pelo pecado de Adão. A antropologia bíblica rejeita qualquer tipo de dualismo antropológico e ensina que o ser humano é uma unidade indivisível para quem é impossível existir em uma forma não-física. Ao insistir que nós estávamos em Adão quando ele pecou estamos ensinando, não intencionalmente, que nós somos responsáveis por ações cometidas por nós fora de nossa presente forma física, mas dentro do corpo de Adão. Aqueles que promovem essa visão não estão usando essa linguagem de forma metafórica, pois de acordo com eles nós pecamos de fato, nos tornamos pecadores, no pecado de Adão. Somente as próprias pessoas são responsáveis por suas ações, portanto, nós tínhamos que existir em alguma forma quando Adão pecou para que sejamos responsabilizados pelo pecado dele. Mas tais ideias são estranhas a Romanos 5:12-21.
Contudo precisamos reconhecer que o pecado de Adão teve impacto universal. É exatamente isso que Paulo está argumentando. Nós todos somos pecadores, nós todos estamos separados de Deus por causa do pecado de Adão. Paulo explica o que ele quer dizer ao afirmar que quando Adão pecou então o pecado e a morte entraram no mundo. Certamente o pecado de Adão não é o nosso pecado, mas ele tornou impossível para qualquer ser humano não pecar, pois a morte como um poder universal veio ao mundo como resultado do pecado de Adão. Isso é morte espiritual e física. Estamos separados de Deus como uma raça cuja natureza humana não tem poder para resistir ao poder do pecado. Nossa condição pecaminosa foi seguida de atos pecaminosos por que nós estávamos espiritualmente mortos. Paulo diz “Por isso, o pendor da carne é inimizade contra Deus, pois não está sujeito à lei de Deus, nem mesmo pode estar” (Rom 8:7). É essa condição natural que obtemos de Adão; em Adão “todos morrem” (1 Cor 15:22). Nós somos pecadores não por que quando Adão pecou, então nós, que alegadamente estávamos nele, pecamos, mas por que viemos debaixo do poder da morte, separados de Deus, o que tornou o pecado inevitável/inescapável para nós.
Ellen White afirma: “Adão foi dotado de uma natureza santa, inocente, pura, incontaminada; mas caiu porque deu ouvidos à sugestão do inimigo; e sua posteridade se tornou depravada; pela desobediência de um homem muitos foram feitos pecadores” (“auto-negação,” O instrutor da juventude, 01/04/1897, p.1). Ela também comenta, “Por que o homem caído não podia vencer a Satanás com sua força humana, veio Cristo das cortes reais do Céu para ajudá-lo com Sua força humana e divina combinadas. Cristo sabia que Adão, no Éden, com suas superiores vantagens, poderia ter resistido às tentações de Satanás, vencendo-o. Sabia também que não era possível ao homem, fora do Éden, separado, desde a queda, da luz e do amor de Deus, resistir em suas próprias forças às tentações de Satanás.” (Mensagens escolhidas, vol.1, p. 279). É essa condição que recebemos de Adão, não seu pecado pessoal.
O dom da graça que veio através de Cristo é suficiente para salvar a cada ser humano, cada pecador. Nós somos constituídos justos ao aceitarmos esse dom e então somos capacitados pelo Espírito Santo a vencer o pecado em nossas vidas. A lei não podia nos trazer de volta à vida, mas Cristo pode: “Porque, se fosse promulgada uma lei que pudesse dar vida, a justiça, na verdade, seria procedente de lei. Mas a Escritura encerrou tudo sob o pecado, para que, mediante a fé em Jesus Cristo, fosse a promessa concedida aos que creem.” (Gálatas 3:21-22). O dom é oferecido a todos, mas é recebido apenas pelos que acreditam. O ato de desobediência de Adão separou a raça humana de Deus, mas o sacrifício de Cristo traz perdão por nossos pecados e nos re-liga a Deus. A justificação legal universal não é ensinada em Rom 5:12-21.
O uso da frase “em Cristo” para apoiar aquele conceito cria sérios problemas teológicos que vão contra o evangelho em si. A frase “em Cristo” não é encontrada em Rom 5:12-21. Isso é impressionante por que Paulo usa essa expressão freqüentemente em suas epístolas, mas a evita aqui. Se fôssemos aceitar a ideia de que toda a raça humana estaria em Cristo assim como estava em Adão nós criaríamos sérios problemas teológicos. O argumento de que quando Adão pecou, nós todos de fato pecamos por que nós estávamos nele, significaria que quando Cristo morreu nós de fato salvamos a nós mesmos por que nós estávamos nele. Ou seja, ele não era nosso substituto e nossos pecados não foram transferidos para ele por que nós estávamos “nele;” Nós de fato morremos por nossos próprios pecados da mesma forma como nós de fato pecamos quando Adão pecou. Essa é uma aberração não intencional do evangelho da salvação através da fé naquilo que Cristo, e somente Cristo, fez por nós na cruz. Essas ideias estão todas ausentes em Rom 5:12-21.
Paulo descreve em Romanos 5:12-19 o evento da cruz como um ato de graça divino. A manifestação desse dom/presente tem como seu objeto a raça humana por completo. Através de Cristo Deus proveu graça suficiente para salvar toda a raça humana, desde o tempo de Adão até o fim da misericórdia. Mas esse dom deve ser aceito para que seja nosso. Esse dom é a justificação pela fé e aqueles que a aceitam são os “muitos” que estão em Cristo através da fé nEle.

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